Obra retrata princesa negra guerreira para ser referência na literatura

Livro de professora conta a história de Alafiá contra a escravidão

Por Fabio Perrotta Jr., do O Dia 

Sinara Rúbia, autora do livro ‘Alafiá, a Princesa Guerreira’: empoderamento – Foto: Cléber Mendes

Sinara Rúbia é uma professora negra de 43 anos. Aos 25, na busca por apresentar referências literárias negras para sua filha, a pequena Sara, então com três anos, sofreu com a escassez do tema na literatura nacional. Foi basicamente ali que nasceu a ideia de criar Alafiá, a princesa guerreira negra que ganhou seu primeiro livro ontem.

A escritora conta que a personagem ganhou corpo durante a sua monografia, quando fez uma pesquisa de campo com meninas negras de 5 a 12 anos. O objetivo era ver de que maneira o universo da literatura infantil influenciava na construção da identidade de uma criança negra com a presença hegemônica de personagens brancos com biotipo europeu.

“O fato interessante foi que a maioria das entrevistadas não se interessava pela história em si, e sim pelo biotipo da personagem. Diziam que gostavam do cabelo, dos olhos, do corpo, mas sempre quando questionadas sobre se mudariam algo nelas, alteravam justamente essas características, trazendo para uma aparência mais próxima da delas: um cabelo mais enrolado, um tom de pele ou o olho mais escuro”, recorda.

Logo após a conclusão da monografia, a professora escreveu o primeiro conto que narra a história de Alafiá, em 2007. Uma narrativa que traz não só as referências negras que ela buscava, como também uma identificação com a própria diáspora africavna e seus efeitos na sociedade brasileira.

Alafiá é uma princesa africana, do antigo reino de Daomé, que veio capturada para o Brasil, através do tráfico negreiro no período da colonização portuguesa. Na luta contra a escravidão, se tornou uma guerreira quilombola.

Com todos os elementos de uma história comum de princesa (drama, aventura, encantamentos, uma história de amor e um final feliz), a história de Alafiá usa o empoderamento negro e feminino e faz uma reflexão sobre temas atuais. Baseada em fatos reais, mostra a mulher negra que veio para o Brasil através do tráfico negreiro e levanta o debate étnico-racial da valorização da cultura negra e da educação antirracista.

“Sabemos que vieram reinados africanos completos para o Brasil na época de escravidão. Sociedades extremamente organizadas foram colocadas em navios sem saber para onde iriam. A história da Alafiá é a história que a própria história não conta. São histórias do povo negro que ninguém aprende, mas que causam um dano enorme”, diz a escritora.

Apesar de a estrutura da obra ser a mesma de histórias famosas de princesas, como a própria Sinara diz, os objetivos da protagonista são bem diferentes dos contos de fada clássicos.

“O objetivo da Alafiá é diferente de viver feliz para sempre com um príncipe submersa em riqueza. Ela é uma princesa que se tornou escrava, fugiu da senzala e se tornou guerreira quilombola. É uma história de luta, de resistência, de resiliência, mas também é uma história de amor, já que ela também se apaixona por um guerreiro do Quilombo onde foi acolhida”, explica.

De origem iorubá, Alafiá significa “o que é verdadeiro”, “caminhos abertos” ou “felicidade”. Criada em 2007, a personagem ganha vida quando a própria Sinara a interpreta, sempre no início do seu curso sobre a arte de contar histórias. Hoje, a autora ministra cursos por todo o Brasil para professores, educadores, artistas e estudantes sobre a história negra e literatura infanto-juvenil, além de ser a contadora de histórias da Central Única das Favelas (Cufa).

“Apresento mais de 200 obras de literatura infanto juvenil nos meus cursos, a maioria deles inéditos para os participantes por conta da representatividade negra das histórias. Ensino o ofício de contar histórias com inspiração griô, que são os grandes contadores de histórias da sociedade africana. A história da Alafiá sempre foi o carro-chefe desse conteúdo. As pessoas sempre me questionavam aonde estava o livro, que gostariam de ter a história em casa e, agora, tive a oportunidade de publicar o meu primeiro livro”, diz.

Visualmente, a princesa guerreira foi inspirada na ancestralidade da autora. “A Alafiá se parece com Oyá, que também é conhecida como Iansã. Uma mulher negra, guerreira da religião de matriz africana e tem bastante esse elemento de inspiração. Ela poderia ser qualquer mulher negra poderosa, como Dandara dos Palmares, a mulher de Zumbi dos Palmares. É uma personagem para as pessoas simpatizarem e se reconhecerem”, afirma.

Das 1000 unidades impressas na primeira edição do livro, cerca de 200 foram vendidas ainda em regime de pré-venda. O interesse da população ficou evidente até mesmo na hora da entrevista, quando pedestres que também circulavam pelo Parque Madureira abordaram a autora e perguntaram como faziam para adquirir um exemplar.

Publicado pela Editora Nia e ilustrado por Valéria Felipe, o livro foi lançado em um grande evento no MAR — Museu de Arte do Rio —, ontem. As vendas são feitas pela internet e os interessados podem adquirir um exemplar diretamente pelo Facebook da autora. Basta procurar por ‘Sinara Rúbia Cultura e Arte Griô’ na rede social. O preço é de R$ 36.

“Gostei de processo de contar bastante uma história e depois lançá-la como livro. Com certeza teremos novos personagens no futuro. Certamente sobre mulheres negras poderosas, guerreiras e que sirvam de exemplo para as crianças e jovens do Brasil”, concluiu a autora.

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