Paralelos entre o SUS e a tragédia de William Shakespeare

Um leitor irado indagou, por e-mail, por que eu tinha “tara” por coisas que não prestam, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS), para ele um engodo quando depende de serviços contratados. Ele reside numa cidade mineira onde só há Santa Casa. Finaliza sua crítica citando “Hamlet” – tragédia de William Shakespeare, escrita entre 1599 e 1601: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Diz que tais instituições “não são mais de caridade; recebem por procedimentos feitos – aquilo que você já ficou rouca de dizer: o grande mérito do SUS foi acabar com o indigente da saúde. E é verdade: não há mais indigentes, há perambulantes”.

por Fátima Oliveira

Há casos em que silenciar é a melhor resposta. É o que tenho feito. Só agradeço os e-mails, sem puxar conversa. Continua o meu leitor: “‘Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a nossa vã filosofia’ (“Hamlet”) e que ‘Nada conserva sempre o mesmo aspecto; até mesmo a bondade, em demasia, morre do próprio excesso’ (“Hamlet”). Recordo-lhe que foi em 1498 que foi criada em Portugal a Irmandade da Misericórdia, com fins caritativos.

A ideia se espalhou pelo mundo e, em 1543, Braz Cubas criou, em Santos, a primeira Casa de Misericórdia do Brasil (Hospital de Santos). Ninguém nega que, por aqui, abaixo de Deus só as santas casas. Mas vivem passando o pires no governo, sob alegação de que vão fechar as portas. Isso tem nome, que nem preciso dizer, já que hoje há cerca de 2.500 santas casas, totalizando mais ou menos 50% dos leitos hospitalares do país! Em Minas, são 258.

A lembrança do meu leitor veio com a presença do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no “XXI Congresso Nacional das Casas e Hospitais Filantrópicos: Saúde e Meio Ambiente – um Novo Olhar sobre a Sustentabilidade” (16 a 18.8.2011), quando assinou portaria que altera critérios para a obtenção do “certificado de filantropia” por hospitais e santas casas que prestam atendimento ao SUS.

Foi mantido o percentual mínimo de 60% do atendimento no SUS. A novidade é que, agora, compõem o percentual, além de internações: atendimentos ambulatoriais de quimioterapia e pequenas cirurgias; em serviços de oftalmologia ou oncologia, 100% dos atendimentos poderão ser tratados ambulatorialmente; áreas estratégicas (leia-se: “gargalos”). Urgência e emergência, dependentes químicos, saúde materna e infantil passaram a ter peso maior para obter ou renovar certificado de filantropia. Inclui, ainda, valendo percentuais: apoio ao ensino, promoção da saúde, casas de apoio à gestante, a dependentes químicos e oncológicos.

Se a portaria for respeitada pelos secretários municipais de Saúde, extirpando o conceito de castas ou serviços intocáveis e fora da lei, será o começo de um acerto de contas e de condutas com instituições privadas, ainda que filantrópicas, que prestam serviços ao SUS. Como registrei em “Pensando uma Agenda Estratégica para a Saúde no Brasil” (7.12.2010), não cumprem os 60% de atendimento SUS – em muitas, o atendimento SUS é temático (algumas doenças) e discriminatório. Ainda recebem benefícios fiscais e creditícios (dinheiro público na bandeja), como agora: aumento de R$ 300 milhões para 700 hospitais, que aceitaram o programa de metas do ministério: incentivo de adesão à contratualização (IAC).

Para o ministro Padilha, “a ideia é estimular os hospitais a oferecerem ao SUS mais serviços nas áreas consideradas prioritárias… Estamos saindo de uma visão de que a atenção à saúde é só leito hospitalar”. Precisa acontecer.

Fonte: O Tempo

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