Onde foram parar os adultos?

Somos uma sociedade infantilizada, que não sabe perder, tem medo de sofrer, não aguenta o sofrimento e, para fugir disso, consome, “ama” de forma infantil, culpa a todos, menos a si mesmo. Onde foram parar os adultos, afinal? Quando passarão a assumir o controle de sua própria vida e virar gente grande?

Por  JULIANA SANTIN, no Obvius

Recentemente vi uma entrevista com a psicanalista e filósofa, Viviane Mosé, em que ela afirma categoricamente: nós somos uma sociedade infantilizada. Isso há muito tempo estava claro para mim. O comportamento da maioria dos adultos que conheço não difere muito do comportamento de uma criança mimada, que não sabe perder e tem medo de sofrer. E esse adulto é bem pior que uma criança, porque vem com os ônus, mas os bônus, ou seja, o lado bom da criança, por mais mimada que seja, que é a alegria e o brilho nos olhos, há muito tempo deixaram de existir.

Também recentemente reli um artigo de Eliane Brum, publicado na revista Época em 2011, falando sobre como a geração mais preparada está despreparada para a vida. Ela fala dos jovens, mas eu vejo esse comportamento generalizado em nossa sociedade. Eliane fala que os jovens acham que nasceram com o “patrimônio da felicidade” e que acham que têm direitos, são merecedores de benefícios simplesmente porque existem.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso”, diz ela no artigo.

Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande”, continua Eliane.

Isso vai totalmente de encontro com a opinião de Viviane: “É o sofrimento que nos move. Eu não tenho que buscar o sofrimento, mas eu não tenho que achar que tenho que acabar com o meu sofrimento. Não sou eu que acaba com o meu sofrimento; é o meu sofrimento que acaba”. Ela diz que é o “rastro” do sofrimento que rasga sua alma para ela ficar mais larga. “Quando a alma se torna maior, ela cabe mais mundo, permite mais contradição. Uma pessoa amadurece quando lida melhor com o sofrimento”.

A dor o que é? A dor é uma estrada: você anda por ela no adiante da sua lonjura, para chegar a um outro lado. E esse lado é uma parte de nós que não conhecemos”. (Mia Couto, no livro Estórias Abensonhadas)

Diante dessa incapacidade infantil de lidar com o sofrimento e as frustrações, com esse imperativo de felicidade que todos se impõem atualmente, as pessoas buscam medidas para acabar com o sofrimento: compram, por exemplo. Consomem, consomem, consomem o tempo todo. E assim, esquecem-se temporariamente de seus problemas. Sabe quando um bebê está chorando e você entrega a ele um brinquedo e, temporariamente, ele para de chorar e fica distraído com aquele brinquedo novo? Então, exatamente assim que agimos. No entanto, assim como o bebê, logo enjoamos do “brinquedo” e voltamos a chorar. E então, apelamos para outro brinquedo. E assim sucessivamente.

Viviane diz também que as pessoas amam para acabar com seu sofrimento. E isso é bem claro. O que mais se vê por aí são pessoas que não conseguem se ver sozinhas e, quando isso acontece, agem como criancinhas mimadas que sentam e choram. Até que uma outra criancinha chorona resolva lhe fazer companhia e, juntas, elas formem uma espécie de “adulto dois em um”: dois adultos imaturos e infantis, que não conseguem olhar para si mesmos e gostar do que veem – com todas as contradições que isso implica – se unem para formar um “algo” mais ou menos completo. E quando um dos dois resolve dar a mão a outro coleguinha, o primeiro volta a chorar e espernear. Até encontrar outro para aliviar a dor de se perceber sozinho.

Somos todos sozinhos, caros protótipos de adultos. É necessário lidar com isso.

Outra maneira de (não) lidar com a solidão é se esconder e resolver brincar sozinho. Essas são as crianças que estão chorando por dentro, corroendo-se de solidão e com muita vontade de participar das brincadeiras, mas que, por medo de serem rejeitadas, nem se arriscam. Fingem que estão melhores em seu cantinho, solitárias. Antes só do que uma rejeição. Será?

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Vemos essa sociedade infantilizada também nessa atual bipolaridade política que vivemos no Brasil atualmente. Os brasileiros se dividiram em dois grupinhos: os “coxinhas” e os “petralhas”. Não há conversa entre os dois grupos, não há diálogo. O historiador Leandro Karnal diz que, na falta de argumentos, a pessoa usa adjetivos. Bem, exatamente como uma criança, com a diferença de que a criança ainda não tem discernimento e capacidade cognitiva de formular argumentos. O adulto (supostamente) tem.

As pessoas agem como se quem fosse “salvar” suas vidas de todas as frustrações fosse unicamente um partido de escolha. Bastaria mudar a cara dos governantes e pronto: como em um passe de mágica, o Brasil – e a vida de todos os brasileiros – começaria a “dar certo”. É exatamente o mesmo raciocínio da criança, que acredita piamente que a mãe ou algum adulto vai conseguir salvá-la de seus sofrimentos. Assumir parte da responsabilidade pelo país e por tudo não faz parte do discurso da maioria. A “culpa” é de alguém de fora, nunca minha. É como um aluno que vai mal na prova e diz que a culpa é do professor, que não sabe dar aula ou formular provas. De fato, existem maus professores – e maus governantes -, mas um resultado de prova nunca é apenas determinado por um dos lados da questão. Nem de um país.

A corrupção começa no andar pelo acostamento, a corrupção começa no recibo de dentista comprado para entregar o imposto de renda, a corrupção continua no atestado médico falso entregue pelo pai para justificar o filho que apenas vagabundeou para a prova, a corrupção continua com o colega que na aula de ética política em Filosofia assina a lista pelo colega, estudando Spinoza e a sua ética”, diz Karnal em uma aula sobre Hamlet.

Li recentemente uma crônica de Martha Medeiros no livro Doidas e Santas em que ela diz que para colaborar com o mundo, deve-se começar mudando a si mesmo. Ideia tão simples, tão óbvia. “Tem gente à beça fazendo discurso pela ordem e reclamando em nome dos outros, mas mantém a própria vida desarrumada. Trabalham naquilo que não gostam, não se esforçam para conservar uma relação de amor, não cuidam da própria saúde, não se interessam por cultura e informação e estão mais propensos a rosnar do que a aprender. Com a cabeça assim minada, vão passar que tipo de tranquilidade adiante? Que espécie de exemplo? E vão reivindicar o que?

Mas daí fica difícil, porque para mudar você precisa olhar para você e isso implica ver também as contradições. Isso implica perceber que você precisa se esforçar e que sempre culpar o coleguinha é atitude de criança mimada.

Nós somos uma sociedade doente”, diz Viviane. Ela diz que falta às pessoas hoje em dia dar valor à VIDA, mas que isso inclui o kit completo: sofrimento, frustrações, dores, junto com alegrias, conquistas, realizações. É necessário perceber que temos deveres, mais do que direitos. É necessário assumir o controle da própria vida. É necessário aguentar as dores e crescer com elas. É necessário se olhar de frente. É necessário crescer.

 

JULIANA SANTIN

Humana, demasiado humana, apreciadora da companhia de crianças, adolescentes e velhinhos que retomaram o gosto pela vida, em busca constante por pessoas que mantêm o brilho nos olhos.

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