Zoológicos humanos: entre 1877 e 1912, foram montadas, em Paris, cerca de trinta “exibições etnológicas” desse tipo
Desprezo pelo Outro marca visão eurocêntrica há séculos. Mas Vargas Llosa alfineta: “A forma mais insidiosa de arrogância, a arrogância silenciosa, Casement a encontrou (…) no coração financeiro de Londres”
Por Maria Stella Bresciani, na série Ensaios sobre a Arrogância
“A expansão é tudo, disse Cecil Rhodes, deprimido ao ver no céu
“estas estrelas (…) esses vastos mundos que nunca poderíamos atingir.
‘Se eu pudesse anexaria os planetas’”
Hannah Arendt (1)
O segundo texto da série “Ensaios sobre a Arrogância é de autoria de Maria Stella Bresciani professora emérita, uma das fundadoras do curso de História da Unicamp e criadora do Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade (CIEC). Stella recorta o tema da arrogância do colonizador no texto literário de Mário Vargas Llosa “O sonho do celta” atenta, em suas palavras, “ao poder de fixação de imagens e de percursos, no caso, históricos da escrita ficcional”. O livro de Llosa revela para a autora uma “dimensão facetada” pois fruto de vasta pesquisa documental em viagens ao Congo, à Amazônia, Irlanda, Estados Unidos, Bélgica, Peru, Alemanha e Espanha relativa ao percurso e aos registros do diplomata irlandês Roger Casement.
Composta essa trajetória da arrogância colonial, Stella volta-se ao presente para acompanhar filósofos europeus motivados a refletir sobre os fluxos de imigração para a Europa. A autora problematiza o emprego das noções de cosmopolitismo, estrangeiro, alteridade, universalidade, multiculturalismo e cidadania. E termina o texto indagando-se sobre persistência de arrogância silenciosa e residual e de “eurocentrismo … em uma reflexão autoreferida para qual a base conceitual ainda se apresenta na figura do Outro”, ou seja, nas palavras de Balibar “que aceite preservar ou reconstituir a figura do ‘estrangeiro’” (Balibar, 2010 :45-46). (Myriam Bahia Lopes)
Nada fácil aproximar-se da noção “arrogância” em suas várias implicações. As definições recolhidas por Yves Déloye em seu artigo “A arrogância do político” a circunscrevem a um traço de caráter que se explicita quando um indivíduo se arroga superioridade ou afirma diferença fundamental em relação a outro indivíduo, o despreza de maneira altaneira ou assume um comportamento de insolência e de desprezo. Trata-se de comportamento formado a partir de posições sociais rígidas em sociedades altamente hierarquizadas e perdura mesmo se passamos dos rituais do Antigo Regime aos da democracia representativa, e até quando numerosos pensadores do século XIX buscaram por fim ao exercício da força arbitrária e aos privilégios das elites. Encontra-se presente nas formas representativas ou democráticas de governo, nas esferas dirigentes das sociedades dos séculos XIX e XX do mundo ocidental.
Modos insidiosos de manifestação de arrogância subsistiram e até as noções de civilidade e os rituais associados às normas civis das sociedades democráticas se viram desfigurados, explicitamente ou não, a fim de desculpar atitudes de extrema arrogância e de insolência depreciativa. Comportamentos arrogantes e cruéis, sentimentos por vezes fundados no pressuposto da inferioridade de certos grupos da população de seus territórios foram acobertados pelo silencio cúmplice de governos que fecharam seus olhos, se calaram e mantiveram uma indiferença em relação a eles. Reforçaram-se ainda, quando governantes encorajaram a exploração econômica genocida da população nativa das colônias em nítidas formas violentas e persistentes de manifestação de arrogância. A figura simbólica do Outro se encontra frequentemente no centro do comportamento arrogante daqueles que se recusavam e ainda se recusam a reconhecer até mesmo a humanidade dos que não “figuram” como seus semelhantes.
Déloye apresenta os vários substantivos e verbos correlatos à palavra arrogância, sugere a possibilidade de explorar o amplo leque de significações que permanecem até hoje inalteradas, explora as duas dimensões aparentemente sedimentadas progressivamente no emprego do termo “arrogância” e as formas semânticas a ele associadas: uma dimensão descritiva (ou material) e uma dimensão simbólica (ou performativa) (2). Esta tipologia lhe permite se aproximar das configurações históricas e psicológicas que se encontram na base das atitudes ou das políticas de arrogância. Trago para este texto uma acepção do Outro, aquela que expõe de modo nítido a figura histórica do colonizado nos processos de colonização. Figurações instituídas pela arrogância, arma poderosa na expansão das áreas colonizadas e na montagem de impérios.
Ao comentar que “Imperialismo não é construção de impérios e expansão não é conquista”, Hannah Arendt expõe uma das dimensões da “mentalidade imperialista”:
Contrariamente às verdadeiras estruturas imperais, em que as instituições da nação-mãe se integram de várias maneiras às do império que criam, é característico do imperialismo permanecerem as instituições nacionais separadas da administração colonial, embora se lhes permita exercer controle. O verdadeiro motivo dessa separação estava na curiosa mistura de arrogância e respeito – a arrogância dos administradores que sabiam lidar com “populações atrasadas” ou “raças inferiores”, contrabalançada pelo respeito dos estadistas antiquados no país de origem, que acalentavam as ideias de que nenhuma nação tinha o direito de impor sua lei sobre um povo estrangeiro. A arrogância veio a ser um meio de domínio, enquanto o respeito idealista, tornado negativo, não produziu nenhuma nova forma de convívio entre os povos, mal conseguindo conservar dentro de certos limites as autoridades imperialistas que governavam por decretos. (Arent, 2012: 198) (3)
Autora de texto seminal para entendermos comportamentos pautados pela “arrogância”, Arendt enfrentou sérias resistências quando da publicação da trilogia The Origins of Totalitarianism, em 1949, ao reunir sob um mesmo epíteto ou denominação diversas formas brutais de desprezo pela dignidade humana. Suas reflexões impuseram o debate sobre a arrogância expressa na indiferença e no desprezo de parte de pessoas da alta hierarquia do exército e da burocracia governamental. Questão sensível lida por Yves Déloye nas duas dimensões propostas: descritiva (ou material) e simbólica (ou performativa).
