‘População foi liberada para ir ao abatedouro’, diz integrante do portal Covid-19 Brasil sobre redução do distanciamento

FONTEPor Ana Lucia Azevedo, do O Globo
UTI exclusiva para pacientes da Covid-19 no Hospital Copa Star, em Copacabana Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Os municípios brasileiros que reduziram o distanciamento social esta semana podem ter em dez dias um aumento de 150% no número de infectados e mortos pelo coronavírus. A projeção é de um grupo de cientistas de universidades de São Paulo, que alerta para o risco da explosão no Brasil.

O especialista em modelagem computacional Domingos Alves, do portal Covid-19 Brasil, que reúne cientistas e estudantes de várias universidades brasileiras, explica que as projeções são baseadas nos números oficiais e nas taxas de crescimento de casos registradas em cidades que afrouxaram o distanciamento, como Blumenau (SC), no Brasil, e Milão, na Itália, em fevereiro, o que levou a Covid-19 a explodir na Itália em março. Em Blumenau, o número de infectados aumentou 160% cinco dias após a reabertura de shoppings e lojas de rua.

Segundo Alves, os municípios do Rio de Janeiro e de Guarulhos têm a situação mais crítica devido à falta de leitos e à tendência de aumento de casos já antes da flexibilização do distanciamento.

Estima-se que, das pessoas infectadas pelo coronavírus, 30% não terão sintomas, 55% apresentarão sintomas de leves a moderados, 10%, sintomas graves, e 5% serão casos críticos – destes, metade morrerá. Como os sintomas costumam surgir de cinco a sete dias após a infecção, os cientistas projetam que 15% dos novos infectados vão precisar ser internados daqui a uma semana.

Os pesquisadores calculam que, no estado de São Paulo, se o percentual atual de distanciamento social, hoje em 50%, cair para 25%, haverá dentro de dez dias mais 11 mil casos novos e 56 mil internações.

– Isso esgotará os leitos disponíveis e levará ao caos. O único distanciamento que vemos neste momento é aquele entre o que falam governadores e prefeitos e o que dizem os comitês científicos que os assessoram. O relaxamento social só tem motivação política. Não existe ciência nisso. Os estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e Amazonas terão um massacre – afirma Alves, integrante portal Covid-19 Brasil e líder do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP).

Análises do grupo integrado por Alves mostram que a curva de crescimento do Brasil é a que mais acelera no mundo e a única que a partir do 50° dia após o surgimento de casos continua a acelerar.

“De fato, a partir do 54º dia, o Brasil é o país com a maior taxa de crescimento de casos confirmados. No Brasil, as curvas da taxa de aceleração dos casos confirmados ainda estão aumentando desde o início da pandemia”, frisa uma Nota Técnica assinada pelos grupos de monitoramento Ação Covid-19, (acaocovid19.org), Covid-19 Brasil (ciis.fmrp.usp.br/covid19/) e Laboratório de Saúde Coletiva (Unifesp), além dos cientistas Gerusa Maria Figueiredo, Ivan França Junior e Ricardo Rodrigues Teixeira, todos da USP.

Em quase todos os estados brasileiros o crescimento da Covid-19 continua a acelerar. A exceção é o Ceará, que nos últimos quatro dias tem mantido uma desaceleração.

– Não estamos falando do que vai ocorrer dentro de um ou dois meses, mas de uma semana a dez dias. Até agora, temos acertado nossas projeções e, por isso, estamos tão preocupados. É nosso dever alertar a população de que ela foi liberada para ir ao abatedouro – destaca Alves.

As medidas de flexibilização adotadas no Brasil não têm relação com o que preconiza a Organização Mundial de Saúde (OMS), salientam os pesquisadores em sua nota técnica. O método de análise do grupo, objeto de um estudo que deve ser publicado em breve pela revista médica internacional Lancet, uma das mais importantes do mundo, projeta um cenário de explosão de casos após a flexibilização do distanciamento social.

Segundo os cientistas, não houve achatamento de curva no Brasil porque não houve desaceleração da pandemia. E, sem desaceleração sustentada, não há base para a flexibilização das regras de distanciamento.

– O chamado relaxamento do distanciamento social adotado no Brasil não tem qualquer base científica e não foi feito por nenhum país do mundo. A exceção é a Itália, que tentou ignorar o coronavirus no início do ano e viu a epidemia sair do controle e matar mais de 30 mil pessoas, mesmo após tendo voltado a se fechar em desespero – afirma o cientista.

Os pesquisadores dizem que cidades como Manaus, Belém, Rio de Janeiro e São Paulo deveriam entrar em lockdown e não em relaxamento. O país continua a testar pouco e de forma incorreta. As prefeituras têm procurado fazer testes rápidos, só que não aplicam corretamente, dizem os cientistas.

Alves afirma que a situação do estado do Rio de Janeiro é particularmente preocupante porque 83% dos leitos do SUS estão ocupados.

– A palavra é dura, mas será um genocídio. Nenhum governo estadual teve coragem de falar em fila única de saúde, e esses pacientes, em sua maioria pobres, não terão assistência. Vão morrer em casa. É fácil botar a culpa na população, mas a responsabilidade de estabelecer regras e de dar segurança é dos governantes – diz.

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