“Pessoas pensam que racismo não é sobre elas”, diz Thiago Amparo, da FGV

Os desafios da diversidade nas empresas foi tema de painéis na Conferência Ethos 360º

Por Marina Filippe, do Exame

Thiago Amparo, pesquisador na área de direitos humanos – Arquivo Pessoal

A diversidade étnico-racial, de gênero e de orientação sexual nas empresas foi tema de dois painéis na Conferência Ethos 360º, nesta terça-feira.

Para especialistas, a diversidade racial só acontece quando há essa pauta estruturada na agenda da empresa. Além da contratação, o modelo de inclusão prevê a permanência do profissional negro que encontra desafios externos.

Um exemplo é o fato de que 40% dos jovens negros não concluem o ensino médio. A falta de estudo, diretamente atrelada a fatores socioeconômicos, não deve ser vista como falta de competência.

“Um jovem que tem o inglês básico talvez tenha mais capacidade de aprender línguas do que alguém que passou uma década estudando numa escola renomada”, diz Thiago Amparo, professor da Faculdade Getúlio Vargas e coordenador de políticas de diversidade da FGV Direito SP.

A dificuldade de se combater o racismo nas empresas tem relação direta com a falta de clareza sobre o assunto. “As pessoas pensam que as discussões sobre racismo não são sobre elas. Mas estamos falando de relações sociais entre brancos e negros“, afirma Amparo.

Para mudar esse cenário e influenciar o discurso afirmativo para a equidade de racial em companhias com atuação no Brasil, há cerca de três anos, foi fundada a Coalizão Empresarial para Equidade Racial e de Gênero, uma parceria do Instituto Ethos com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). “É possível quebrar um ciclo de exclusão e medir essas mudanças”, diz Daniel Teixeira, diretor de projetos do CEERT.

Quando se trata de LGBTI+, apesar de não ser obrigatória uma declaração de orientação sexual no momento da contratação, algumas empresas se esforçam para mapear e apoiar a sigla. A maior dificuldade encontrada diz respeito a letra T, de transexuais, transgêneros e travestis.

Segundo estatísticas da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% dessa população vive na prostituição. Para a ativista Neon Cunha, é preciso humanizar a questão. “A empresa que não pensa em políticas de contratação e inclusão é conivente com as disparidades sociais”, diz.

Entre as empresas com boas práticas para trans, está o Carrefour. Desde 2015 a varejista capacitação essa população e contrata parte dos treinados. Atualmente, são 70 funcionários trans em um universo de 80.000.

Segundo Karina Chaves, gerente de diversidade do Carrefour, a inclusão desses profissionais passa por um contínuo processo de aprendizagem: “Precisamos entender como devemos chamá-los, qual banheiro eles usarão e como combater discriminações por parte de outros funcionários e clientes”, diz.

Por meio de comitês internos de diversidade, a varejista C&A e a rede de hotéis Accor também formularam políticas de contratação e retenção de transexuais. Para essas empresas, a população LGBTI+, além de força de trabalho, é parte importante entre os consumidores.

“LGBTI+ viajam 40% do que heterossexuais. Assim, quando contratamos essas pessoas e treinamos os gestores para oferecer o melhor serviço dentro de casa é mais fácil que ele se reflita fora da empresa”, diz Larissa Lopes, gerente de comunicação, sustentabilidade e diversidade da Accor.

O alinhamento da liderança com o tema é fundamental para o engajamento e a produtividade do profissional. Daniela Mourão, professora da Faculdade de Engenharia da Unesp, relata que tinha receio de assumir a transição de gênero no seu ambiente de trabalho, mas que recebeu o suporte de seus superiores quando a fez. “Eu achava que seria humilhada, mas recebi apoio e respeito a minha identidade”, afirma.

A diversidade tem sido um ponto-chave para o desenvolvimento das empresas perante seus funcionários e clientes. No início deste ano, o Guia EXAME de Diversidade, em parceria com o Instituto Ethos, mapeou iniciativas de 109 companhias inscritas. Atualmente, estão abertas as inscrições para a segunda edição.

+ sobre o tema

Musk sugere anistia para policial que matou George Floyd

O bilionário Elon Musk sugeriu repesar a condenação da...

Redução da jornada de trabalho ajudaria quebrar armadilha da baixa produtividade?

Exemplos de países desenvolvidos não dizem muito sobre qual seria...

A escalada das denúncias de quem trabalha sob calor extremo: ‘Imagina como ficam os trabalhadores soldando tanques’

Na segunda-feira (17/2), enquanto os termômetros de São Paulo batiam...

Governo divulga ações para lideranças religiosas de matriz africana

O Ministério da Igualdade Racial (MIR) apresentou para lideranças...

para lembrar

Confiança de consumidores cai em outubro nos EUA

Analistas esperavam aumento do otimismo sobre economia; queda surpreendeu A...

Marcha fúnebre permanente

O vermelho-sangue sobre o corpo negro não é uma...

Paulistanos defendem lei dura e direitos de mulheres e negros, diz pesquisa

Estudo da USP mostra que há consensos entre grupos...

“Eu faria de novo. Isso deveria ser o normal”: a estudante que impediu um linchamento falou com o DCM

por : Kiko Nogueira Mikhaila Copello, de 22 anos, mora no...

O Congo está em guerra, e seu celular tem a ver com isso

A Guerra do Congo é o conflito mais mortal desde a Segunda Guerra Mundial, mas recebe bem menos atenção do que deveria —especialmente se comparada às guerras...

Debate da escala 6X1 reflete o trabalho em um país de herança escravista

A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) protocolou na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (25), o texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que quer colocar fim à...

Não há racismo estrutural, e discriminação afeta brancos, diz governo Trump

O governo de Donald Trump considera que não existe racismo estrutural nos EUA e alerta que a discriminação é, de fato, cometida contra brancos. Numa carta escrita no dia...
-+=