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Busquei as dimensões propostas por ele em textos de autores contemporâneos, já que também eles ousaram enfrentar e expor a indiscutível atualidade desse tema sensível e por vezes visto como um tabu em suas próprias sociedades.
Uma dimensão substantiva da arrogância em situação colonial
Começo pela coletânea organizada por Marc Ferro, Le livre noir du colonialisme XVIème-XXIème siècle: de l’extermination à la repentance (2003) 4. No livro, de cerca de 850 páginas, uma sequência de artigos acompanha a trajetória da empresa colonizadora nas Américas no século XVI, passa pelo tráfico de escravos africanos, pelo colonialismo na Ásia e na África do século XIX e chega aos difíceis processos de descolonização nos séculos XIX e XX. Autor do artigo “Une race condamnée. La colonisation et les aborigènes d’Australie”, Alastair Davidson retira a definição da palavra “coloniser” de The Universal Dictionary of the English Language de Henry C.K. Wyld (1870- 1945): 1) se estabelecer em um país, geralmente subdesenvolvido, longe de seu próprio país, e desenvolver os recursos agrícolas e outros: os ingleses e holandeses colonizaram a África do Sul.
2) Estabelecer pessoas em uma colônia com o objetivo de livrar deles a mãe-pátria, na esperança de que serão mais úteis no novo país: nos ordenam enviar nossos criminosos e indesejáveis para colonizar terras estrangeiras5. Para o autor, esta classificação subtrai, em sua pretensa “objetividade”, “a ideologia dos Brancos e funda a ideia que eles próprios fazem da colonização da Austrália” (Davidson, 2003:69-99). Davidson propõe ultrapassar a “fronteira”, termo que designa o limite das terras colonizadas, para fixar em contraponto, a voz dos aborígenes e, a meu ver, faz o percurso pela dimensão descritiva “fixação simbólica e performativa da figura do colonizado”:
Estamos sob a clara evidência de um povo que eles (os colonos) combateram e conquistaram. (…) Recusam nos reconhecer enquanto grupo distinto de pessoas – o povo aborígene oriundo desta terra. Quando a sobrevivência de um povo é ameaçada, ele contra-ataca. (…) não era, entretanto, do interesse do ministério do Interior britânico reconhecer que as tribos aborígenes formavam uma nação, de lhes conceder, portanto, um estatuto. No decorrer dos dois séculos posteriores a 1788, o povo foi maciçamente assassinado, violado, mutilado e destituído de suas terras tribais. (…) Hoje, constituímos a fração mais pobre do país6 (Davidson, 2003:70) (tradução minha).
As sérias consequências da atitude colonizadora, dimensão descritiva ou material, proposta por Déloye, se faziam ver nos domínios da saúde, da educação, da taxa de desemprego e do número dos prisioneiros. (Davidson, 2003:69-70, apud Irene Watson, The White Invasion Blooklet, Adélaïde, 1982) Afinal, não esqueçamos que a colonização da Austrália ocorreu em pleno “Século das Luzes”, tempo dos eruditos que lançaram as bases da proclamação dos “direitos do homem” e “da descoberta da racionalidade científica”. Eruditos imbuídos da intenção de descobrir as “leis naturais” que regiam o Universo e lançaram as sementes do movimento racista cientificista.
Talvez surpreenda encontrar entre os filósofos do século XVIII opiniões contraditórias. Se Diderot denunciava a “barbárie europeia” ao afirmar criticamente que “civilizar” significava “tratar o mundo e os homens que o habitam como extensões desérticas onde se podia massacrar os povos”7, Voltaire era “declaradamente racista tanto em relação aos judeus como aos negros”, afirma Catherine Coquery-Vidrovitch 8. “Nos Negros, ele só via ‘animais’”, diz a autora e o cita: “Seus olhos redondos, o nariz achatado, lábios sempre grossos, orelhas de formatos diferentes, a lã de suas cabeças, a própria medida de suas inteligências, colocam entre eles e as outras espécies de homens diferenças prodigiosas” 9. Voltaire complementa ao sublinhar não serem essas características atribuíveis ao clima, pois quando transportados para países de clima frio, reproduziam-se identicamente e dos mulatos disse nada mais serem “do que uma raça bastarda” (Essai sur les moeurs). Se bem que menos agressiva, a figura do “bon sauvage” de Rousseau e a opinião de Hegel ao considerar que “os não europeus eram seres inferiores por não terem a plena consciência de seu ser” (Lectures on the Philosophy of World History, 1822-1828), não menos ajudaram a fixar a imagem simbólica dos não europeus, com forte poder performático: deram-lhe características de seres vivendo em “estado de inocência, um estado primitivo [que] de fato é um estado de animalidade” (Coquery- Vidrovitch, 2003:660-661)10.
