Objetivo da Unicamp é a excelência e a inclusão social, diz reitor da universidade

Instituição terá neste ano mais de 50% dos alunos oriundos de escolas públicas

Por Eduardo Miranda, do Jornal do Brasil 

A comunidade acadêmica comemorou nesta sexta-feira (12) um resultado de grande impacto social, alcançado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), uma das universidades de maior prestígio no Brasil. Mais de 50% dos alunos aprovados no último vestibular da instituição e que iniciarão seus estudos neste ano cursaram o Ensino Médio em escolas públicas.

Em entrevista ao Jornal do Brasil, o reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, explica que a instituição implantou em 2004 o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), que é diferente das cotas já existentes em universidades públicas, e que a expectativa do Conselho Universitário da Unicamp era alcançar a meta de superar os 50% apenas em 2017.

“Em 2004, a Unicamp discutiu algumas metodologias de inclusão social nos cursos de graduação que não adotassem a simples reserva de vagas, o sistema de cotas. Decidimos, então, por esse sistema que denominamos PAAIS, atribuir pontos de bonificação na nota do vestibular com dois critérios: o aluno ter cursado o Ensino Médio em escola pública e ter se autodeclarado preto, pardo ou indígena (na nomenclatura do IBGE). Esse aluno passou a participar do processo com a bonificação acrescida, mas sem a reserva de vaga”, afirma o professor.

Ao longo de quase dez anos de vigência do programa a Unicamp logrou bons resultados, mas foi apenas em 2013 que o corpo acadêmico fez uma revisão da metodologia e estabeleceu a meta do mínimo de 50%. “Fizemos uma discussão mais profunda. Mesmo com resultados positivos, eles estavam aquém da inclusão que a universidade gostaria de fazer”, diz o reitor, acrescentando que dentro dos 50% oriundos da educação pública, pretos, pardos e indígenas deveriam corresponder a 35%, que é a proporção das três etnias no Estado de São Paulo, de acordo com dados atualizados do IBGE.

Entre as mudanças de dois anos atrás que provocaram uma mudança mais visível está a introdução de bonificação também na primeira fase do vestibular, quando os candidatos se submetem a exames mais abrangentes e de questões objetivas. De acordo com o reitor da Unicamp, o Conselho Universitário da instituição percebeu que no sistema de cotas praticado pelas demais universidades muitos alunos não chegam à segunda fase do vestibular. “Nossos estudos mostravam que era preciso levar mais gente das escolas públicas para a segunda fase”, observa José Tadeu Jorge.

Os dados do vestibular, divulgados nesta sexta-feira (12), mostram que o impacto do programa será ainda mais forte nos cursos de maior demanda da Unicamp — alguns deles reconhecidamente vistos como redutos da elite social e econômica do país. É o caso de Medicina, que terá neste ano impressionantes 88% de suas cadeiras ocupadas por estudantes que cursaram Ensino Médio em instituições públicas. Das cinco graduações mais concorridas, apenas Arquitetura e Urbanismo ainda não atingiu a meta da universidade. Os demais — Medicina, Midiologia, Ciências Biológicas e Engenharia Civil — ultrapassaram os 50%.

Tadeu Jorge rechaça argumentos de queda na qualidade do ensino superior. Ele cita dados em retrospectiva que a Unicamp vem coletando desde 2004. “Ao longo desses anos os alunos que entraram pelo PAAIS, ao se formarem, mostraram rendimento melhor ou igual àqueles que não utilizaram o programa. É um resultado inequívoco e com ampla significância estatística. Se há diferença, ela é favorável aos alunos do ensino público”, concluiu o reitor.

A explicação para um resultado que solapa as expectativas mais conservadoras reitera o que já vem sendo dito por outras instituições que analisam o sistema de cotas nas universidades desde sua implantação, há mais de dez anos. “Procurando entender as razões, nossos estudos levam à conclusão de que os alunos provenientes de escolas públicas, por uma série de dificuldades e pela falta de oportunidade de um bom ensino, quando entram em uma universidade se agarram ao conhecimento com muita força e muita raça. Em pouco tempo, estes alunos já se igualam com o outro grupo, pela simples questão de agora terem um ensino de bom nível, e não por falta de capacidade própria”, afirma o reitor da Unicamp, lembrando que, além da excelência no ensino e na pesquisa, a universidade pública deve ser também espaço de inclusão social.

+ sobre o tema

Pedagogia de afirmação indígena: percorrendo o território Mura

O território Mura que percorro com a pedagogia da...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas,...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22%...

para lembrar

Comissão do Senado aprova cotas para negros em concursos

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do...

Ações afirmativas deixarão Defensoria Pública mais democrática

Por Rafael Custódio, Sheila de Carvalho, Silvio Luiz de Almeida e Daniel Teixeira Nesta quinta-feira (23/10),...

Cotas e políticas públicas

Políticas de ação afirmativas, dentre elas as cotas, têm...

Número de professores negros em universidades públicas gera debate

Campanha institucional da UFJF questiona a quantidade de docentes...
spot_imgspot_img

Brancos, vamos falar de cotas no serviço público?

Em junho expira o prazo da lei de cotas nos concursos públicos. A proposta de renovação apresentada pelo governo Lula e elaborada de forma interministerial tem sofrido...

Um país doente de realidade

O Brasil é um país "doente de realidade". A constante negação da verdade me leva a essa conclusão. Enquanto parte dos indivíduos prefere alterar...

Inclusão não é favor

Inclusão não é favor. Inclusão é direito! Essa é a principal razão pela qual ações voltadas à promoção da equidade racial devem ser respeitadas, defendidas e...
-+=