A perseguição é contra os abusadores, não contra os homens

“Espero que a moda de denúncia sexual não chegue ao Brasil”, disse Danuza Leão em um (triste) artigo no jornal “O Globo” depois do bombástico Globo de Ouro. Danuza, eu ia dizer justamente o oposto: tomara que este movimento americano inspire e fortaleça as brasileiras a denunciarem seus abusadores. Tomara que sejamos contaminadas por esse senso de justiça e tenhamos coragem de encarar nossas delegacias tão despreparadas para esse tipo de caso. Tomara também que se crie uma rede que fortaleça as mulheres a dizer “agora chega: Vamos, sim, expor e denunciar quem cruzar a linha”.

por Lia Bock no Blog da Lia Bock

Catherine Deneuve também intercedeu em favor dos pobres homens injustiçados: “Os homens têm sido punidos sumariamente, forçados a sair de seus empregos, quando tudo o que eles fizeram foi tocar o joelho de alguém ou tentar roubar um beijo”, diz o texto do manifesto que ela assinou juntamente com outras artistas francesas e publicou no jornal francês “Le Monde”. Quase chorei e pensei: será que ela leu o relato de Salma Hayek? Nos tantos casos o pau de fora, a invasão no quarto, a perseguição, a intimidação… na verdade era tudo paquera? A gente é que entendeu mal?

O texto das francesas tem lá seu propósito, quer evitar que arte seja confundida com pedofilia e que comportamentos sexuais sejam vistos como abuso. Mas não, Catherine: nós sabemos exatamente o que é paquera (até porque também paqueramos!) e basta ler os infindáveis textos sobre os casos americanos para percebermos que aquilo não tem nada a ver com flerte.

Homens, não vistam a carapuça

Dizer que o movimento feminista está perseguindo os homens é uma inversão total de papéis. E mais: é uma generalização bestial. Lembremos: os perseguidos são os assediadores e os estupradores. Não vistam a carapuça se vocês não fazem parte deste grupo, ok?

E se esse grito de basta fere os rapazes de forma geral, é porque talvez seja hora de repensar a masculinidade, de falar sobre comportamentos limítrofes e sobre cultura do estupro (que como eu já disse num texto recente, não tem nada a ver com o estupro em si, mas com a naturalização da violência sexual).

Já reduzir os assédios ao ato infantil de roubar um beijo é tão preocupante quando dizer que uma mulher só foi estuprada porque estava de saia curta ou fora de casa à noite. Culpar e desqualificar a vítima é uma tática antiga que conhecemos bem. E pra ela direi apenas: não passarão.

Raiva, mentira e vingança

Isso não significa que algum homem não tenha sido injustiçado por uma mulher movida por vingança. Raiva e mentira movem a humanidade desde sempre. Mas jogar todo mundo nessa vala é tão (mas tão) ingênuo que soa maligno.

Nunca achamos que seria fácil e nem que todas as mulheres se curvariam às demandas da igualdade de gênero, mas uma coisa é certa, Catherine e Danuza: brigaremos por vocês e por suas filhas e netas também. Porque brigamos por todas nós. Lutamos por um futuro onde “elogio na frente de uma obra” (como diz Danuza) seja o nosso maior problema. Por ora fiquemos com o fato de que uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no Brasil.

Estejam do lado certo: aquele que separa homens de criminosos.

+ sobre o tema

O retorno do goleiro Bruno, entre a ressocialização e o cinismo

Atleta condenado pelo assassinato de Eliza Samudio é novamente...

Conectas cobra apuração rígida de mortes provocadas por ação da PM

Operação em Paraisópolis evidencia descaso da segurança pública com...

Pandemia amplia canais para denunciar violência doméstica e buscar ajuda

Entre as consequências mais graves do isolamento social, medida...

para lembrar

Vídeo inédito mostra a fúria de Johnny Depp contra sua ex-esposa

O site TMZ publicou um vídeo revelador sobre a...

Cearense Maria da Penha é indicada ao Prêmio Nobel da Paz 2017

A nomeação dos vencedores do maior prêmio mundial de...

Famílias pedem autorização para matar filhas e evitar estupro em Aleppo

Mulheres sírias estariam cometendo suicídio antes de invasão Do O...
spot_imgspot_img

Coisa de mulherzinha

Uma sensação crescente de indignação sobre o significado de ser mulher num país como o nosso tomou conta de mim ao longo de março. No chamado "mês...

Medo de gênero afeta de conservadores a feministas, afirma Judith Butler

A primeira coisa que fiz ao ler o novo livro de Judith Butler, "Quem Tem Medo de Gênero?", foi procurar a palavra "fantasma", que aparece 41...

Sonia Guimarães, a primeira mulher negra doutora em Física no Brasil: ‘é tudo ainda muito branco e masculino’

Sonia Guimarães subverte alguns estereótipos de cientistas que vêm à mente. Perfis sisudos e discretos à la Albert Einstein e Nicola Tesla dão espaço...
-+=