Não surpreende, portanto, reconhecer, em 1787, nas palavras de Thomas Jefferson, “diplomata e erudito relacionado aos meios revolucionários franceses”, redator da constituição dos Estados Unidos, a extensão ultramarina da atitude arrogante:
Coloco, portanto, como dúvida a suspeita de que os negros, quer sejam originários de uma raça diferente ou que sua especificidade se deva ao tempo e às circunstâncias, são inferiores aos brancos tanto em seus dotes de corpo como de mente. (11)
Posição que não impediu os “Pais fundadores” de nomearem “democracia” o novo país e ser ele reconhecido com tal, pelos contemporâneos. É bom lembrar as considerações de Alexis de Tocqueville, em 1840, ao avaliar a população dos Estados Unidos:
Descobrem-se entre eles, à primeira vista, três raças naturalmente distintas, e poderia dizer quase inimigas. A educação, a lei, a origem e até a forma exterior dos traços, criaram entre elas uma barreira quase intransponível; (…) Entre aqueles homens tão diversos, o primeiro que atrai os olhares, o primeiro em saber, em força, em felicidade, é o homem branco, o europeu, o homem por excelência; abaixo dele surgem o negro e o índio. Essas duas raças infelizes não têm em comum nem o nascimento, nem a fisionomia, nem a língua, nem os costumes. (…) Não se poderia dizer, ao ver o que se passa no mundo, que o europeu é para os homens das demais raças o que o próprio homem é para os animais? Faz com que sirvam ao seu uso, e quando não os pode curvar, os destroi.
Embora atribua a condição de “homem por excelência” ao colono europeu, Tocqueville reconhece ter sido a escravização do africano o motivo da perda de sua condição humana, assim como a progressiva ocupação do território norte-americano ter ocasionado a eliminação física dos indígenas:
O negro dos Estados Unidos perdeu quase todos os privilégios da humanidade! O negro dos Estados Unidos perdeu até a lembrança de sua origem; (…) O negro não tem família (…) perdeu até a propriedade de sua pessoa. (…) O índio, pelo contrário, tem uma imaginação cheia da pretensa nobreza da sua origem. Vive e morre no meio desses sonhos do seu orgulho. Longe de querer curvar os seus costumes aos nossos, fixa-se à barbárie como se fosse um sinal distintivo de sua raça e repele a civilização menos ainda talvez por odiá-la que por temer parecer-se aos europeus. (…) Todas as tribos indígenas que outrora habitaram o território da Nova Inglaterra, os Narragansetts, os Moicanos, os Pecots, não mais vivem senão na lembrança dos homens. (…) À medida que os indígenas se afastam e morrem veem crescer em seu lugar, incessantemente, um povo imenso. Jamais se vira entre as nações um desenvolvimento tão prodigioso nem uma destruição tão rápida (12).
Contudo, pode-se dizer que dos critérios de diferenciação postulados no século XVIII, o clima e a cultura como determinantes da raça, somente a raça subsistiu no século XIX (Coquery-Vidrovitch, 2003: 665).
Penso, assim, ser importante sublinhar a longa e íntima relação entre a “cultura colonial” e os escritos dos pensadores dos séculos XVIII e XIX. Verifica-se uma cumplicidade solidária entre a construção da “cultura colonial” e os escritos dos naturalistas e filósofos, tais como Buffon, Montesquieu, Diderot, De Paw, entre outros. O estudioso Antonello Gerbi diz que “com Buffon, o eurocentrismo se afirma na nova ciência da natureza viva. E por certo não é mera coincidência que isso acontecesse exatamente quando a ideia da Europa se tornava mais plena, completa e galharda, como tampouco é gratuito que a Europa política e civil se definisse, então, em oposição à Ásia e à África, (…) e afrontasse impávida o mundo americano” (Gerbi, 1996: 37-41).
As teorias da inferioridade dos não europeus persistiram para além da colonização das “wilderness” das Américas ao recobrir ações nas terras “bárbaras” ou carentes de “civilização” em outros continentes. Assim, se o livro de Arthur de Gobineau Essai sur l’inégalité des races humaines, publicado em 1853, somente no início do século XX “se tornaria fundamental para as teorias racistas da história”, como afirma Arendt (Origens do totalitarismo, 2012: p. 249), a teoria proposta por Charles Darwin teve seus adeptos já no século XIX. Coquery-Vidrovitch mostra que “a favor da vaga da expansão colonial da segunda metade do século, os sociólogos darwinistas fizeram da seleção natural das espécies um apoio para as implicações da conquista: a dominação e a destruição”. Afirmaram ser “normal e justificado o domínio dos povos inferiores pelos vencedores, mas também sua eliminação como modo a assegurar uma longa sobrevivência à espécie humana”. A autora reproduz as palavras de Darwin que, aliás, não deixam dúvidas sobre sua posição: “As raças humanas civilizadas quase certamente exterminarão e substituirão as raças selvagens em todo o mundo”13. (Coquery-Vidrovitch, 2003:665, apud Darwin. The descent of Man, 1888, p.159-160)
As dimensões descritiva e simbólica da arrogância colonial
Em 2008, outra coletânea dirigida por Pascal Blanchard, Sandrine Lemaire e Nicolas Bancel, oferece perspectivas críticas no mesmo sentido: Culture coloniale en France. De la Révolution française à nos jours14. No Prefácio, o antropólogo Gilles Boëtsch coloca uma indagação: A cultura colonial, uma cultura partilhada? O objetivo dos autores envolvidos em trabalho coletivo desde 1990 define-se, afirma Boëtsch, pela clara intenção de ir além “dos debates binários a respeito do ‘arrependimento’ ou dos ‘aspectos positivos’ da colonização”, já que os consideramos bastante deslocados da complexidade originária das questões em jogo quando se aborda o campo da cultura colonial.” Ao tratar deste tema central, ele reconhece a importância “da questão das heranças e das polêmicas que giram em torno de um passado colonial compartilhado obrigatoriamente, e “nos lembra que a história é mal partilhada com o Outro”. Para ele, seria justamente “o trabalho de integrar o “Outro” à história” o eixo constitutivo da coletânea (Boëtsch, 2008:7-9).
