Listas de “gostosas”, “mulheres de” que ganham medalhas ou belezas loiras de olhos azuis”
Reunimos os casos mais flagrantes de sexismo na cobertura da competição.
Por CLARA FERRERO, do El Pais
Simone Biles é a grande sensação da ginástica nestes Jogos Olímpicos. A nadadora Katinka Hosszu bateu o recorde mundial dos 400 metros e está cheia de ouros, e a norte-americana Katie Ledecky arrasou na piscina, conseguindo o primeiro lugar — e fazendo história — nos 400m livres. Apesar de nos Jogos Olímpicos de 2016quase 50% dos esportistas serem mulheres (45%, para sermos exatos) e dos impressionantes feitos esportivos que estão conseguindo, muitos meios de comunicação se negam a reconhecê-las como algo mais que um pedaço de carne. É o que afirma um estudo da Universidade de Cambridge que acaba de ser publicado e que afirma que a mídia trata de forma diferente a informação esportiva se (oh, que surpresa!) o protagonista é homem ou mulher. É a conclusão a que chegaram depois de analisar 160 milhões de palavras em jornais, blogs e redes sociais. Os homens recebem três vezes mais espaço e tempo na informação esportiva do que as mulheres, e pior de tudo, as palavras mais usadas com elas são “idade”, “grávida” ou “solteira”, enquanto “rápido”, “forte” e “fantástico” são os adjetivos mais usados quando se fala deles. Esses dados não fazem mais do que certificar o machismo que ainda está presente no âmbito esportivo e que ultimamente está sendo especialmente palpável no tratamento da informação dos Jogos Olímpicos do Rio. É só dar um giro pela Internet para encontrar vários exemplos flagrantes de discriminação e sexismo:
– Allison Stokke, a atleta que vai prender você no salto com vara no Rio 2016 – Marca Buzz
“Será que Allison é a atleta mais bonita do mundo?” Com esta frase começa um ‘artigo’ do site Marca Buzz cujo único objetivo é coisificar a saltadora Allison Stokke. Sem citar em nenhum momento suas conquistas esportivas, o post se limita a inserir fotos da atleta treinando, retiradas de seu Instagram e acrescentando comentários como: “Sem dúvida está em forma”, “O salto com vara espera por você… e por meio mundo” ou “traga ou não medalha, ficaremos orgulhosos dela”. Outros tantos artigos circulam na rede limitando-se a analisar seu físico. Até sua página na Wikipedia dá mais protagonismo a sua fama na Internet como “ícone sexual” do que em analisar sua trajetória esportiva.
– A “mulher de” que ganhou o bronze – Chicago Tribune
“A mulher de um jogador dos Bears ganhou hoje uma medalha de bronze na Olimpíada do Rio”, tuitou o Chicago Tribune depois que a atiradora norte-americana Corey Cogdell ficou com o terceiro lugar na categoria de tiro ao prato. Nem esse mérito nem o fato de ter ficado com a mesma medalha nos Jogos de Pequim pareceram suficientes para o jornal para mudar de ideia de apresentá-la como “a mulher de” nas redes sociais. Apesar de o texto escrito pelo jornalista Tim Bannon incluir o nome da esportista no título, abreviou as conquistas anteriores de Cogdell e preferiu destacar que é casada com o jogador de futebol americano do Chicago Bears Mitch Unrein. Os leitores não demoraram para reclamar nas redes sociais, propondo títulos alternativos e denunciando que “seu nome não é ‘esposa de um jogador dos Bears’. Seu nome é Corey Cogdell. Abaixo os títulos sexistas”.
– A goleira “sem complexos” que pesa 98 quilos e come hambúrgueres? – Marca
O jornal esportivo Marca registrava a surpresa dos fãs diante da “destreza” da goleira do time de feminino de handebol de Angola, Teresa Almeida, apesar de seu “sobrepeso”. “Teve cerca de 34% de acertos, mas o que realmente cativou o pessoal foi sua flexibilidade com o corpo que tem”, diz um artigo totalmente focado no físico da esportista. Por mais que a própria Almeida fale com a publicação sobre seu corpo e dê várias declarações sobre como se sente sendo a “goleira da gordura”, o que verdadeiramente indignou o Twitter foi a forma como o jornal vendeu a notícia nas redes sociais. Os ícones que acompanham o título (a saber: hambúrgueres, batatas fritas e um gato morrendo de rir) só aumentaram a polêmica. O tuíte da discórdia foi apagado.
– Hosszu, a nadadora que bateu o recorde mundial “graças a seu marido” – NBC
No sábado passado, a nadadora húngara Katinka Hosszu quebrou o recorde mundial nos 400 metros, um feito que conseguiu “graças a seu marido”, segundo alfinetou ao vivo Dan Hicks, comentarista da rede de TVNBC. “Ele é a pessoa responsável por este triunfo. É preciso notar como mudou a motivação dela desde que começou a ser treinada por ele. É medo ou confiança o que a está ajudando neste processo?”, comentou o jornalista. Parece que Hicks esqueceu que a nadadora já foi campeã da Europa em 2010 (para citar apenas um dos títulos que ostenta), dois anos antes que seu atual marido começasse a treiná-la e três anos antes de se casar com ele.