“Ouvir Bolsonaro é de uma agonia sem fim”, critica Ellen Page

No painel dentro do festival de cinema e música South By Soutwest (SXSW) dedicado nesta manhã à série “Gaycation”, produzida pela Vice em seu canal Viceland e com episódios já disponíveis via YouTube, a atriz canadense Ellen Page, indicada ao Oscar por “Juno”, falou sobre dois dos momentos mais marcantes no episódio dedicado ao Brasil, ambos no Rio.

Por Eduardo Graça Do Uol

Segundo Page, a conversa com um ex-policial que odeia gays e se dedica ao extermínio de homossexuais –o entrevistado usa máscara e chapéu o tempo todo durante a conversa com Page e o co-criador da série, o americano Ian James –em uma favela da cidade, foi tão chocante, os dois afirmam, quanto o encontro com uma das vozes mais destacadas na oposição aos direitos civis da comunidade LGBT no Brasil, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ).

“Foram, obviamente, duas experiências singulares, mas o encontro com Bolsonaro foi também tenso e intenso. Fiz muita pesquisa antes de sentar para conversar com ele, conversei com gente como o colega dele no Congresso Jean Wyllys (PSOL-RJ). Ele foi muito mais amigável e buscou apresentar o ponto de vista dele de forma civilizada. Mas o que posso dizer? Ouvi-lo é de uma agonia que não tem fim. E eu tinha na minha cabeça, enquanto conversava com ele, uma outra entrevistada carioca, uma senhora que perdeu o filho dela para a homofobia. Foi duro encarar um político interessado em perpetuar um staus quo que é discriminatório e tem consequências fatais”, relembra Page.

leia também:  Ellen Page entrevista homem que afirma ser um policial carioca assassino de gays

Já na conversa com o cidadão que se identifica como ex-policial, os criadores de “Gaycation” ficaram frente a frente com um homem orgulhoso de ter assassinado homossexuais. “Não vou dizer quantos matei, mas quando fazia patrulha com policial, se via um gay na rua, atropelava par matar. É preciso limpar o chiqueiro”, ele afirma para a câmera. A atriz, chocada, pergunta então aos produtores: “Eu quero dizer a ele que sou gay. É seguro?”. Em seguida, ela se vira para o miliciano e dispara, à queima-roupa: “Ian e eu somos gays, e gostaria de saber sua opinião: o senhor acha que o mundo ficaria melhor se nós dois morrêssemos?”.

“Tínhamos nossos seguranças, mas eu nunca senti nada parecido com o que vi lá, algo como um ‘mal’ ao redor. Conseguimos encará-lo durante toda a entrevista, mas parecia que faltava algo na alma dele. Dava para ver no fundo dos olhos dele”, disse James.

Page complementa: “Não queríamos colocar ninguém da equipe em perigo por causa da entrevista, mas era importante. Quando finalmente contei que eu e Ian éramos gays, ele não nos encarou mais, só olhava para o lado. E eu pensei: “Isto está realmente acontecendo, você é que está desconfortável conosco? Nós é que deveríamos estar com receio de falar com você”.

Page fez questão de enfatizar “ser uma pessoa privilegiada, com dinheiro no bolso graças ao meu trabalho e livre para beijar minha namorada na rua em Los Angeles” e lembrou que “Gaycation” jamais se tornaria realidade se ela não tivesse saído do armário há dois anos.

Uma encomenda do diretor Spike Jonze, amigo íntimo da atriz e co-presidente de Viceland, o braço online da Vice, “Gaycation” (uma brincadeira com a palavra ‘vacation’, férias em inglês) tem recebido, de acordo com Page, uma reação entusiasmada dos espectadores. Os quatro primeiros episódios de 45 minutos foram dedicados, pela ordem, aos EUA, Brasil, Jamaica e Japão.

Durante o disputado painel no SXSW, localizado no Centro de Convenções de Austin, com lotação esgotada, militantes e simpatizantes LGBT ouviram com atenção as histórias de Page e James sobre a homofobia nos quatro países. Page anunciou também que seu próximo filme de ficção será uma história de amor entre duas mulheres. A produção é de Page e as protagonistas serão a própria e Kate Mara.

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