Com base em um estudo de mais de 1,7 mil casos de mortes de mulheres ocorridas no Brasil nos últimos três anos, pesquisadora da UnB traça o perfil do agressor e aponta os motivos apresentados por eles para cometer crimes
Por Pedro Grigori e Isa Stacciarini, do Correio Braziliense
A professora Lourdes Bandeira, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), estudou mais de 1,7 mil casos de mortes de mulheres no país nos últimos três anos. O resultado será um livro publicado como tese de pós-doutorado em feminicídio. A visão da especialista é que, em 70% dos casos, o assassinato é tratado como crimes de paixão ou de honra. As motivações dos crimes costumam se dividir em três: mulheres querem se separar e o companheiro não aceita; suspeita de adultério ou dificuldade de aceitar que a ex-esposa possa seguir a vida de solteira.
“É notada uma crueldade nos crimes. Espancamentos, diversas facadas e tiros. Para o homem, a mulher não o querer é um ataque contra a sua virilidade. Eles sentem que falharam diante de uma sociedade sexista e patriarcal onde a mulher ainda é vista como parte do pertencimento do homem”, opina Lourdes.
Em casos como o do policial militar Epaminondas Silva Santos, que se suicidou após matar a esposa, Lourdes acrescenta que se trata de um ato de covardia. “Ele quer desaparecer, e tem um ato em que decide destruir tudo junto dele. Isso mostra o quanto o homem não respeita a mulher, pois ele decide que, por escolha própria, a companheira não terá direito de liberdade e nem de existir. É o pensamento de ‘ou ela me pertence, ou não será mais de ninguém”, classifica.
Voz às vítimas
Especialista em violência doméstica, a antropóloga Lia Zanotta, da UnB, acredita que o aumento no registro de feminicídios é o reflexo de uma construção histórica que colocou a mulher abaixo do homem. Para ela, a visibilidade de casos faz aumentar as denúncias e torna o processo judicial mais eficaz, mas ainda há um caminho longo a ser percorrido para desconstruir essa tradição. “A mulher é uma válvula de escape. Se o homem passa por uma crise econômica, desconta nela. Se passa por um momento difícil, bebe e bate nela. Isso vem de uma idealização lá do Brasil Colônia, em que, ao casar, a mulher passava a ser um ser totalmente submisso, obediente ao marido”, comenta, em relação a casos em que o agressor é o companheiro.
Para Zanotta, tanto o feminicídio quanto a Lei Maria da Penha, que completou 12 anos ontem, são enormes vitórias, mas precisam se tornar mais incisivas. “São raras as vezes em que agressões, humilhações verbais e constrangimentos não eram notados anteriormente. O feminicídio é o fim de um ciclo violento, e o Judiciário precisa trabalhar para impedir que se chegue a esse ponto. É necessário que agressões e denúncias sejam tratadas como atos sérios, passíveis de prisão, medida protetiva e um longo período de reflexão psicossocial para os agressores”, defende a especialista.
Secretário de Segurança Pública do DF, Cristiano Barbosa considera a denúncia um dos primeiros mecanismos para romper o ciclo de violência contra a mulher. “É um crime covarde, hediondo, que muitas vezes a vítima sozinha não tem coragem de tomar atitude e se sacrifica, seja por causa dos filhos, seja pela dependência financeira, o que torna o ciclo vicioso e se agrava”, observa. Ele sugere que vizinhos e familiares possam prestar assistências. “Essas pessoas podem incentivar a vítima a fazer o registro necessário e realizar a denúncia. Só assim podemos mapear e agir. A sociedade inteira sofre com isso. Precisamos pedir socorro e dar luz a esse problema”, reforça.
Para a juíza Theresa Karina de Figueiredo, do Juizado Criminal do Recanto das Emas, organizadora do livro Mulher e a Justiça e autora do texto A violência doméstica sob a ótica dos direitos humanos, que atuou na Vara de Família e de Violência Doméstica, deveriam haver políticas públicas de dar voz às vítimas para elas compartilharem suas histórias com outras mulheres. “Às vezes, a mulher só é ouvida na sala de audiência”, reforça.
Cadeia por descumprimento
Ontem, o Senado aprovou o projeto (PLC 4/2016) que manda para a cadeia quem descumprir as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. A proposta vai agora à sanção presidencial e prevê penas de dois meses a três anos de prisão para quem deixar, por exemplo, de manter distância das vítimas de violência por determinação judicial.