Naquela época, não havia muitas opções de brinquedos industriais para as crianças de classe média baixa, Paulinho e seus amigos tinham que usar a imaginação para se divertir. O jogo de botão era feito de coco, a bola de futebol era feita de meia e quando a rádio-patrulha não estava por perto a garotada jogava no meio da rua Pinheiro Guimarães improvisando um campo, prática impensável nos dias de hoje devido ao grande movimento de automóveis.
Na casa onde morava, nessa mesma rua, viviam seus pais, suas avós, seu irmão e sua madrinha. Uma casa pequena e simples, até hoje de pé, situada numa vila como tantas outras do bairro.
A história musical de Paulinho começa com seu pai – Benedicto Cesar Ramos de Faria – violonista integrante desde a primeira formação do lendário grupo de choro Época de Ouro, considerado o maior grupo de choro da história, ainda em atividade. Cesar tocava no grupo mais por vocação e prazer do que por necessidade. Para manter a família, trabalhava como funcionário da Justiça Federal. Músicos como Cesar, mais do que nunca, estavam liberados de modismos e exigências do mercado, faziam música por prazer e vocação.
O jovem Paulinho não perdia as oportunidades de acompanhar o pai e desse modo presenciou importantes reuniões musicais, algumas em sua própria casa. Nesses encontros, viu tocar músicos como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Tia Amélia, Canhoto da Paraíba e muitos outros. Em pouco tempo já tentava os primeiros acordes no violão do pai.
Ainda jovem, por diversas vezes, foi por conta própria às reuniões promovidas por Jacob do Bandolim, o maior virtuose do instrumento no país, lá ficava atento aos encontros musicais e as histórias do grande mestre. Mesmo com toda essa experiência, a profissão de músico era algo que Paulinho não imaginava estar no seu caminho, já que até grandes ícones da música brasileira como o próprio Jacob não viviam exclusivamente de sua arte.
Além de manter contato com o mundo do choro, na sua juventude Paulinho freqüentava a casa de sua tia Trindade no bairro de Vila Valqueire, no subúrbio da cidade. Lá, brincou diversos carnavais, uma experiência marcante para sua formação como sambista.
As escolas e os blocos carnavalescos representavam geograficamente cada região da cidade. Paulinho criou junto com seus amigos o bloco Foliões da Rua Anália Franco, para representar a rua onde morava sua tia. A escola de samba União de Jacarepaguá, localizada perto dali, estava crescendo e convidou os jovens foliões para integrar o seu conjunto. Foi o primeiro contato de Paulinho com uma escola de samba. Logo na quadra desta escola, Paulinho apresentou um de seus primeiros sambas, chamado “Pode ser Ilusão”. Ilusão não era, começava sua história como sambista.
Logo após completar 19 anos, Paulinho consegue seu primeiro emprego numa agência bancária, no centro do Rio. Lá viveria um encontro que o levaria a um outro universo e mudaria sua vida.
Sentado à sua mesa de trabalho, no início do ano de 1964, Paulinho vê alguém ser atendido por outro funcionário e nota que já o conhece de algum lugar. Num impulso incomum para um jovem tão tímido, aproxima-se e puxa assunto. Acabaram concordando que já se conheciam da casa de Jacob, numa daquelas reuniões de choro. O poeta Hermínio Bello de Carvalho, então reconhecido, convida Paulinho para visitá-lo em seu apartamento no Catete. Na casa de Hermínio, Paulinho tem a oportunidade de ouvir, pela primeira vez, através de gravações, sambas de compositores como Zé Ketti, Elton Medeiros, Anescar do Salgueiro, Carlos Cachaça, Cartola e Nelson Cavaquinho. Depois arriscou mostrar alguns dos seus. Logo surgiram as primeiras parcerias do jovem compositor com o jovem poeta – mais precisamente duas: Duvide-o-dó, gravada por Isaurinha Garcia anos depois e regravada recentemente no disco Sinal Aberto, com Toquinho; a outra, uma valsa chamada Valsa da Solidão, gravada por Elizete Cardoso em um disco produzido por Hermínio não comercializado.
Dessa amizade com Hermínio nasce uma longa parceria e também o convite para conhecer o Zicartola, um restaurante do sambista Cartola e sua mulher, dona Zica, localizado na tradicional rua da Carioca, onde artistas, jornalistas, intelectuais e outras pessoas se reuniam para ouvir Cartola, Zé Ketti, Elton Medeiros entre outros. Neste restaurante, Paulinho começou a se apresentar tocando composições suas e de outros autores. Um dia, Cartola se aproxima dele e diz: “Paulo, você está vindo aqui, usando seu tempo para tocar e não esta ganhando nada. Tome aqui um dinheiro pra “passagem”. Era um pagamento, sutilmente colocado por Cartola. Foi o primeiro pagamento que Paulinho recebeu por sua música, justo das mãos de Cartola. Pode-se dizer então, que Cartola o profissionalizou.
Incentivado por Zé Ketti, Paulinho começou a compor mais e a pensar em mostrar seus sambas para possíveis intérpretes. Junto com Oscar Bigode, o próprio Zé Ketti, Anescar do Salgueiro, Nelson Sargento, Elton Medeiros e Jair do Cavaquinho, Paulinho deixou alguns sambas registrados numa gravadora da época, a Musidisc, com a esperança de que algum intérprete pudesse gravá-los. Não demorou muito e por sugestão de Luís Bittencourt, diretor musical da casa, eles formaram o grupo A Voz do Morro, gravando seus sambas no primeiro disco do grupo, Roda de samba de 1965. Durante a gravação deste disco, um funcionário da gravadora perguntou a cada um dos integrantes do grupo pelos seus nomes, na sua vez Paulinho responde: “Paulo César”. E o tal funcionário: “Isto não é nome de sambista”. Posteriormente, Zé Ketti leva o fato para Sérgio Cabral que transforma a história em nota publicada num jornal com a solução do problema. Nascia Paulinho da Viola.
O sucesso do conjunto A voz do Morro rendeu mais dois discos. O segundo, Roda de Samba volume 2, foi lançado no mesmo ano de 1965 e o terceiro, Conjunto A Voz do Morro – Os Sambistas, foi lançado no ano seguinte.
Ainda no ano de 1965, Elizete Cardoso, uma das maiores cantoras do país, gravou “Minhas Madrugadas”, de Paulinho e Candeia, no disco Elizete Sobe o Morro. Paulinho acompanhou a gravação com o seu jeito típico de tocar violão e Elton Medeiros se encarregou de usar sua famosa caixa-de-fósforos. O jeito de Paulinho tocar naquela gravação é característico de um momento do jovem sambista. Influenciado pelo jeito de seu pai tocar nos regionais e também pelo ritmo empregado por sambistas como Nelson Cavaquinho, surge uma “batida” única que ele mesmo não usa mais.
No final do ano de 1964, Paulinho ainda freqüentava a União de Jacarepaguá. Oscar Bigode, diretor de bateria da Portela a quem Paulinho considerava como primo, faz uma visita à escola. Acompanhado por outros integrantes da Portela, Oscar então convida Paulinho para conhecer a famosa agremiação de Oswaldo Cruz. No domingo seguinte, lá estava Paulinho na ala dos compositores da Portela, apresentando a primeira parte de um samba. Sob os olhos de Monarco, Candeia, Casquinha, Ventura e muitos outros, Paulinho canta sua composição. Casquinha, logo em seguida, acrescenta uma segunda parte e nasce o samba “Recado”, o primeiro de Paulinho na Portela, gravado pela primeira vez pelo conjunto A voz do Morro em seu segundo disco.
Paulinho foi logo incorporado à ala dos compositores da Portela. Em 1965, desfilou pela escola e em 1966 apresentou na quadra, para o carnaval, o samba “Memórias de Um Sargento de Milícias”. A música foi escolhida para ser o samba enredo da Portela naquele ano. A escola foi campeã do carnaval e o samba de Paulinho recebeu dos jurados a nota máxima. Foi gravado por Martinho da Vila no ano de 1971.
Paulinho já estava integrado à sua escola. Até hoje é reconhecido como um dos grandes nomes da história da Portela.
Hermínio Bello de Carvalho escreveu e Kleber Santos dirigiu e produziu o musical Rosa de Ouro no ano de 1965. O espetáculo revelou Clementina de Jesus, com 63 anos, e trouxe de volta ao palco a figura lendária de Aracy Cortes, as duas acompanhadas por Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Nelson Sargento, Nescarzinho do Salgueiro e o próprio Paulinho. O Rosa de Ouro rendeu dois discos. O primeiro, Rosa de Ouro, lançado pela Odeon no mesmo ano e o segundo, Rosa de Ouro número 2, em 1967. O musical fez grande sucesso em diversas cidades no país e no exterior.
As parceiras de Paulinho continuaram, e em 1966 é chamado para gravar ao lado de Elton Medeiros o disco Na Madrugada. Lançado pela gravadora RGE, Na Madrugada traz sucessos como: 14 Anos, Minhas Madrugadas, Recado, Jurar com Lágrimas, Rosa de Ouro e O Sol Nascerá, esta última de Elton Medeiros e Cartola. Ainda em 1966, Paulinho participa do festival de música brasileira da TV Record com Canção para Maria, em parceira com Capinam, e fica em terceiro lugar.
Em 1968, Hermínio Bello de Carvalho resolveu fazer uma surpresa a Paulinho e inscreveu a música “Sei Lá Mangueira” na terceira edição do histórico festival de música da TV Record. A letra de Hermínio, musicada por Paulinho, exaltava a Mangueira, escola de samba rival à Portela. O fato causou preocupação em Paulinho que não queria projetar a música temendo uma reação negativa dos portelenses, mas isso é um caso diferente. O samba foi interpretado por Elza Soares e Paulinho passou a ser olhado com certa desconfiança na Portela, mas o compositor diz que nunca foi questionado por isso. A experiência do festival deixou uma dívida para Paulinho que buscava inspiração para compor uma música em homenagem à sua escola.
