Os Arturos e o Congado: Símbolo de Luta e Resistência para O Povo Mineiro

Em Belo Horizonte e Minas Gerais encontramos a forte expressão dos congados, chamados de Reinados e Irmandades de Nossa Senhora do Rosário. Geralmente esses prestam homenagens aos santos pretos, como: São Benedito, Santa Efigênia, Santo Antônio, São Jorge, Nossa Senhora Santana e Nossa Senhora das Mercês. Vários pesquisadores identificam nos grupos culturais e religiosos de matriz africana a forte presença da oralidade, ancestralidade, e tradição contribuindo da construção da identidade do povo brasileiro. Portanto, é importante qualquer iniciativa que divulgue e valorize as diversas manifestações populares, sobretudo os nossos ricos reinados.

A Comunidade dos Arturos vem há mais de 109 anos, com sua cultura expressiva e forte religiosidade manifestando culto à Nossa Senhora do Rosário nas festas do Congado. Os Arturos é um grupo familiar que reside em propriedade coletiva no município de Contagem. Durante todo o ano realizam diversas festas como 13 de Maio – Abolição da Escravatura, Festa de Nossa Senhora do Rosário (outubro), João do Mato e Folia de Reis (dezembro), além do candombe e batuque nas festas de casamento, aniversários e batizados.

A coroação de reis e rainhas era comum em todo o Brasil, já em 1674 registrava-se a coroação de reis de congo na Igreja de nossa Senhora do Rosário em Recife. Em Minas, Saul MARTINS cita em sua tese que André João Antônio também em sua obra (1711) identificou o costume dos negros de criarem reis, juizes e juízas nas festas de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Encontram-se também em Minas registros de Irmandades de Nossa Senhora do Rosário datados em 1704 e 1715 nas cidades de Serro e de Ouro Preto.

Os Arturos, assim é chamada e conhecida a Comunidade, atualmente cartão postal de Contagem que vem tornando-se cada vez mais conhecido. Artigos e pesquisas sobre ela têm sido produzidos por estudiosos de Minas e outros estados. A história dos Arturos começou com Camilo Silvério e Felisbina Rita Cândida em Vila Santa Quitéria, hoje município de Esmeraldas. Dessa União nasceu seu pai Arthur Camilo Silvério que mais tarde constituiu família com Carmelinda Maria da Silva. Os frutos dessa união formam hoje os Arturos com mais de 50 famílias, tendo atualmente uma média de 400 descendentes, instalados em seis hectares de terra no local denominado Domingos Pereira em Contagem, desde 1880. A família segue sua saga com sua herança cultural.

A comunidade dos Arturos é representada juridicamente pela Irmandade Nossa Senhora do Rosário de Contagem que tem como função fundamental: tratar dos assuntos referentes à comunidade, sobretudo da organização das festas realizadas. Ela foi fundada em 1972 e compõe-se das referidas guardas de Congo e Moçambique, do Reinado (As Guardas têm sua representividade: o congo é responsável por abrir os caminhos, sendo a guarda que segue à frente nos cortejos, o moçambique é responsável por conduzir os reis e rainhas, guardar e proteger o reinado, sendo portanto os últimos no cortejo, também nesta guarda, os capitães tiram o canto e são autoridades, dentre as quais são consideradas autoridades máximas o Capitão-mor (Mário Braz da Luz) e o capitão-regente (Sr. Antônio Maria Silva). José Bonifácio da Luz (bengala), capitão e presidente da Irmandade, diz que ele apenas assina pois quem decide tudo dentro das comunidade dos Arturos são os mais velhos, essa tradição e respeito aos mesmos é fundamental no grupo e vem sendo transmitida.

As festas na comunidade dos Arturos têm início no dia 6 de janeiro com a Folia dos Santos Reis. Na Segunda semana de maio em comemoração da abolição da escravatura a Irmandade recebe um grande número de visitantes e inúmeras guardas convidadas da Capital e do interior de Minas. O mesmo ocorre em 08 de outubro que é a grande Festa de Nossa Senhora do Rosário. No dia 15 de dezembro tem lugar a festa do João do Mato. O encerramento das festividades ocorre em 25 de dezembro, quando o rei visita os presépios das casas dos Arturos e dos bairros vizinhos.

Nas festas das irmandades é possível identificar a força dos laços familiares, a herança da tradição do culto à Nossa Senhora do Rosário ou as entidades de matriz africana. Identificamos também a família vivenciando a festa num espaço urbano em que a alternância entre o trabalho e a festa faz-se oportuna para os grupos. Nos diversos grupos identificamos a importância dos mais velhos juntamente com a força dos mais novos. São crianças de dois anos que já têm reservados seus instrumentos e uma missão de continuidade. São os jovens (criaram o grupo Afro Brasileiro Filhos de Zambi) com seus chapéus roupas coloridas, penteados exóticos e alegria contagiante que dão o toque jovial ao encontro, seja no ritmo pulsante (congo e moçambique/feminino ou masculino), no canto e na dança saltitante com suas gungas sonoras, tendo eles o compromisso com seus pais de guardar e dar continuidade ao reinado.

