Pode uma escritora negra falar sem que o mediador tente roubar a cena?

Foi no FLI BH, o Festival Literário de Belo Horizonte. Todo mundo esperando ansioso para ouvir Ana Maria Gonçalves e o mediador roubando o tempo dela e da gente.

Ilustração: Joana Brasileiro

Começou com uma frase de efeito: “a carne mais barata do mercado é a carne negra”, seguramente porque a expositora da noite era negra. Ali mesmo ele deu com os burros n’água, impactou negativamente a galera. O bordão seria repetido por mais quatro ou cinco vezes ao longo de cansativo, desnecessário e, sobretudo, inadequada exposição.

O mediador não identificado era só mais um homem branco, totalmente perdido (para ser gentil) diante do esplendor de uma mulher negra, reverenciada por todos.

A suposta mediação foi assaz deselegante. Uma verborragia de dados e citações estatísticas, provavelmente confrontadas pela primeira vez, na pesquisa que alimentou a tentativa vã de antecipar-se a Ana Maria. Deu com os burros n’água pela segunda vez.

Ana Maria gingou, logo no início. Agradeceu a generosidade de seu interlocutor (fina ironia) e leu um trecho da apresentação de Um defeito de cor, no qual, grosso modo, está dito que um mineiro é aquilo que parece não ser. Ou seja, o rapaz veio com o milho e ela já estava com o fubá pronto. A escritora disse o que quis, o que havia planejado, e não foi nada do que fora discursado pelo mediador, achando que se adiantava à convidada.

E o que me dá certeza de saber o que ia na cabeça dele quando tentou, com aquele amontoado de frases, engambelar o mais ingênuo dos bobos? Letramento racial, baby. Depois de décadas enfrentando as armadilhas do racismo, a gente aprende como ele opera e também a branquitude, que nos dá rasteiras com sorrisos fraternos e gentilezas.

Mas, Ana Maria Gonçalves baixou o Gunga, chamou o moço no pé do berimbau e deu a letra. Ali, mandava ela. Era a estrela da festa e seu ninguém lhe ofuscaria o brilho. É boa angoleira, essa Ana. Sabe entrar saindo e sabe sair entrando.

+ sobre o tema

Por que a empresa em que você trabalha deve investir no empoderamento feminino?

Na última semana aconteceu em São Paulo o lançamento...

Entrevista com a ministra Luiza Bairros Sobre o Brasil que temos e o Brasil que queremos

Por: Ana Flávia Magalhães Pinto   A população branca representa cerca de...

Lá na Laje retorna ao Sesc Pompeia com autoras negras e indígenas

Entre as convidadas confirmadas estão Cidinha da Silva, Eliana...

Joice Berth: ‘Mobilização de comunidades é resultado do abandono político’

Além de expor para todos as desigualdades históricas, a...

para lembrar

Milton Cunha: Eu, lixo moral

Eu e meu companheiro aconselhamos sempre a bondade e...

O que conta o livro infantil censurado na Turquia por ser considerado ‘obsceno’

'Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes' narra trajetória de...

Um ato pra se sentir mulher

Encontro de Mulheres em Defesa da Democracia hoje (7),...

Claudinha, uma empregada doméstica

Era abril de 1992. Eu, um jovem de vinte...
spot_imgspot_img

Salvador elege Eliete Paraguassu, primeira vereadora quilombola da cidade: ‘a gente rompeu a barreira do racismo’

Eliete Paraguassu (Psol) se tornou a primeira vereadora quilombola eleita em Salvador. A vitória foi desenhada neste domingo (6), no primeiro turno das eleições...

Anielle Franco é eleita pela revista Time uma das cem pessoas mais influentes da nova geração

A revista americana Time incluiu a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, em sua lista das cem personalidades da nova geração que têm potencial para transformar o...

Morre cantora Dona Jandira aos 85 anos em Belo Horizonte

A cantora Dona Jandira morreu ontem aos 85 anos em Belo Horizonte. O anúncio foi feito em seu perfil no Instagram. A causa da...
-+=