Os velhos se vão, o velho grita – Por: Cidinha da Silva

O tema da discussão era porque as personagens de um documentário sobre memórias da escravidão e seus desdobramentos deveriam ser mulheres e homens de 80 anos ou mais. Foram feitos cálculos para saber em que ano as tais pessoas teriam nascido, a idade presumível dos pais, quantas gerações teriam sucedido a lei de abolição da escravidão até o ano de nascimento da personagem, etc.

As diretoras do documentário explicaram que a memória das gerações mais velhas sobre a escravidão por tê-la vivido ou por serem filhas de pessoas que a conheceram muito de perto estava se perdendo pelo simples desaparecimento dessas pessoas.

Começou, então, o levante da memória de netos e bisnetos da escravidão no século XXI. Era tudo tão vívido que não havia a diluição do tempo. A transformação do tempo. O perdão do tempo.

Um contou como as crianças nascidas sob a égide do ventre livre eram tratadas numa fazenda de café, o avô fora uma delas. Eram presas por cordas no pátio para não brincar, para não atrapalhar a produção da mãe-trabalhadora, para executar alguma tarefa que a crueldade do escravizador designasse.

Um índio urbano se levanta e diz que com o avô era igualzinho, era um negro da terra.

Outra contou dos sucessivos estupros sofridos pela avó que deram origem à pele branca, ao cabelo crespo e aos olhos verdes dela, a neta. Por inveja e vilania, a esposa do estuprador mandou quebrar os dentes da avó para que ficasse feia, mas com o resto do corpo intacto para realizar a colheita.

Outra, ainda, contou que numa fazenda isolada do interior de São Paulo, os escravizados só souberam do fim da escravidão em 1910. A revolta foi tão grande que todos se juntaram, dominaram os escravizadores, amarraram-nos dentro de casa. Fecharam todas as portas e janelas, incendiaram a propriedade e caminharam livres pela estrada.

+ sobre o tema

para lembrar

Renda baixa e racismo impedem conclusão do ensino básico, diz pesquisa

O racismo estrutural e a necessidade de garantir renda são...

Caminhos para Exu celebra resistência dos povos de terreiro no DF

Mais de uma centena de praticantes e simpatizantes das...

Cineastas negras reivindicam mais ações afirmativas para audiovisual

A Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan) promoveu nesta...

APAN participa de audiência pública para debater futuro das políticas afirmativas no audiovisual

No próximo dia 3 de setembro, quarta-feira, a Associação...

Desigualdade de renda e taxa de desocupação caem no Brasil, diz relatório

A desigualdade de renda sofreu uma queda no Brasil de 2023 para 2024, segundo o relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades, publicado nesta quarta-feira. O...

Relator da ONU critica Brasil por devolver doméstica escravizada ao patrão

O relator especial da ONU para formas contemporâneas de escravidão Tomoya Obokata afirmou estar "alarmado" com o fato de o Poder Judiciário brasileiro ter...

Quilombo de Itararé: herança de forças e histórias de 26 famílias ecoam em cada canteiro

Na Fazenda Silvério, em Itararé (SP), a terra vermelha não guarda apenas hortaliças e grãos: ali resistem memórias que atravessam séculos. A comunidade é formada...