Como reverter a perspectiva do olhar metropolitano? Como empreender o trabalho de “desconstrução de um conjunto de dispositivos culturais, jurídicos, políticos, (…) uma configuração histórica, marcada profundamente pelo processo imperial e seus prolongamentos pós-coloniais (…) nomeado com a expressão ‘cultura colonial’”? Afinal, afirmam os coordenadores da coletânea, “a França empreende a colonização na mesma época em que nasce a IIIª República”, e em sincronia se esboçam os fundamentos de uma cultura colonial que “se fixa duradouramente na opinião” e “atinge seu apogeu quando das comemorações do centenário da conquista da Argélia e da Exposição Colonial Internacional de 1931”. O agenciamento da propaganda desta cultura recorre a “poderosos suportes de difusão – literatura, canção, cabaré, propaganda, teatro, imprensa, exposições, espetáculos, cartões postais, cartazes, manuais escolares, livros, imagens fixas, cinema” (Blanchard, Lemaire e Bancel, 2008:14-15).
Essa propaganda conduz às dimensões tanto descritiva como simbólica da colonização. Exemplo flagrante do esforço de propaganda consta no programa da Exposição Universal de 1889 em Paris, onde uma das atrações não deixa dúvidas quanto à intenção dos organizadores de exibir seres humanos como espécimes exóticos, verdadeiro “zoológico humano de negros, taitianos e Kanaks” (Blanchard, Lemaire, Bancel, 2008, p.18). O recurso a exposições apoiadas em teorias pretensamente científicas obedecia à intenção pedagógica de “vulgarizar o axioma da desigualdade das “raças” humanas e justificar em parte”, junto ao público de visitantes, “o domínio associado à colonização” (Lemaire e Blanchard, 2008:116) (15).
A produção do “imaginário racializante do Outro, fundamentado na teoria científica da ‘hierarquia das raças’, seguia os progressos da antropologia física”, afirmam os autores, e sustentou “a edificação de um império colonial então em plena expansão”. Entre 1877 e 1931, foram realizadas “mais de 40 exposições etnológicas (…) no Jardim Zoológico de Aclimatação, sempre com sucesso. Esquimós, Lapões, Gaúchos, Argentinos, Núbios, Ashantis, Índios galibis, Cosacos… se apresentaram e serviram tanto como espécimes de estudos antropológicos como atração para o grande público.” Entre as duas guerras, “época do apogeu colonial”, “imagens estereotipadas” se impuseram; a mensagem valorizava a colonização, pois dava nascimento “a une Plus Grande France”; igualava-a ao Império britânico – “‘uma França onde o sol jamais se punha”, onde as colônias se dispunham como prolongamentos da metrópole (Lemaire e Blanchard, 2008:16).
Procedimento arrogante e persistente, embora “a Grande Guerra constituísse uma ruptura com a descoberta da alteridade encenada pelas populações colonizadas, com a chegada maciça de contingentes de soldados e trabalhadores magrebinos, indochineses ou africanos”. Com a presença dos recém-chegados, “o ‘selvagem’ se tornou ‘o filho adotivo’ da ‘Plus Grande France’”, e modificou profundamente um dos aspectos mais importantes da cultura colonial: “as barreiras físicas então desapareceram, porém a distância cultural manteve-se real no espírito de todos” (16).
Talvez tenha sido, justamente, essa nova representação simbólica da figura do Outro o estímulo para Henri Berr, responsável pela Coleção “L’évolution de l’humanité”, publicar, em 1937, o livro de Georges Hardy La Politique Coloniale et le Partage de la terre aux XIXe et XXe siècles17. O autor na época ocupava os cargos de Reitor da Academia da Argélia e de Diretor honorário da Escola colonial, compõe um balanço do que Henri Berr denominou le fait historique de la colonisation. Hardy repassa a colonização desde a antiguidade fenícia e greco-romana, porém é, sobretudo, a ação colonizadora dos séculos XIX e XX na África, Ásia e Oceania que merece maior atenção. Período em que Rússia, Bélgica, Alemanha, Itália, Estados-Unidos e Japão se lançam à partilha do mundo. Seu livro traz 14 mapas que surpreendem pela dimensão e rapidez da progressão da weltpolitik. Antes de iniciar sua exposição, Hardy coloca lado a lado “o mundo colonial em 1815 e o mundo colonial em 1937”, dois mapas elucidativos da enorme parte do mundo ocupada por nações estrangeiras no decorrer do século XIX e início do XX.
Nele, o autor reconhece terem os conflitos de interesse, de hábitos e de ideias permeado a ocupação colonial, pacífica ou sangrenta, e gerado debates sobre sua legitimidade. O levantamento das motivações da ação colonial pode sugerir uma atitude crítica de sua parte: “o apetite da expansão comercial, a necessidade de buscar produtos alimentares ou matérias primas e abrir mercado para indústria metropolitana”, ou, acrescenta oportunamente, “o que parece dominar as origens da colonização contemporânea, (…) as intenções propriamente políticas” (Hardy, 1937:453). Hardy empreende inclusive um balanço dos custos externos e internos da empresa colonizadora e se indaga se após um século de experiência, as colônias valiam realmente tantos sacrifícios e problemas. Seu balanço se inclina, entretanto, para o lado positivo, ao concluir ser a colonização “antes de tudo, uma ‘escola de energia’” e finalizar sua análise afirmando: “Esta grande obra de interpenetração do mundo, esta fecundação de raças que o isolamento esterilizava, foi a Europa que, em menos de cem anos, realizou por sua conta. Que tenha cometido erros, que às vezes tenha abusado de sua ascendência e mesmo cedido a instintos deploráveis, deve-se lhe perdoar, eram sem dúvida inevitáveis…”(Hardy, 1937;466-467). Justificativa exemplar da ação colonizadora.
