O que você pode fazer pela igualdade de gênero na infância?

Há exatamente um ano, o mundo tinha seus olhos voltados para Nova York onde foram definidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Eles pautarão os esforços para a construção de um mundo sustentável até 2030 e, para isso, estabelecem 17 objetivos e 169 metas que devem ser alcançados no menor tempo possível. Neste sentido, foi definido um objetivo específico para a igualdade de gênero, uma mostra clara de que todos – homens e mulheres, meninos e meninas, devem ser considerados dentro dos objetivos.

Do Brasil Post

O mundo reconheceu que, independente de gênero, todos têm os mesmos direitos, mas na prática isso não acontece – meninas e mulheres estão em desvantagem. Falamos muito sobre objetivos para 2030, mas em pleno século 21, meninos e meninas ainda são tratados de forma desigual. Essa realidade só será mudada quando a sociedade começar a questionar seus hábitos, mudar o comportamento e a forma de educar, principalmente mostrar para as crianças, desde cedo, o que é igualdade de gênero. Então, o que você pode fazer para promover a igualdade de gênero desde a infância?

Trazer à luz as questões que interferem no modo de vida e no futuro das meninas é dar a elas a oportunidade de transcender os limites que impedem seu desenvolvimento. As meninas e mulheres precisam ser notadas e para isso é preciso tornar visíveis as questões que afetam negativamente suas vidas. No mundo, há 110 milhões de crianças que não vão à escola, sendo que 2/3 são meninas. É importante ressaltar que houve um avanço significativo no ingresso de meninas às escolas, mas restam muitos desafios relacionados à qualidade e à permanência. Outro desafio é levar o debate da igualdade de gênero ao ambiente escolar.

A metade das meninas que vive nos países em desenvolvimento estará casada antes de completar 20 anos. O matrimônio forçado é uma realidade muitas vezes viabilizada pela aceitação cultural. Por trás dessas uniões, há outras questões que afetam as meninas, como o abuso e a exploração sexual, a servidão, o abandono escolar e a perda de autonomia. O Brasil está em 4º lugar em termos absolutos no ranking de uniões precoces. Os pais precisam educar seus meninos que eles não são maiores e melhores que as meninas.

Uma em cada três mulheres sobreviveu a algum tipo de violência baseada em gênero, violência essa sofrida na maioria das vezes por alguém muito próximo, inclusive da mesma família. Pesquisas indicam as meninas entre 13 e 18 anos são as mais vulneráveis a serem exploradas sexualmente. No Brasil, recentemente fomos impactados por vários casos de estupros coletivos contra jovens, um deles de repercussão internacional. Esses fatos revelam a existência de uma cultura do estupro, onde o corpo da mulher é visto como propriedade dos homens. A repercussão de fatos como esse tem mobilizado a sociedade civil. Precisamos criar a cultura do respeito, em que meninos e homens entendam que não podem fazer o que quiserem com as meninas e mulheres.

Outro aspecto que afeta a vida das meninas é a gravidez precoce. No Brasil, em média, 19% dos nascidos vivos é filho de uma menina entre 14 e 19 anos – em algumas regiões este índice alcança 33%. A gravidez na adolescência traz consequências para a vida das meninas: é uma das principais causas de abandono escolar, e as adolescentes estão mais vulneráveis a morrer no parto. Em um recente estudo feito no Brasil, se comprovou que a mortalidade de crianças filhas de mães adolescentes é 20% maior do que a de mulheres adultas e jovens. A educação em sexualidade com uma abordagem baseada em direitos é a principal ferramenta para prevenir a gravidez na adolescência.

Outra situação que permanece na quase totalidade dos países em desenvolvimento é o trabalho infantil. Ainda que esta situação afete também os meninos, no caso das meninas há especificidades que as deixam em lugares de alta vulnerabilidade – são usadas, especialmente, para o serviço doméstico, remunerado ou não. Essas meninas estão expostas a todo tipo de riscos, acidentes, jornadas extenuantes, abuso sexual, abandono escolar, para citar algumas consequências. Num recente estudo do Instituto Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (INPETI) e pela Plan International Brasil, se constatou que ainda temos mais de 200 mil meninas brasileiras trabalhando; a grande maioria são negras, estudam menos que outras meninas, e perdem sua infância gastando seu tempo em atividades que não são adequadas para sua etapa de vida.

Todas essas situações confirmam que essa desigualdade de tratamento iniciada na infância gera impactos por toda a vida dessas meninas que depois se tornam mulheres. Tudo isso é a base para que a desigualdade de gênero permaneça na vida das mulheres. Elas são vítimas de violência nas suas casas.

As mulheres entraram no mercado de trabalho e representam uma grande força econômica, mas continuam ganhando menos que os homens que ocupam a mesma função, sem contar que as mulheres acumulam uma dupla jornada, ao assumir quase sempre sozinhas o cuidado da casa e dos filhos. A participação das mulheres na vida política continua sendo desigual; no Brasil, as mulheres ocupam menos de 10% dos cargos públicos – a política continua sendo um lugar para homens.

Poderíamos seguir elencando situações que evidenciam como essas desigualdades e vulnerabilidades começam na infância e perduram por toda a vida adulta. Outras categorias de análise poderiam ser mencionadas para demonstrar e compreender a complexidade da questão: origem étnica, diferenças regionais, migração, situações de emergência, secas etc.

Precisamos que os direitos de crianças e adolescentes sejam respeitados. Todos os esforços, especialmente na situação das meninas, devem ser tomados. Nós lutamos por um mundo mais justo que promova os direitos das crianças e igualdade para as meninas. Queremos também garantir que os ODSs possam ser monitorados com qualidade e confiabilidade. Sabemos da importância da definição dos indicadores como um elemento chave para medir os avanços, e também da importância da busca por dados confiáveis, sendo que a falta deles deixa as meninas invisíveis. Temos que torná-las visíveis! Em nível global, anualmente, e em parceria com outras organizações, faremos um informe de alcance global sobre o cumprimento das metas de desenvolvimento sustentável para meninas e mulheres para os próximos 15 anos.

Um mundo bom para as meninas é um mundo bom para todas as pessoas – o desafio da igualdade é um desafio para todas as pessoas. Ao abraçarmos o desafio, estaremos contribuindo significativamente com ações em casa, no trabalho, na escola, em toda a sociedade. Precisamos perceber que alguns hábitos cotidianos reforçam a desigualdade. Se as pessoas analisarem o que fazem e conseguirem entender o que é errado, será possível fazer as coisas diferentes. Dessa forma, as meninas poderão aprender, decidir, liderar e prosperar.

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