Fernanda Torres detonando diretamente da Belle Époque

Ao ler o artigo “Mulher” (no blog #AgoraÉQueSãoElas, em 22.2.2016), da atriz e escritora Fernanda Torres, no qual diz: “A vitimização do discurso feminista me irrita mais do que o machismo”, além de expor ideias irreais sobre assédios sexuais sofridos por Irene, sua babá negra, pensei: escrito diretamente da Belle Époque, cujo centro irradiador era Paris, então capital cultural do mundo, mas que persiste como estilo de vida!

Por Fátima Oliveira, do O Tempo 

Numa visão crítica, só foi uma “bela época” para pouca gente, pois Belle Époque é pra quem pode! Reconheço os legados culturais, artísticos e literários da Belle Époque, mas ela foi “uma visão de mundo da burguesia europeia”, num contexto de explosão tecnológica (telégrafo sem fio, telefone, cinema, bicicleta, automóvel, avião…), num período de bonança e paz vivenciadas “pelas potências ocidentais, sobretudo as europeias, entre 1871 e 1914, quando eclode a Primeira Guerra Mundial”.

Matutando sobre as linhas e entrelinhas do artigo, não esquecendo que vivemos num país desigual, de muitas castas, racista e machista, num contexto de fascismo descarado, repito: por mais solidários que sejam, ricos e brancos jamais saberão o que é exploração de classe e a vida sob o tacão do racismo. Tive a sensação de carregar água na peneira na longa peleja contra o patriarcado, o racismo e a opressão de classe, com todas as mazelas deles decorrentes.

A Belle Époque é contemporânea das mobilizações que resultaram na Revolução Russa de 1917. Enquanto a Belle Époque fascinava letrados do mundo (leia-se: classe média e burguesia), as ideias socialistas ganhavam corações e mentes da classe operária em diferentes países. A Belle Époque é contemporânea da segunda onda feminista: luta sufragista, mobilizações das operárias (criação de sindicatos femininos) e internacionais socialistas de mulheres: 1ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, Stuttgart, 1903; 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, Copenhague, 1910; e 3ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, Berna, 1915.

Sob a vigência da Belle Époque, foi definido o Dia Internacional da Mulher, o 8 de março, há exatos 106 anos, proposto em 1910, na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, organizada por Clara Zétkin (1857-1933) e Rosa Luxemburgo (1871-1919), tendo como eixo a luta pela emancipação feminina e a igualdade de oportunidades no trabalho e na vida social e política – aspirações ainda atuais.

Concepções equivocadas sobre opressão de gênero e racismo, implícito e explícito, não são monopólios de Fernanda Torres! Ao admitir sua alienação e pedir desculpas, em “Mea culpa” (24.2.2016), ela cresce perante ideias retrógradas, como a aprovação pela Câmara dos Deputados, em 17.2.2016, da MP 696 (2.10.2015), que, nas palavras de Elza Berquó, “retira da legislação a ‘perspectiva de gênero’ como condição para garantia dos direitos das brasileiras”.

O inusitado de “Mea culpa” é a rapidez com que uma atriz do quilate dela, endeusada pelo seu trabalho, admite que “meteu os pés pelas mãos” e sai da zona de conforto do estilo Belle Époque: “Esperava-se de uma voz feminina que tem um espaço para se posicionar uma opinião menos alienada e classista diante da luta pelo fim de tanta desigualdade e sofrimento que as mulheres enfrentaram e enfrentam pelos séculos”.

É verdade, logo, são legítimos desabafos e análises cruentos sobre os dois artigos da atriz e escritora. Todavia, eu, do meu lugar de negra feminista, avalio que devo dizer no Dia Internacional da Mulher: bem-vinda às lutas feministas e antirracistas, Fernanda Torres!

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