A arrogância colonial nos textos literários
For Augustine the eye was an organ of conscience, as it was for Plato;
indeed, the Greek work for ‘theory” is theoria,
wich means “look at,” “seeing”, or – in the modern usage
that combines physical experience of light with understanding – “illumination”
Richard Sennett (18)
Foi a audaciosa tarefa de prefaciar o livro de Marion Brepohl,Imaginação Literária e Política. Os Alemães e o Imperialismo,19 que me levou ao livro de Hardy, no intuito de ter acesso à voz do colonizador de grandes áreas ocupadas na África. Em seu livro Brepohl trouxe também vozes de colonizadores e de literatos ao expor a dimensão e a força dos textos ficcionais em apoio, estímulo e justificativa da ação colonizadora. Suas incursões por esses textos abriram-lhe os meandros da específica experiência colonizadora do Estado alemão e sua análise sensível e inteligente lhe permitiu aceder ao poder da escrita literária como propaganda e justificativa dos empreendimentos em terras africanas. Ato contínuo, a releitura do romance O sonho do celta, de Mario Vargas Llosa20 foi incentivada pelo poder de sedução e convencimento do texto literário, detalhado na análise de Brepohl. Detive-me de modo muito atento ao poder de fixação de imagens e de percursos, no caso, históricos, da escrita ficcional.
O sonho do celta ampliou a gama de relatos sobre países ocupados, ao aceder os meandros da “ação colonizadora” dos belgas no território do Congo e da empresa inglesa na Amazônia peruana. Nos dois casos, a extração do látex das seringueiras movia a presença de representantes desses dois países na África e na América do Sul. Permitiu também conhecer o porquê do discurso de Anatole France no protesto contra a França colonial, em 30 de janeiro de 1906:
Oh! Sabemos muito bem que os Negros do Estado livre do Congo, os escravos de S.M. o rei dos Belgas são cruelmente torturados. Sabemos que na África, na Ásia, em todas as colônias, seja lá qual for o povo a que pertencem, levantam-se as mesmas queixas, os mesmos uivos de dor em direção ao céu surdo. Isto é o que se chama a civilização moderna. (…) Os Brancos só se comunicam com os Negros ou os Amarelos para sujeitá-los ou massacrá-los (21). (France, apud Marcel Merle. “L’anticolonialisme” in Ferro, Le livre Noir du Colonialism, 2003:635)
Em contraponto à avaliação dos textos acadêmicos, a escrita literária de Vargas Llosa nos conduz por um percurso de ritmo alucinante. Na apresentação de situações documentadas e apreensões subjetivas, seu texto permite penetrar os meandros tortuosos e cruéis da ação colonizadora movida pelos interesses econômicos de um rei, Leopoldo II da Bélgica, proprietário exclusivo do Congo Belga, e pelos interesses similares da Peruvien Amazon Company, empresa inglesa cotada na Bolsa de Londres. Llosa refez esses caminhos por meio das anotações pessoais, cartas e relatórios oficiais de Roger Casement, diplomata irlandês a serviço do governo da Grã-Bretanha, redigidas entre 1903 e 1916, quando, após ser denunciado e condenado como traidor da pátria por militar pela independência da Irlanda, foi executado. (Llosa, 2011:254) (22).
A longa pesquisa e o recurso à documentação, recolhida em viagens ao Congo, à Amazônia, Irlanda, Estados Unidos, Bélgica, Peru, Alemanha e Espanha, conferem ao relato literário de O sonho do Celtauma dimensão multifacetada. Llosa desenha um personagem cuja trajetória como cônsul o levou a vários lugares da África – Old Calabar, Nigéria, Lourenço Marques, atual Maputo, Moçambique, São Paulo de Luanda, Angola – e a São Paulo no Brasil, antes de assumir a tarefa de averiguar as denúncias de maus tratos dos nativos em territórios colonizados.
De sua experiência no Congo Belga, iniciada em maio de 1903, e perante todos os horrores e crueldades por ele presenciados, seria a forma debochada das autoridades ao se referirem aos africanos e os tratarem como escravos o que lhe causou maior impacto. Em carta a sua prima Gee, Casement confessa ter sido acometido por um sentimento de desespero e desesperança:
Acho que estou perdendo o juízo, querida Gee (…). Temo que, se continuar esquadrinhando a que extremos podem chegar a maldade e a ignomínia dos seres humanos, não escreva meu relatório. Estou à beira da loucura. Alguma coisa está se desintegrando na minha mente. (…) vou também acabar dando chicotadas, cortando as mãos e assassinando congoleses entre o almoço e o jantar sem o menor problema de consciência e nem perder o apetite. (Llosa, 2011:95).
Uma atitude certamente generalizada e confirmada por Casement quando, ao indagar a um oficial se não lhe pesaria na consciência a morte de um garoto nativo submetido a chicotadas, este lhe respondeu: “Quando vim para o Congo, tomei a precaução de deixar a consciência no meu país” (Llosa, 2011:52).
A despeito de todo o horror, ou talvez até mesmo estimulado pelas denúncias dos abusos cometidos por empresas europeias, somados à forma pela qual seu Relatório foi bem acolhido pelo Foreign Office e demais autoridades inglesas, Casement aceitou uma nova empreitada: a de investigar a denúncia de maus tratos e mesmo de escravização de trabalhadores peruanos nativos a serviço da Peruvien Amazon Company, em Iquitos, onde chega no final de agosto de 1910 (Llosa, 2011:100,172,125). Os horrores já vistos no Congo repetiam-se; as mesmas atrocidades eram toleradas pelo complacente cônsul inglês. Sua investigação quase lhe custou a vida, tanto ao ser acometido por doenças, mas sobretudo pela crescente e preocupante hostilidade do administrador e seus asseclas. Quando indaga a um administrador da companhia sobre denúncias de que “matava os Índios por puro esporte”, dele recebeu uma resposta de insolente ironia: “Protesto porque nestes últimos dois meses só morreram uns quarenta índios na minha estação” (Llosa, 2011:139).
