Meu nome é Ana Paula Oliveira, sou pedagoga e tenho 39 anos. Nascida, criada e moradora da favela de Manguinhos, comunidade da Zona Norte do Rio de Janeiro, sou a mãe do Johnatha. Meu filho tinha 19 anos quando foi morto pela polícia com um tiro nas costas em 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil. Nossa família inteira é de Manguinhos. Minhas duas avós chegaram na favela depois de terem sido removidas de suas casas no Caju e na Praia do Pinto. Com as obras do PAC, a história se repetiu. Em 2012, começaram a remover os moradores da minha rua. Eu e minha família fomos os últimos. Nossa remoção aconteceu em outubro de 2013 e trouxe muito sofrimento. Na época, cheguei a pensar que aquela seria a maior tragédia da minha vida.
Por Ana Paula Oliveira, no #AGORAÉQUESÃOELAS
Estava enganada.
No dia 14 de maio de 2014, um mês antes da Copa, a polícia militar do Estado do Rio de Janeiro matou meu filho Johnatha em Manguinhos com um tiro nas costas. Meu filho estava desarmado pois não era um bandido. Mesmo assim, a polícia alegou legítima defesa. O caso só foi investigado por causa da grande mobilização da minha família e minha comunidade. Ainda estamos aguardando o julgamento.Johnatha era um rapaz carinhoso e muito querido por amigos e familiares. Nunca fui chamada na escola por qualquer tipo de mau comportamento. Ele sonhava ser paraquedista e adorava dançar.O policial que matou o Johnatha já era acusado por três homicídios e outras duas tentativas de homicídio, mas seguia policiando as ruas. Depois de matar o Johnatha, continuou atuando como policial. Eu tive que entrar com um pedido na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do RJ para que, pelo menos, ele fosse transferido.
Eu sei que o problema é muito maior do que o policial que matou meu filho. O Johnatha não foi a primeira nem a última vítima do Estado em Manguinhos desde que a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) foi implantada na comunidade em janeiro de 2013. Foram pelo menos oito mortes, a mais recente registrada nesse mês de junho. Um menino foi morto com taser e outro foi espancado até a morte; o resto foi assassinado por arma de fogo com tiros na cabeça e nas costas. Todos eram jovens negros. Quando morre alguém, eu e outras mães procuramos as famílias para prestar nosso apoio. Porém, o que queremos de verdade é que a polícia pare de matar.
Dois anos se passaram desde a morte do Johnatha. Escrevo esse texto aqui de Genebra, na Suíça. Vim participar de uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU para falar das violações de direitos humanos relacionadas aos megaeventos esportivos no Rio de Janeiro. No evento, do qual participaram outras organizações como a Anistia Internacional e a Terre Des Hommes, a plateia era formada principalmente por representantes de vários países, inclusive da embaixada brasileira. Contei o que aconteceu com o meu filho no contexto da Copa do Mundo e disse que sinto medo com a chegada das Olimpíadas, pois as autoridades já anunciaram que o exército vai ocupar algumas favelas durante os Jogos. Isso significa que mais violações vão acontecer.
Relatei como as autoridades se esforçam para deixar a cidade bonita para quem vem de fora para as Olimpíadas e, para isso, escondem a gente. Questionei o legado dos Jogos. Disse que o Comitê Olímpico não pode permitir que a realização das Olimpíadas signifique a morte dos jovens das favelas do Rio, que precisa garantir que a polícia não vai agir com violência, que não vai matar. Expliquei que não vou ter tempo para torcer pelo Brasil nos Jogos. Estarei atenta e preocupada com a minha família e os moradores de Manguinhos por causa da violência policial. Para os pobres, fica um legado de dor, sangue e lágrimas.
É verdade que estar na Europa já é uma grande vitória, é sair da favela para o mundo com a responsabilidade de representar milhares de mães. Para nós, que vivemos na invisibilidade, poder dar voz aos nossos meninos é muito importante. Tenho a esperança que as pessoas escutem o que eu tenho a dizer e se empenhem em mudar essa realidade.
Minha única certeza é que a Olimpíada vai passar e eu vou continuar lutando para que Estado Brasileiro julgue e responsabilize o policial que matou meu filho. Tenho que encontrar justiça em nome do amor que sinto pelo Johnatha e contribuir para que casos assim nunca mais aconteçam.
Nenhuma mãe merece passar por isso.
*Ana Paula Oliveira, mãe do Johnatha.