O primeiro disco solo aconteceu em 1968. Paulinho já tinha alguma projeção devido a sua participação no espetáculo e no disco Rosa de Ouro, no disco Na Madrugada, por suas músicas gravadas por Elizete Cardoso e Elza Soares, e também pelo festival de música de 1966. A intenção do diretor musical da Odeon, Milton Miranda, era contratar Paulinho para ser cantor, e não necessariamente compositor, por isso que em seu primeiro disco solo, que leva o seu nome, Paulinho canta poucas músicas suas. O período em que gravou na Odeon foi um dos mais férteis de sua carreira. Teve início em 1968 e terminou em 1980. Foram gravados nesta fase 11 discos.
Ainda em 1968, Paulinho inscreve “Coisas do Mundo, Minha Nega” na I Bienal do Samba da TV Record. A música, que ficou em sexto lugar e foi defendida por Jair Rodrigues, é seu samba preferido.
No ano de 1969, Paulinho venceu o último festival da TV Record com “Sinal Fechado”. Tirou também, no mês de maio, o primeiro lugar na Feira Mensal de MPB da TV Tupi com o samba “Nada de Novo” ao lado de “Que Maravilha” de Toquinho e Jorge Bem. Meses depois, nessa mesma feira, lança o seu maior sucesso até hoje, “Foi um Rio Que Passou em Minha Vida”, logo gravado num compacto com mais três músicas suas: Sinal Fechado, Ruas que sonhei e Nada de Novo.
“Foi um Rio que Passou em minha vida” tornou-se o maior sucesso do ano de 1970. Estourou em todo o país e projetou Paulinho nacionalmente. Finalmente foi a resposta que a Portela esperava pelo samba “Sei Lá Mangueira”, lançado anos antes. A resposta de Paulinho veio em forma de sucesso nacional e tornou-se um hino de exaltação á sua escola de coração. Esta é a música mais lembrada de toda a carreira do compositor e no ano de 2000 foi considerada uma das 30 mais importantes músicas brasileiras da história pela maior rede de televisão do país, a Rede Globo.
Em toda a década de 70, Paulinho gravou em quase todos os anos. Em dois momentos, chegou a lançar dois discos num mesmo ano. Nesse período, criou espetáculos como Sarau, Vela no Breu e Zumbido. Todos com grande sucesso de público e crítica.
Em 1981, já como músico consagrado, Paulinho lança seu primeiro disco na gravadora Warner, um ano depois lança A Toda Hora Rola uma História e em 1983 o seu último disco nesta gravadora, Prisma Luminoso, um dos preferidos do autor.
Depois do lançamento deste disco, Paulinho não se sentiu mais motivado para acompanhar as projeções das gravadoras e se “ajustar” as novas tendências. Era impossível fazer samba através de modismos, assim como seu pai nunca havia feito música para atender ao mercado. As gravadoras passaram a investir pesado no chamado Rock Brasileiro, que ganhava força. Mesmo assim em 1984, por força do público, surge uma nova geração de sambistas, fazendo um samba que ficou conhecido como pagode. Aparecem artistas como Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto entre outros.
Paulinho não parou, apenas reduziu o ritmo e passou a fazer discos ainda mais apurados. Em 1989, lança Eu Canto Samba, um disco que nasceu clássico e teve excelente aceitação de público e crítica. Paulinho recebeu pelo disco quatro troféus do prêmio Sharp daquele ano.
Nos anos 90, ocorreu um fenômeno interessante: Paulinho passou a ser considerado tão sofisticado que apesar de fazer o mais puro samba era visto como um músico muito especial para a grande massa. Afastou-se, desse modo, um pouco de seu público original, não por vontade própria, mas devido a uma imagem difundida na mídia. Em 1996, volta aos estúdios e grava aquele que foi considerado um dos mais importantes discos de sua carreira, Bebadosamba. Este disco foi recordista do prêmio Sharp de 1997, o maior evento do gênero na música brasileira nos anos 90. Paulinho é um dos recordistas do prêmio com nove troféus tendo participado com apenas dois discos.
Em 1997, Paulinho montou, com enorme sucesso, o espetáculo Bebadosamba, e lançou mais dois discos gravados ao vivo: Bebadachama de 1997, e Sinal Aberto de 1999, em parceria com Toquinho. Uma de suas mais recentes apresentações internacionais foi em Paris, num festival em homenagem aos 500 anos do Brasil, onde se estimou que o seu dia foi a maior lotação do espaço La Villete até então no ano de 2000 (4.700 pagantes).
A qualquer momento este artista de quase 40 anos de carreira pode aparecer com um novo trabalho, reafirmando sua importância na música e na história da cultura brasileira. Há sempre a necessidade de fazer mais. Muitos críticos definem a obra de Paulinho da Viola como uma ponte entre a tradição e a modernidade. Como ele mesmo diz: “Não vivo no passado, o passado vive em mim”, e com ele recria sua música sem olhar pra trás.