A forma mais insidiosa de arrogância, a arrogância silenciosa, Casement a encontrou nos escritórios da Peruvian Amazon Company em Salisbury House, no coração financeiro de Londres. Um lugar espetacular, com paisagem de Gainsborough na parede, secretárias de uniforme, salas atapetadas, sofás de couro. E, no outro extremo do mundo, “no Putumayo, huitotos, ocaimas, muinanes, nonuyas, andoques, rezigaros e boras ninguém sequer mexia uma palha…”. (Llosa, 2011:192)
Aos horrores da colonização europeia em terras africanas e sul-americanas acrescenta-se a “descoberta” por Casement da situação da Irlanda, seu país. E se indaga: “Por acaso a Irlanda também não é uma colônia, como o Congo?” (Llosa, 2011:96). Recordações infantis trazem à memória seu tempo de estudante: “Na Ballymena High School (…) as crianças e adolescentes eram levados a pensar que a Irlanda era um país bárbaro e sem passado digno de memória, elevado à civilização pelo ocupante, educado e modernizado pelo Império que o despojou da sua tradição, de sua língua e da sua soberania.” (Llosa, 2011:119)
Llosa desenvolve pela escrita um movimento de persuasão racional com riqueza de detalhes de situações vivenciadas por Casement no Congo Belga, em Iquitos no Peru e no próprio Reino Unido. Compõe uma escrita saturada de sentimentos de horror e de compaixão. Sua maestria literária revela ao leitor os sentimentos, medos, entusiasmos e arrependimentos que perpassaram a trajetória de Roger Casement. Nos conduz a uma posição de cumplicidade com os colonizados em um texto no qual a arrogância colonial se apresenta tanto na dimensão descritiva ou material, como substantiva e simbólica. Talvez sua maior maestria esteja em, por ser peruano de nascimento, assumir o “lugar” de autor que lhe permitiu tecer a figura do personagem Casement em seu percurso de formação da autoconsciência na condição de colonizado, esgarçando aos poucos a própria arrogância de britânico colonialista, ferido pelo aguilhão da ação “colonizadora” dos europeus. Permitiu-nos compartilhar a denúncia de algo que se situa em um tempo passado e em terras afastadas de nós, mas, sobretudo, sublinho enfaticamente, que diz respeito a uma questão sensível, dramaticamente atual, não só, mas muito em especial, à Europa.
O reverso das colônias – fronteiras de limites “incertos”
Certamente, vagas de imigrantes provenientes de diversos países e culturas aportam já há várias décadas em países europeus, nos Estados Unidos e em menor escala no Brasil; causam apreensão e problemas complexos, cujas avaliações se apresentam contraditórias. No início desta década, filósofos alemães, franceses e portugueses se propuseram a refletir sobre o significado de se “viver na Europa hoje” particularmente atentos às essas vagas de imigração “com frequência originárias da África francófona e lusófona, e cada vez mais, também do Brasil”.23 Publicados em 2010, seus textos analisam sob diversas perspectivas a complexa e difícil coexistência de países da Comunidade Europeia com a população oriunda de suas antigas colônias. Menos do que os dados estatísticos, o que interessa para o argumento que desenvolvo neste texto é o campo conceitual, eixo das análises dos autores: a origem europeia, na Grécia clássica, das palavras cosmopolis, cosmopolíticos, cosmopolitès, nas quais “a ideia de “política” se coloca em relação direta com da “constituição de cidadania” (politeia)”.
Escolhi o artigo de Étienne Balibar “Cosmopolitisme, internationalisme, cosmopolitique” 24 por constituir um ensaio de reunir várias tentativas de reflexão e compreensão desse viver em meio a múltiplas culturas no início do século XXI. O autor expõe abertamente duas posições dos Europeus sobre o cosmopolitismo: “uma diz respeito à crítica das tradições dos cosmopolitismos e do internacionalismo (…) herdados dos últimos dois séculos de filosofia e política democráticas; a outra busca refletir novamente sobre a questão da democratização das fronteiras, considerada a tendência atual das políticas de Estado (…) na busca de sobrepor a categoria “estrangeiro” à de “inimigo’” (Balibar, 2010 :44).
Balibar expõe uma dimensão sensível e contraditória da democratização das fronteiras frente aos desafios da nova experiência de convívio multicultural ao dizer que o “componente do imperialismo, dos antigos imperialismos coloniais e da dominação” fora substituído por “um néo-imperialismo fundado na dominação financeira e na hegemonia comercial, na arbitragem e na intervenção ‘humanitária’, etc.”, e inclui nesse jogo os Estados-Unidos. Para superar a situação, evoca a possibilidade de um “cosmopolitismo inclusivo oposto ao cosmopolitismo exclusivo/excludente”. Em sua opinião, este deveria ser um “cosmopolitismo ativo” direcionado a um projeto de nova esfera pública mundial oposta à sociabilidade das redes; ou seja, afirma, “um cosmopolitismo que assuma a irredutibilidade das diferenças, o reconhecimento mútuo das singularidades, que aceite preservar ou reconstituir a figura do ‘estrangeiro’” (Balibar, 2010 :45-46).
