Policiais colocaram o corpo na ambulância já com uma manta utilizada para cobrir cadáveres, dizem testemunhas. Depois da morte, moradores da região foram agredidos
por Claudia Belfort e Luís Adorno no Ponte
Agentes da PM-SP (Polícia Militar do Estado de São Paulo) mataram o adolescente Lucas Custódio dos Santos, de 14 anos, por volta das 14h desta quarta-feira (27) em um terreno baldio na Favela do Sucupira, região do Grajaú, zona sul da capital. Segundo primos e um irmão do jovem, Lucas voltava de um jogo de futebol quando tomou um tiro na perna. Depois do primeiro disparo, assustado, ele tentou fugir e foi alvejado. Testemunhas relatam que policiais militares dispararam seis vezes contra o rapaz, acertando três tiros, um na perna e dois no abdômen.
De acordo com a corporação, dois adolescentes foram abordados e tentaram fugir, um conseguiu escapar. A PM afirma que Lucas foi socorrido e levado ao Hospital Maria Antonieta, mas um vídeo, obtido com exclusividade pela Ponte Jornalismo, mostra que o corpo do jovem estava envolto com uma manta térmica e segundo os moradores, ele deixou o terreno já coberto por essa manta, como um cadáver.
Moradores afirmaram, ainda, que um dos policiais envolvidos no caso colocou as mãos na cabeça e disse estar arrependido do que fez. O caso foi registrado no 101o DP (Distrito Policial).
A reportagem pediu explicações à Polícia Militar, à 1h44 desta quinta-feira (28). Às 3h22, a corporação respondeu que “a Polícia Militar esclarece, em nome da transparência que lhe é peculiar, que o respectivo pedido de informação não oferece tempo hábil para o devido levantamento acerca do fato noticiado. Em respeito ao público leitor, encaminharemos a demanda ao Comando local, e responderemos, dentro da razoabilidade, assim que dispusermos dos dados a respeito.” Em contra resposta, a reportagem da Ponte afirmou que, assim que a corporação tiver uma versão para o fato, a matéria será atualizada.
Para chamar a atenção para a morte de Lucas, moradores da região fizeram uma manifestação, que teve o seu pico por volta das 17h. Segundo a PM, cinco ônibus e um caminhão foram depredados, os manifestantes também atearam fogo em lixo para interromper o tráfego na avenida Dona Belmira Marin. A presença da PM, principalmente do 27o Batalhão e da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), se intensificou para interromper os eventuais atos de vandalismo contra os veículos, mas, ao mesmo tempo, provocou terror em quem protestava. A reportagem da Ponte Jornalismo teve acesso a duas vítimas da truculência policial no Grajaú entre a tarde e a noite desta quarta-feira: Luiz Felipe Rocha de Lima, de 21 anos, pizzaiolo, e C., de 47.
Luiz Felipe Rocha de Lima temeu ter o mesmo fim de Lucas Custódio dos Santos, seu primo. Pizzaiolo, quando ficou sabendo que o jovem havia sido alvejado, ainda havia a esperança de que ele estivesse vivo. “Ninguém deixava a gente ver [o corpo]. Os policiais alegavam que estava vivo e que estavam prestando socorro. Só que já saiu daqui morto e eles quiseram falar que morreu quando chegou no hospital”, afirmou à Ponte. “Agora pela noite, eu subindo a rua, um policial olhou pra mim e falou ‘o que você tá olhando?’. Eu falei ‘nada, eu só tô te olhando’. Ele olhou pra mim e falou da seguinte forma: pra não ficar olhando pra ele porque ele é bonito, mas que se eu quisesse dar pra ele, eu dava depois.”
“Eu falei pra ele me respeitar porque eu sou homem igualmente a ele e vestia calça igualmente a ele. Aproveitaram da situação, falaram um monte para mim e começaram a me bater. E veio um policial pelas minhas costas e me deu uma bicuda. Aí um outro policial me agarrou e tentou me levar pra dentro do beco pra continuar me batendo, mas eu continuei brigando com o policial, me arrastando para a rua, enquanto eles tentavam me arrastar pra dentro do beco. Nisso, um policial começou a me forçar e eu desmaiei no meio da rua e eles me batendo. Depois eles me acordaram e começaram a me bater novamente e pediram meu documento. E quando eu fui pegar meu documento, o policial cuspiu na minha cara”, relata o primo da vítima fatal, que voltava da igreja depois de saber da morte do menor de idade.
Luiz Felipe é obreiro da Igreja Comunhão e Vida, trabalha com o Pastor Erico Reis, que também conhecia Lucas. “Era um menino tranquilo, andava sempre sorrindo e costumava ir ao culto jovem no segundo sábado de cada mês. Eu o conhecia desde os 5 anos de idade”, contou Reis.
C. não tem nenhum vínculo familiar com Lucas, mesmo assim sofreu, psicologicamente e fisicamente, com a morte do jovem. Assim que soube do protesto da avenida Belmira Marin, foi solidária e participou. Levou um tiro de bala de borracha nas costas. Durante toda a tarde e noite, até por volta das 23 horas, vários carros de polícia foram ao local, com agentes fortemente armados, encarando e medindo, da cabeça aos pés, os moradores. Depois deste horário, viaturas da Força Tática iam de um lado para o outro da avenida, devagar, com faróis e sirenes apagadas. Os olhares dos policiais eram os mesmos do decorrer do dia. “Até agora [por volta de 1h de quinta-feira (28)] está todo mundo sendo agredido. Quem chega aqui, eles [policiais] agridem. Pega os moradores e levam lá para baixo para espancar”, afirmou a mulher à reportagem.
A população voltou para suas casas por volta de 1h30, vários estavam receosos sobre como será esta quinta-feira. Diversas viaturas da PM permaneceram no local e nos arredores durante a madrugada.
* Colaborou Rafael Bonifácio.