Nos altares desses grupos, entre coroas, bastões e imagens de santos católicos, pretos velhos, Iemanjá, São Jorge, São Cosme e Damião, percebemos a força do culto africano pois essa ligação ou não com o candomblé ou umbanda nos leva à ancestralidade de seus antepassados, cultos e aprendizagens que receberam como legados. Na Antropologia, através da teoria da festa ou outros estudos envolvendo a cultura de matriz africana encontramos diversos autores como: Émile Durkheim, Edison Carneiro, Muniz Sodré, Edimilson Pereira, Roberto Damatta, Roger Bastide, Georges Bataille, Juana Elbein, Lêda Martins Marcel Mauss, Pierre Verger, Roger Caillois, Renato Ortiz, e Pierre Sanchis que discutem a importância das diversas manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras pesquisadas a partir da efervescência, transgressão, sagrado, rito, reciprocidade, profano, revigoramento, tradição, ressignificação, mitos e a vida coletiva.

O Inventário dos Grupos de tradições Afro-brasileiras (Reinado, Candomblé, Capoeira Angola, Umbanda e Samba de Roda), desenvolvido pela Secretária Municipal da Cultura de Belo Horizonte em 2004, foi um passo importante para discutir essas manifestações culturais e religiosas. Em Minas encontra-se também a força do culto africano presente principalmente no candombe, um ritual onde é evocada a força dos antepassados, geralmente em algumas guardas é um ritual interno e tem a responsabilidade de abrir as festas mais importantes da comunidade, é outra iniciativa para divulgar o trabalho da comunidade.

Sabendo-se que muito preconceito e discriminação tiveram que enfrentar os congadeiros em um período em que a Igreja católica não aceitava o congado, outros depoimentos dos participantes das guardas ressaltam um momento em que eles eram taxados de macumbeiros e, nos cortejos pelas ruas de Contagem a Comunidade dos Arturos enfrentavam zombarias dos populares. Lembra Tita Izaíra Silva (faleceu recentimente) que antigamente havia igreja em que o padre não abriu a porta para os congadeiros.

Atualmente, a discussão sobre a importância do bem Imaterial tem aumentado no Brasil, sobretudo devido reivindicações dos movimentos culturais populares e também atuação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com a equipe de pesquisadores, irá preparar o dossiê que comprove, através de todo processo de consulta e compilação de documentos, a importância desta manifestação enquanto forma de expressão própria da cultura brasileira. Esse trabalho poderá subsidiar a formulação de políticas de salvaguarda e valorização da brasilidade. Outra medida importante que está acontecendo em diversas parte do território nacional é inventário objetivando também o tombamento do bem imaterial.

 

Veja mais fotos sobre os ARTUROS em Mário Espinosa


Saiba mais sobre os ARTUROS:

– GOMES, Núbia Pereira de Magalhães & PEREIRA, Edmilson de Almeida. Negras Raízes Mineiras: Os Arturos. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 1988.

– SABARÁ, Romeu. A Comunidade Negra dos Arturos: o drama de um campesinato negro no Brasil. Faculdade de Filosofia, Ciências Sociais e Letras da Universidade de São Paulo, 1997.(Manuscrito).

– SANTOS, Erisvaldo Pereira dos. Religiosidade, identidade negra e educação: o processo de construção da subjetividade de adolescentes dos Arturos. Tese de Mestrado em mestre de educação: Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, 1997.

– LUCAS, Glaura. Os Sons do Rosário: um estudo etnomusicológico do congado mineiro – Arturos e Jatobá. Escola de Comunicações e Artes da USP: 1999 (Manuscrito).

– MARTINS, Leda M. Afrografia da Memória: O reinado do Rosário do Jatobá. São Paulo: Perspectiva, Belo Horizonte: Mazza, 1997.

– SILVA, Rubens Alves da. Negros Católicos ou Catolicismo Negro? – Um estudo sobre a Construção da Identidade Negra no Congado Mineiro. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais,1999. (Manuscrito).

(*) Júnia Bertolino é bailarina Afro, jornalista (0011097/MG), antropóloga e pos-graduanda em Estudos Africanos e afro-brasileiros pela PUC-Contagem/MG. E ainda, Diretora e coreógrafa da Companhia Baobá de Arte Africana e Afro-Brasileira.

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