Não foi a primeira vez, e nem a última, que a professora de História de Belo Horizonte, Luana Tolentino, começou sua aula com uma frase inusitada para seus alunos: “O que você gostaria que eu, sua professora, soubesse sobre você?”.
Por Ana Luiza Basílio, no Educação Integral
Mais recentemente, a indagação foi dirigida a uma turma de cerca de 30 alunos do 6º ano do ensino fundamental. Foi a segunda vez que Luana aplicou a atividade. A primeira, em 2015, foi logo após ela ler uma reportagem sobre as práticas educativas de uma professora da cidade de Denver, no estado norte-americano de Colorado.
Em ambas as ocasiões, Luana notou o imediato interesse pela atividade. “Fui acolhida pelo encantamento e curiosidade delas”, relembra. A ideia é que os relatos entregues virem uma espécie de segredo entre ela e cada um dos estudantes.
O processo é bastante espontâneo e a professora costuma fazer apenas orientações sobre a redação e tamanho do texto.
Em conversa com o Centro de Referências em Educação Integral, Luana elenca os principais aspectos pedagógicos que a atividade fomenta e também fala sobre como a prática pode apoiar o papel mediador do docente.
#1. Estabelecer relação de aproximação/confiança
Para Luana, a atividade traduz a forma como ela mesma vê seus alunos. “Sempre busco propor algo que faça sentido a eles, que se afaste da ‘coisa maquinária’ de copiar e responder”, expõe. A docente comenta que é comum que se criem algumas convenções em torno das crianças. “Esperamos que eles sejam os mesmos, que tirem boas notas, que tenham bom desempenho. Mas a verdade é que eles não são iguais”, defende.
Em sua opinião, as atividades pedagógicas devem considerar cada estudante como indivíduo, com trajetória própria e especificidades. “Quando eles enxergam esse propósito, acabam por se aproximar mais de mim e da proposta e tornam a sala de aula um ambiente mais prazeroso”, afirma.
#2. Detectar problemas na sala de aula
A partir dos relatos recebidos, Luana acaba por ter contato com a vida dos alunos para além da escola. “Desde o início, eu sabia que eu não poderia ser indiferente a nada do que visse”, observa. A docente conta que são bastante comuns narrativas sobre violência, ou casos de ausência afetiva. Muitas vezes, essas histórias estão diretamente associadas a estudantes que apresentam dificuldades de comportamento, interação ou desempenho escolar.
Isso acaba funcionando como uma boa pista para o trabalho pedagógico. “Conhecendo a criança, você passa a ser mais assertivo, a propor uma mediação mais direcionada, em alguns casos”, reflete. Ela também reconhece que a atividade acaba por incentivar a autoria e a escrita dos alunos, em sua opinião, ainda pouco estimuladas pelas escolas.
#3. Fomentar a autonomia
“Ao pedir o relato para os estudantes eu estou dizendo que eles são capazes, que eles também sabem”, coloca Luana. Para a professora, isso é importante para criar um caminho autônomo de aprendizagem, fazendo com que cada aluno se perceba em meio ao processo, reconheça as próprias demandas e dificuldades e saiba entender que elas possuem peculiaridades próprias.
“Cada criança é um sujeito. Elas não podem estar ali o dia todo só acumulando informações que, muitas vezes, não fazem o menor sentido para a realidade delas”, complementa.
#4. Pensar em soluções para a sala de aula
A partir dos percursos pedagógicos mais dialógicos, Luana busca sempre inovar diante dos conteúdos, fazendo a ponte entre eles e a realidade dos meninos e meninas. “Eu sei que tenho um cronograma a ser cumprido, mas também sei que posso ressignificá-los e apresentá-los de forma a estabelecer outras conexões, pensando no contexto em que a comunidade escolar está inserida”, reflete.
Para ela, isso depende muito da leitura que o professor faz e carece de um preparo prévio, com estudos e pesquisas direcionados a esses elementos que tragam esses significados.
Confira abaixo alguns dos relatos recebidos pela professora: