Penta

Gosto de futebol e bem jogado. Acreditava como muitos que de todas as seleções na disputa desse Mundial, a Argentina era aquele que apresentava um dos melhores futebol e “pintava” como uma das grandes favoritas ao título. E, com o agravamento da situação econômica e política daquele país considerava, que caberia a seleção Argentina, oferecer um lenitivo a seu sofrido povo. Conhecemos a garra portenha e diante da crise enfrentada pelo país somente a “pátria de chuteira” poderia resgatar o combalido orgulho do povo argentino.

Por Sueli Carneiro

Surpreendentemente nada disso ocorreu e a seleção da Argentina deixou precocemente a disputa do Mundial. Me pareceu um mau presságio. Quando nem o futebol consegue, como é de sua tradição, cumprir a sua função ilusionista, em especial para os países sul-americanos, de aliviar, ainda que por momentos fugazes, as dores sociais, estamos com sérios problemas. Porque parece que a gravidade da crise é de tal magnitude que nos é tirado até o direito de nos iludir.

A “pátria de chuteira” sempre foi melhor do que a “pátria de gravata”. Por isso amamos Maradona – apesar de toda a histórica rivalidade de nossos futebol, e de sua petulância tipicamente argentina de considerar-se melhor que Pelé. Amamos os Ronaldinhos e Rivaldos porque eles expressam o melhor de nós, a nossa capacidade de resistência e superação às dificuldades e limitações que, em geral, estão presentes em nossas histórias e de nossos grandes craques. Eles não devem nada a ninguém. Só puderam contar com seu próprio talento, coragem e criatividade para escaparem do risco de serem hoje, para usar uma expressão de Arnaldo Jabor, empregados na “multinacional do pó”, “homens-bomba”, dentre eles, muitos talentos perdidos nas favelas, periferias e subúrbios do país que representam, como diz Jabor, “o início tardio de nossa consciência social”. Aqueles pelos quais nada fizemos e que agora nada mais nos pedem. Simplesmente tomam, em espécie, e em vidas.

Sofremos as dores de nossos craques, as suas má-fase porque sentimos que estamos também em perigo quando eles estão frágeis. É como se houvesse “baixado a resistência” de todos nós. Como se aquele vírus de nossa impotência social voltasse novamente a se manifestar. Cada vez que esse meninos pobres, negros, sem perspectiva na vida emergem para o estrelato do futebol renovam a esperança de todos os que vivem nas mesmas condições. Fazem cada um sonhar que é possível. Quando cada um deles fracassa nos leva de volta aos nossos becos sem saída.

A trajetória da seleção brasileira nessa Copa combina com as intermitências que vivemos. Com a disparada do risco-Brasil e o sobe- e- desce do dólar passei a temer que estava reservado a nossa seleção destino semelhante a da Argentina e nos fosse roubada a alegria e a ilusão do penta, para nos obrigar a compreender ou “realizar”, como preferem os psicanalistas, a gravidade da situação do país. Prefiro encarar isso com o penta.

Os cartolas não o merecem, os políticos menos ainda, mas o povo brasileiro e sul-americano precisam e merecem continuar acreditando que há lugar para a criatividade, para o talento individual, para a esperança e que apesar da insensibilidade e tirania do mercado, da inoperância e subserviência de nossos políticos, e do descalabro da situação social a escola sul-americana de futebol, através dos craques brasileiros, continua dizendo ao mundo que a habilidade, criatividade e competência que mostramos no futebol é a mesma presente em nossos povos que, infelizmente, como disse uma vez um festejado dirigente latino-americano, “nunca tiveram governantes a sua altura.”
Em tempo. Seja qual for o resultado do jogo de domingo, faltou um R.
Romário!

+ sobre o tema

Mulheres negras têm poder de internacionalizar lutas e reconfigurar a política

Do ponto de vista das lutas históricas em prol...

Gays efeminados relatam rotina de discriminação e contam como se fortaleceram

Preconceito é alto dentro da própria comunidade LGBT e...

Uma em 1 milhão

Em março de 2005, Cynthia Howlett, Vera Zimmermann e...

Conheça a história de Maria Odília Teixeira, médica negra pioneira no Brasil

Era 1909 e as mulheres nem sequer tinham o direito...

para lembrar

Britânico vence batalha legal com ex-mulher e publica memórias sobre abuso sexual

James Rhodes (direita) e ator Benedict Cumberbatch após decisão...

Conversas com o Espelho (Bruna de Paula)

Tenho a estranha mania de pensar o mundo a...

O legado de Michelle Obama

Chegou à Casa Branca entre críticas, mas Michelle Obama...

10 Dicas práticas para tornar o mundo menos gordofóbico

Você não precisa ser uma blogueira Plus Size ou...
spot_imgspot_img

Pesquisa revela como racismo e transfobia afetam população trans negra

Uma pesquisa inovadora do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), intitulada "Travestilidades Negras", lança, nesta sexta-feira, 7/2, luz sobre as...

Aos 90 anos, Lélia Gonzalez se mantém viva enquanto militante e intelectual

Ainda me lembro do dia em que vi Lélia Gonzalez pela primeira vez. Foi em 1988, na sede do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), órgão...

Legado de Lélia Gonzalez é tema de debates e mostra no CCBB-RJ

A atriz Zezé Motta nunca mais se esqueceu da primeira frase da filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez, na aula inaugural de um curso sobre...
-+=