Stuart Hall (1932-2014) e Frantz Fanon (1925 – 1961) trazem como contraponto a relação de dominância cultural e explicativa diante do paradigma cunhado desde século XIX, por autores não negros que sistematizam dentro do escopo centrado na brancura do pensamento. Esse processo dá-se de forma imprescindível para a concretização das relações racistas e secularmente incentivadas nos institutos educacionais, escolas e principalmente em universidades renomadas. Em concordância com o processo positivista hegemônico de se fazer ciência, muitas universidades colombianas colocam em prática ações para desestimular sonhos, perspectivas, algumas estratégias poderiam ser baseadas em implantar dúvidas, inseguranças e distrações. Essas táticas visam minar a autoconfiança, desviar o foco e corroer a determinação. Aqui estão algumas formas historicamente conhecidas que são usadas para sabotar trajetórias, inclusive acadêmicas:
O foco fixa-se nas fraquezas e falhas que podemos ter, quando negros, exageram ainda mais os erros e dificuldades. Isso poderia fazer acreditarmos que não somos bons o suficiente ou que as expectativas são inatingíveis. O objetivo seria enfraquecer a autoestima, de forma que nós duvidemos constantemente de nós mesmos. A confabulação desonesta em subjugar constantemente pessoas negras, normalmente sistematizado por pessoas brancas – que nunca precisaram superar o racismo, alimentam sentimentos de não-lugar e rivalidades em desiguais condições. Através desta metodologia, cria-se a sensação de derrota e desmotivação, pois objetivos é fazer acreditar que não somos capazes de alcançar resultados aceitáveis.
Outra tática centra-se na secular política do pão e circo que destaca-se em oferecer, intencionalmente, o pior serviço e colocar à disposição migalhas distrativas, concomitantemente, a apresentação de futilidades que tem a intenção de distrair com amenidades e colocar à disposição programas dotados de alienação e pouca criticidade, tais como reality show, telejornais sensacionalistas e espetáculos de ridicularização do outro, onde incentivam a construção ideológica dos corpos como risíveis, passíveis de serem mortos1, violentados, abusados e prontos para o descarte, comumente negros. Para além disso, cria-se um imaginário de relacionamentos destrutivos, vícios de dependências de toda ordem2, ou até mesmo “oportunidades” fictícias, a exemplo do sequestro de corpos negros que abastecem o tráfico humano internacional.
A ameaça constante e a cobrança excessiva contra o fracasso, faz aumentar o medo de falhar ao ponto de muitos dos nossos, nem tentar. A ideia bem sucedida consiste em fazer com que vejamos o fracasso como algo insuportável, levando-a a evitar qualquer risco ou tentativa, tornando bem sucedida a estratégia de acirramento da vulnerabilização do povo preto. A violência psicoemocional consiste em manipular situações para que nos sintamos emocionalmente exaustos e sobrecarregados, tornando difícil manter o foco nos objetivos e ou nas atividades acadêmicas. Além disso, por diversas vezes, cria-se conflitos ou crises repetidas, onde perde-se a energia ancestral para seguir adiante. Além disso, a branquitude tem o reconhecimento dos êxitos e valorização dos resultados de forma seletiva, as quais são expressadas ao considerar a valorização dos avanços pessoais, profissionais e acadêmicos como insignificantes, desvalorizando cada pequena conquista negra. Isso faz com que perdemos a auto motivação por não ver valor nas realizações, comumente as conquistas pretas e o reconhecimento público não são efetivados.
Outra situação que ativa gatilhos centra-se em sermos cobrados por meio do imediatismo, que devemos atingir resultados imediatamente, independentemente do contexto e situações. A desonestidade da branquitude tem gerando adoecimento dos corpos, desestimulação e traumas por não atingir resultados tão rápido quanto cobra-se. Esse senso de pressa muitas vezes nos leva a abandonar os espaços e posições, tradicionalmente brancas, elitistas antes mesmo de criar uma nova lógica nas carreiras, assim como a dinâmica de evasão compulsória nos programas de pós graduação de universidades aristocráticas.
O processo de isolamento, incentiva a sensação de solidão, a falta de apoio, distorção de falas e posicionamentos, que matam emocionalmente àqueles que ousam desafiar e denunciar o racismo estrutural. Sem uma rede de apoio, há adoecimento mental e muitas vezes a institucionalização dos negros em manicômios, hospitais psiquiátricos e internações compulsórias que são táticas de engessamento social com a finalidade de exploram pontos sensíveis à população preta, como coação, subjugamento, estigmatização e alienação, com o objetivo de sabotar o desenvolvimento ontognoseológico3 em sua plena essência. Além disso, o uso de assédios diversos ou micro agressões no ambiente de trabalho ou acadêmico para fazer com que nos sintamos indesejáveis ou fora do lugar. Isso pode criar um clima hostil, onde nos sentimos isolados e constante alerta diante dos diversos ataques, o que a desestimula continuidade dos processos. O engajamento em Movimentos de articulação comprometidos com a temática e atuação negra, promove a luta coletiva, porém muitas vezes não traz resultados rápidos, no entanto oferece apoio e força para enfrentar os desafios individuais.
Viabilizar, acompanhar e promover espaços de denúncia, seja na universidade, no trabalho, na política ou na sociedade civil torna-se imprescindível para a comunidade preta vulnerabilizada secularmente. A transformação do sistema começa quando mais pretos marginalizados têm voz e poder de decisão, além da ocupação e permanência em cargos relevantes e de destaque na sociedade. Transcender as ferramentas do racismo estrutural é um processo contínuo de conscientização, resistência e fortalecimento. É possível construir uma trajetória exitosa ao desafiar as normas racistas além de construir uma coalisão de autoproteção que nos mantenha vivos! Sigamos.
- Necropolítica ↩︎
- Uma forma de destruição dos Panteras Negras que o FBI usou, foi a difusão de drogas pesadas (principalmente heroína) nas comunidades que o Partido controlava. Dado o problema com dependência em drogas ser uma constante nos bairros que atuavam, o Partido enfatizava a crítica às drogas como uma praga contra o povo”, que semeava a autodestruição para o povo negro.
https://www.cienciasrevolucionarias.com ↩︎ - Ontognoseologia é um ramo da filosofia que se dedica ao estudo do conhecimento e da sua origem. A palavra é formada a partir da junção de dois termos gregos: “onto”, que significa ser, e “gnoseologia”, que se refere ao estudo do conhecimento. Dessa forma, a ontognoseologia busca compreender como o conhecimento é adquirido e como ele se relaciona com a existência. https://bibliotecadealexandria.com.br/glossario/o-que-e-ontognoseologia/
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Jacqueline Jaceguai Chagas Nunes dos Santos – Mulher preta, mãe solo, e docente, é uma figura atuante no movimento negro, dedicando-se à luta por justiça social e equidade racial. Doutoranda em um programa de dupla titulação entre Brasil e Colômbia, seu trabalho acadêmico explora temas que abordam questões como autoconstrução periférica, segregação urbana, racismo ambiental, feminicídio. trazendo à tona vozes historicamente silenciadas.
** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.