Retornei ao Maranhão, “meu tesouro, meu torrão”, num período festivo, época de são João, de muitas danças, como tambor de crioula, danças portuguesa, francesa, cigana, do coco, lelê e cacuriá, e quadrilhas puxadas em francês impecável, numa diversidade de ritmos e de vestuários que encanta, nas quais o centro é de fato a ópera de rua encenada pelos batalhões de bumba meu boi com inebriantes sotaques – de orquestra, de matraca, de zabumba, de batida costa de mão… Sem falar que, em cada arraial – local de celebração dos festejos juninos –, se exibe a orgia culinária da ilha de São Luís: bebidas e comidas da época e as típicas, como arroz de cuxá, tortas de camarão e de caranguejo…
Por Fátima Oliveira
Melissa Alecrim, em “Bumba Meu Boi é Pura Cintilância”, relembra que é uma ópera popular surgida no século XVI, tipificada como um bailado popular dramático; um auto genuinamente brasileiro, sem similar em Portugal e na África, em que se mesclam teatro, dança, música e circo; o “couro do boi” é ricamente bordado, de brilho incomum e beleza deslumbrante, com brincantes de vestes cintilantes: brilhos, sedas, canutilhos, miçangas, paetês, purpurina, plumas, fitas e fitas…
Paulo Melo e Sousa frisa que “unindo a religiosidade, o misticismo, os ritmos, a beleza e a riqueza de elementos culturais, o bumba meu boi do Maranhão se destaca no panorama nacional. Por essa razão, a brincadeira foi considerada pelo Iphan patrimônio cultural imaterial brasileiro em 2008”.
Como não há ser humano capaz de ir a todos os arraiais, decidi ir ao arraial da praça Maria Aragão no dia 19, onde assisti ao show de Papete e aos bois de Nina Rodrigues e de Pindaré. No dia 20, fui ao arraial do Parque Folclórico da Vila Palmeira, onde assisti ao Boi Meu Tamarineiro de Ribamar e ao Boi da Lua, uma grande paixão.
Papete (José de Ribamar Viana), beirando os 67 anos (8.11.1947, Bacabal, MA), que eu havia visto no Teatro Artur Azevedo, no fim da década de 1980, estava apoteótico, botando todo mundo para cantar e dançar no arraial da praça Maria Aragão.
Foi um show emocionante. É impossível para um maranhense não associar “Chora, Boi da Lua”, composição de César Teixeira, a Papete: “Meu são João…/ são João, meu são João/ Eu vim pagar a promessa/ De trazer esse boizinho/ Para alegrar sua festa/ Olhos de papel de seda/ Com uma estrela na testa… Chora, chora/ Chora, boi da lua, vem pedir uma esmola/ Pra aquela boneca de anil/ Mamãe, eu vi boi da lua/ Dançar no planeta do Brasil”.
O “Dicionário Cravo Alvim da Música Popular Brasileira” registra que, “entre 1979 e 1981, Papete foi músico em shows de Toquinho e Vinicius de Moraes e, de 1982 a 1992, acompanhou Toquinho em 482 shows, em turnê por 18 países”. E que “atuou em shows e gravações com Rosinha de Valença, Marília Medalha, Hermeto Pascoal, Osvaldinho da Cuíca, Toquinho e Vinicius, Benito de Paula, Inezita Barroso, Diana Pequeno, Renato Teixeira, Almir Sater, César Camargo Mariano, Rita Lee, Sadao Watanabe, Angelo Branduardi, Andreas Wollenweider, Ornella Vanone e Alex Acuña”.
Papete, um dos cinco maiores percursionistas do mundo, com destaque internacional por sua técnica no berimbau, é também compositor e cantor; e é joia rara da música maranhense, com uma ligação afetiva e musical com os folguedos juninos. Desde 1990, acompanhado de sua própria banda, interpreta músicas do Maranhão, ao mesmo tempo em que desenvolve “pesquisa, registro e divulgação das obras de compositores maranhenses”.
Fonte:O Tempo