Apoiado em noções de Zygmunt Bauman, Balibar propõe reatar a ideia de “tradução entre as culturas”, que a seu ver provém de certo discurso pós-colonial, à de cidadania transnacional. Dessa maneira, afirma citando Bauman, “a universalidade não é a antítese das diferenças, ela não pressupõe ‘homogeneidade’ ou ’pureza’ culturais. (…) A universalidade nada mais é do que a capacidade de comunicação e compreensão mútua, (…) com o sentido de saber como ligarem-se entre si, (…) e face aos outros.” Para a União Europeia, sugere “instituir uma cidadania de residência de modo a unir o ‘país legal’ ao ‘país real’; ou seja, “conferir o direito ao voto para os ‘residentes permanentes’ de cada país (…) um modelo de diáspora da cidadania”. Em suma, Balibar oferece argumentos importantes para uma profunda reflexão ao retomar palavras de Hannah Arendt em sua proposta de uma cidadania “em termos de direito de ‘cité’ ou de direito de residir na ‘cité’ com os direitos da ‘cité’, uma ‘citoyenneté partagée’” (Balibar, 2010:37,46-47).
Sem dúvida a proposta de Balibar seduz pela extensão bem intencionada do acolhimento na União Europeia de pessoas oriundas de países e culturas diversas, até mesmo internas à própria Europa. Aceitar a presença dos imigrantes e conferir-lhes a condição de participantes do que denomina ‘pais legal’ conduz à noção de cidadania não excludente. Entretanto, resta uma questão: estaria implícita em sua proposta uma cidadania democrática, entendida democracia nos termos comtemporênos? A meu ver, em suas palavras algo parece se manter como arrogância residual, silenciosa que, talvez, de tão naturalizada passa pouco perceptível a ele e a seus companheiros de coletânea: o eurocentrismo presente em uma reflexão autoreferida para qual a base conceitual ainda se apresenta na figura do Outro.
Notas:
Arendt, Hannah. The Origins of Totalitarianism. New York, Meridian Books, Inc., 1958, p.124
Esta tipologia se inspira livremente na proposta por Hanna Fenichel Pitkin, The Concept of Representation, Berkeley, University of California Press, 1967, apud Déloye.
No original: “In contrast to true imperial structures, where the institutions of the mother country are in various ways integrated into the empire, it is characteristic of imperialism that national institutions remain separate from colonial administration although they allowed to exercise control. The actual motivation for this separation was a curious misture of arrogance and respect: the new arrogance of the administrators abroad faced “backward populations” or “lower breeds” found its correlative in respect of old-fashioned statesmen at home who felt that nation had the right to impose its law upon a foreign people. It was in the very nature of the things that the arrogance turned out to be a device for rule, while the respect, which remained entirely negative, did not produce a new way for peoples to live together, but managed only to keep the ruthless imperialist rule by decree within bounds”. (Arendt 1958, p.126). Origens do totalitarismo. Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo, São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Ferro, Marc Le livre noir du colonialisme XVIe – XXIe siècle: de l’extermination à la repentance, Paris: Robert Laffont, 2003.
No original : “1) s’établir dans un pays, genéralement dans un pays sous-développé, loin de son propre pays, et développer ses ressources agricoles et autres: les Anglais et les Hollandais colonisèrent l’Afrique du Sud.
2) Établir des personnes dans une colonie en vue d’en débarasser la mère patrie, dans l’espoir qu’elles seront plus utiles dans le pays neuf: on nous enjoint d’envoyer nos criminels et nos indérisables coloniser des terres étrangères”.
No original : “Nous sommes de toute évidence un peuple qu’ils [les colons] combattirent et conquirent (…) On refuse de nous reconnaître en tant que groupe distinct de personnes – le peuple aborigène issu de cette terre. Quand la survie d’un peuple est menacée, il contre-attaque.(…) mais il n’était pas de l’intérêt du Ministère de l’Intérieur britannique de reconnaître que les tribus aborigènes formaient une nation ni de leur accorder un statut en conséquence. Le peuple fut massivement assassiné, violé, mutilé et dépossédé de ses terres tribales” au cours des deux siècles postérieurs à 1788. “Aujourd’hui, nous constituons la fraction la plus pauvre du pays”.
No original : “traiter le monde et les hommes qui l’habitent comme des étendues désertiques où on pouvait massacrer les peuples, les piller et les asservir”.
No original : “ouvertement raciste aussi bien contre les juifs que contre les Noirs”. O artigo de Catherine Coquery-Vidrovitch – “Le postulat de la supériorité blanche et de l’infériorité noire” traz informações preciosas sobre a antiga e longa persistência de opiniões preconceituosas na figuração do Outro desde os antigos gregos, in Ferro, Marc 2003, op.cit., pp.646-685.
No original: “Leurs yeux ronds, leur nez épaté, leurs lèvres toujours grosses, leurs oreilles différemment figurées, la laine de leur tête, la mesure même de leur intelligence, mettent eux et les autres espèces d’hommes des différences prodigieuses”.
Remeto a Antonello Gerbi. O Novo Mundo. História de uma polêmica (1750-1900). São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
No original: “I advance it therefore as a suspicion only, that blacks, wether originally a distinct race, or made distinct by time and circunstances, are inferior to the whites in the endowements both of body and mind”. (Catherine Coquery-Vidrovitch (p. 664) apud John Stockdale. Notes on the State of Virginia, 1787).
