E aí, por que você tá carregando essa bandeira preta se todo mundo tá usando uma vermelha?
por lelê teles para o Guest Post do Portal Geledés
Porque a partir de agora a coisa ficou preta, irmão. Agora é nóis na rua.
Disse isso, ajeitou o lenço que lhe cobria o nariz e a boca e se diluiu na multidão.
Sim, pretistas. Podem nos chamar assim, é o que somos.
Disse-me a moça de turbante, exibindo o muque, como se mostrasse força e ao mesmo tempo desse uma banana pros golpistas.
Sou feminista, por isso estou aqui entre as mulheres. Mas também carrego a bandeira preta comigo.
Porque sofro opressão por ser mulher e por ser negra.
Tá vendo aquele cadeirante ali, de rastafári? Cê num faz ideia como tá ruim pra ele, irmão.
A polícia o vê como um possível traficante aproveitando-se de sua deficiência. É só sair na rua que ele ganha baculejo, tapa na cara, forjação de flagrante.
Os racistas cochicham pelos cantos que ele deve ter perdido os movimentos em alguma troca de tiro, tentando roubar um banco ou um branco.
Por isso que é mentira esse lance de que no Brasil todo mundo tem sangue negro; todo mundo tem sangue vermelho, irmão, racismo é o que a gente sente na pele.
Tirou a camisa, ficou só de soutien, e se diluiu entre as feministas.
Fui falar com o rasta da cadeira de rodas. Ele segurava uma bandeira preta com uma mão e um baseado com a outra.
Em todas essas categorias que se juntam hoje nas ruas de todo o Brasil contra o Usurpador, contra esse governo ilegítimo, man – disse-me o dread loko – o negro está representado.
Idoso, LGBT, estudantes, pessoa com deficiência, mulheres… em todos esses grupos oprimidos há o elemento duplamente discriminado, o negro.
Um policial já pediu pra eu me levantar para ser revistado, acredita?
Segurei a bandeira, segurei o baseado e fiquei ali ao lado do rasta, tentando segurar minha onda.
Foi aí que percebi a quantidade de bandeiras pretas que estavam a surgir nas manifestações.
Veio-me uma luz.
São pretos a maioria dos que são pobres.
Portanto, preta é a cor que simboliza as grandes conquistas sociais – reconhecidas mundialmente – provenientes das políticas de inclusão implantadas pelo presidente Lula.
Se hoje morrem menos crianças de fome e desnutrição, morrem menos pretos.
São negras a maioria das mulheres beneficiadas com o programa de moradia popular do governo federal.
Negro é o Bolsa Família, o Luz Para Todos, o PROUNI, o FIES…
O sistema de cotas, em vigor nas universidades federais, está a enegrecer as academias.
As cotas chegaram também aos concursos públicos.
Os pontos de cultura, descentralizados, colocaram o negro em foco.
Editais de audiovisual lançam luzes sobre as pautas importantes da negritude, tirando-nos da invisibilidade.
É mentira que o cinema começou preto e branco. O cinema sempre foi branco.
O manifesto Dogma Feijoada, escrito por Jefferson De, foi o primeiro passo para a formação de uma consciência crítica de que é preciso, sim e com urgência, enegrecer a sala escura.
Foi isso que fiz quando roteirizei o programa Estação Periferia, exibido pela TV Brasil.
A onda tava começando a crescer.
O reconhecimento das domésticas como uma categoria profissional, com direitos trabalhistas extirpou, de uma vez por todas, uma herança nefasta dos tempos da escravidão.
Por isso que a periferia – é mais ou menos isso Brown disse em seu discurso – ao virar as cotas pra Dilma, vira as costas para si mesma.
Seria ingratidão da perifa renegar quem lhe estendeu a mão.
Por isso as bandeiras pretas estão a flamular nas ruas.
A gente não ficar de braços cruzados assistindo esses 13 anos de conquistas irem pro saco.
Acham que e gente não tá vendo?
Temer, o Jaburu no Planalto, mandou logo demitir o negão que servia cafezinho no Palácio.
Nem servindo café eles querem preto por perto.
Só que vai ter luta. O machistério do Jaburu, branco, rico, heterossexual e metido até o pescoço em maracutaias, não vai roubar nossas conquistas.
Nunca mais aceitaremos a condição de Deficientes Cívicos. Ergam a negra bandeira, manos, minas e monas.
Nenhum direito a menos.
Pretistas de todo o país, uni-vos.
Palavra da salvação.