Alunos negros relatam episódios de racismo. Instituição irá abordar temática em debate com comunidade acadêmica.
Por Ingo Müller Do G1
O estudante de engenharia elétrica Daniel Costa denunciou, nas redes sociais, ter sido vítima de racismo ao tentar entrar na Universidade Federal do Pará (UFPA) na última sexta-feira (20). O jovem conta que tentava entrar na instituição acompanhado de três amigos para participar de uma festa quando foram discriminados pela segurança do campus.
“Nós estávamos indo prestigiar alguns companheiros que iriam se apresentar na Calourada de Serviços Social. Estava todo mundo entrando. Todo mundo, normal, sem pedirem documentação, mas quando a gente chegou vieram três seguranças pedindo documento”, disse o jovem, que atribui a triagem à cor de sua pele.
Daniel contou que denunciou o ocorrido para a organização do evento, e relata que irá procurar a ouvidoria da UFPA para abordar o assunto. “Racismo é algo estrutural e a denúncia não é nem a ponta do iceberg. A gente está falando de 400 anos de escravidão e de seus frutos podres que perpetuam até hoje. Pretos morriam nas senzalas e hoje pretos morrem na periferia”, disse. “Enfrentar o problema é o que a gente faz desde quando nascemos, quando é imposto um padrão de beleza onde nossa cor é feia, nosso cabelo é ruim”, critica.
Mural de advogados é alvo de vandalismo
Após o ocorrido com Daniel e seus três amigos, a placa dos calouros de Direito formados em 2014 localizada no bloco K apareceu pichada com os dizeres “Fora branco”. Embora não seja possível afirmar que os casos estão relacionados, o fato deixou os ânimos da comunidade acadêmica acirrados, e alguns alunos responderam ao vandalismo nas redes sociais, com mensagens de insultos raciais – que, de acordo com a constituição de 1988, são inafiançáveis, não prescrevem e podem ser punidos com privação de liberdade.
“Primeiramente fiquei muito indignado e ofendido. A mensagem é como se a gente compactuasse com racismo. Eu tenho muito orgulho de ser parte daquela turma, não nasci em berço de ouro e aquela atitude desclassifica isso, nos coloca como vetores do problema. Lógico que é apenas uma canetinha em um mural de vidro, mas a mensagem pode prejudicar muita gente”, disse o advogado. “Eu sou minoria, sou deficiente físico e estar naquele mural não foi fácil também”, conclui.
Racismo reverso não existe
Daniel disse que tomou ciência da pichação, mas não acredita que o vandalismo seja uma reação ao racismo do qual foi vítima. “Olhando o quadro só tem brancos e isso é uma questão estrutural. E essa atitude de ‘Fora Brancos’ é apenas o reflexo do ‘Fora Pretos’ que existe desde a escravidão no Brasil, vivemos em um país majoritariamente preto, mas o maior percentual de vagas nas universidades quem ocupa são os brancos”, pondera. “Quando se trata de racismo no Brasil, não se leva em conta o literal da palavra, mas a conjuntura. Não existe racismo reverso”, conclui.
O advogado Paulo Victor Squires, da Comissão de Defesa da Igualdade Racial e de Etnia da OAB-PA, explica que há uma diferença entre a manifestação “Fora brancos” e o racismo sofrido por alunos como Daniel, que ocorre muitas vezes de forma silenciosa dentro do campus.
“Chamar o outro de branco, de palmito, pode denotar preconceito ou injúria – não sou eu que vou determinar aqui no que se enquadra, mas racismo não é por não haver um sistema de opressão histórica. Já dizer que negro não está na foto ‘por ser burro’ denota o racismo por todo histórico que temos”, explica.
“Racismo é todo o sistema de opressão que se dá através das relações de poder que uma raça se utiliza para se sobrepor a outra. Essa relação, todo esse sistema de opressão, historicamente no Brasil ocorreu da raça branca sobre a raça negra. A população negra sofre este histórico de opressão e exclusão das questões políticas e sociais. Por isso, para haver racismo reverso deveria ter tido escravidão da população branca por negros e negação dos direitos dos brancos, o que nunca houve e nunca haverá. Acreditar no racismo reverso é mascarar o racismo perverso que a gente vive na sociedade”, detalha o advogado Paulo Victor Squires.
Procurada pela reportagem, a UFPA emitiu uma nota informando que condena os danos ao patrimônio, e não admite de forma alguma manifestações racistas. Para fomentar o debate, a instituição informa que irá promover um amplo debate com professores, alunos e técnicos a partir de quarta-feira (21), quando o Instituto de Ciências Jurídicas receberá representantes da Anistia Internacional para o lançamento da campanha “Jovem Negro Vive”.
Além disso, os estudantes que de alguma forma se sentirem lesados e ofendidos podem procurar orientação jurídica na Clínica de Atenção à Violência, que funciona no Núcleo de Prática Jurídica (NPJ).
Para Squires, os episódios registrados na UFPA ressaltam a necessidade deste debate. “Nunca foi intenção da população negra de se sobrepor à raça branca. Toda a luta desde os tempos sombrios da escravidão é de igualdade, de ter direitos iguais” conclui Paulo Victor Squires.