Tocqueville consagrou o cap. X de De la Démocratie en Amérique, para avaliar a posição das “três raças” nos Estados Unidos: “On découvre en eux, dès le premier abord, trois races naturellement distinctes, et je pourrais oreque dire ennemies. L’éducation, la loi, l’ origine, et jusqu’ à la forme extérieure des traits, avaientre élévé entre elles une barrière presque insurmontable. (…) Parmi ces hommes si divers, le premier qui attire les regards, le premier en lumière, en puissance, en bonheur, c’est l’homme blanc, l’Européen, l’homme par excellence ; au-dessus de lui paraissent le nègre et l’Indien. […] Ne dirait-on pas, à voir ce qui se passe dans le monde, que l’Européen est aux hommes des autres races ce que l’homme lui-même est aux animaux ? Ils les fait servir à son usage, et quand il ne peit les plier, il les détruit. […] des Áfricains ont perdu presque tous les privilèges de l’humanité ! Le nègre des États-Unis a perdu jus’u’au souvenir de son pays ! […] Le nègre n’a point de famille… […] il a perdu jusqu’à la proprieté de sa personne (…) L’Indien, au contraire, a l’imagination toute remplie de la prétendue noblesse de son origine. Il vit et meurt au milieu de ces rêves de son orgueil. Loin de vouloir plier ses moeurs aux nôtres, il s’attache à la barbarie comme un signe distinctif de sa race… […] Toutes les tribus indiennes qui habitaient autrefois le territoire de la Nouvelle-Angleterre, les Narragansetts, les Mohikans, les Pecots, ne vivent plus que dans les souvenir des hommes. […] A mesure que les indigènes s’éloignent et meurent, à leur place vient et grandit sans cesse un peuple immense.” in Tocqueville, Alexis. De
la Démocratie en Amérique, livre 1 de la Première édition historique-critique revue et augmentée par Eduardo Nolla, Paris : Vrin, 1990, pp. 246-250 Edição brasileira A democracia na América, Belo Horizonte : Itatiaia ; São Paulo : Ed. USP, 1977 (pp. 243-247).
No original: “The civilized races of man will almost certanly exterminate and replace the savage races throughout the world.”
Exibition, exposition, médiatisation et colonies in Culture coloniale en France. De la Révolution française à nos jours. Blanchard, Pascal; Lemaire, Sandrine et Blancel, Nicolas (dir.), Préface de Gilles Boëtsch, CNRS Éditions, 2008.
Exibition, exposition, médiatisation et colonies in Culture coloniale en France, op. cit, p. 115.
Sandrine Lemaire et Pascal Blanchard. “Exibitions, expositions, médiatisation et colonies (1870-1914)” in Lemaire e Blanchard, 2008:111-119.
Hardy, George. La Politique Coloniale et le Partage de la terre aux XIXe et XXe siècles. Paris: Albin Michel, 1937.
Sennett, Richard. The Conscience of the Eye. The Design and Social Lifes of Cities, New Yor/London : W.W.Norton & Company,1990, p.8.
Brepohl, Marion. Imaginação Literária e Política. Os Alemães e o Imperialismo.1880/1945, Uberlândia : EDUFU, 2010.
Vargas Llosa, Mario. O sonho do celta. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
No original: “Oh ! Nous savons bien que les Noirs de l’État libre du Congo, les esclaves de S.M. le roi des Belges ne sont pas moins cruellement torturés. (…) C’est ce qu’on appelle la civilisation moderne. (…) Les Blancs ne communiquent avec les Noirs ou les Jaunes que pour les asservir ou les massacrer”.
Hannah Arendt comenta que “Os antigos ‘fundadores de impérios’ britânicos, confiando na conquista como método permanente de domínio, jamais conseguiram incorporar à vasta estrutura do Império Britânico ou da Comunidade Britânica de Nações os seus vizinhos mais próximos, os irlandeses. Essa antiga ‘possessão’ denunciou unilateralmente sua condição de domínio (em 1937) e rompeu todos os laços com a nação inglesa quando se recusou a participar da guerra. A conquista permanente (…) despertou (…) nos irlandeses o espírito de resistência nacional.” in Origens do Totalitarismo, op.cit., p.194.
Vivre en Europe. Philosophie, politique et science aujourd’hui (Bertrand Ogilvie, Diogo Sardinha, Frieder Otto Wolf, orgs.). Paris: L’Harmanttan, 2010.
Balibar, Étienne. Cosmopolitisme, internationalisme, cosmopolitique, Vivre en Europe, op. cit., pp. 19-49.
Referências:
Arendt, Hannah. The Origins of Totalitarianism. New York, Meridian Books, Inc., 1958; Edição brasileira:
Origens do Totalitarismo. Tradução Roberto Raposo, São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Blanchard, Pascal; Lemaire, Sandrine et Blancel, Nicolas (dir.), Préface de Gilles Boëtsch,, orgs. Culture coloniale en France. De la Révolution française à nos jours. CNRS Éditions, 2008.
Bancel, Nicolas, Blanchard, Pascal, Boëtsch, Gilles, Deroc, Eric e Lemaire, Sandrine, (orgs.), Zoos Humains. De la vénus hottentote aux reality shows. Paris, La Découverte, 2002.
Brepohl, Marion. Imaginação Literária e Política. Os Alemães e o Imperialismo. 1880/1945, Uberlândia : EDUFU, 2010.
Ferro, Marc Le livre noir du colonialisme XVIe – XXIe siècle: de l’extermination à la repentance. Paris: Robert Laffont, 2003.
Gerbi, Antonello. O Novo Mundo. História de uma polêmica (1750-1900), São Paulo, Companhia das Letras, 1996,
Gobineau. Essai sur l’inégalité des races humaines. Ed. Librarie de Paris Firmin-Diderot, Paris: 1983.
Hardy, George. La Politique Coloniale et le Partage de la terre aux XIXe et XXe siècles. Paris: Albin Michel, 1937. Ogilvie, Bertrand; Sardinha, Diogo; Wolf, Frieder Otto, orgs. Vivre en Europe. Philosophie, politique et science
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Sennett, Richard. The Conscience of the Eye. The Design and Social Lifes of Cities, New Yor/London : W.W.Norton & Company,1990.