Por que a Covid-19 é tão letal entre os negros?

Raça estrutura condições desiguais de enfrentar pandemia

Por Thiago Amparo, da Folha de São Paulo

Thiago Amparo (Arquivo Pessoal)

 

“Como nas pragas anteriores, todos que podiam se dar ao luxo de fugir de Londres o fizeram, mas as classes mais pobres nos subúrbios populosos de ambos os lados do rio Tâmisa foram deixadas para trás e foram elas que mais sofreram.”

Não se trata de uma descrição da atual pandemia, mas, sim, do impacto das pestes europeias em Londres no século 17 por Scott e Duncan no livro “Biology of Plagues” (Biologia das pragas), de 2001.

Seja a Inglaterra setecentista ou o Brasil de hoje, pandemias agravam desigualdades preexistentes.

Fatores de risco, como diabetes e doenças cardíacas, atingem em maior intensidade os mais pobres, demonstram Luiza Pires, Laura Carvalho e Laura Xavier no relatório “Covid-19 e desigualdade”.

Ali elas apontam que acesso aos sistemas de saúde são desiguais e o impacto econômico da pandemia cairá mais fortemente sobre os mais pobres.

Pesquisadores da FGV e da Fiocruz trazem, no artigo “Assessing the potential impact of Covid-19 in Brazil” (avaliando o potencial impacto da Covid-19 no Brasil), os mapas da vulnerabilidade à pandemia no país: condições precárias sociais e parco número de leitos hospitalares se sobrepõem.

Quando chegam, pandemias nos encontram como somos. No nosso caso, racialmente desiguais. “Raça estrutura classe no Brasil”, nos ensinou Sueli Carneiro, embora ela afirme que, à direita, democracia racial e, à esquerda, luta de classes procurem mitigá-la.

A Covid-19 requer análises que levem a sério classe, raça e gênero, afirmam Pires, Xavier, Masterson e outros em artigo no Levy Economics Institute.

Pensar como a pandemia agrava a desigualdade sem levar em conta raça é um privilégio que para nós, negros, não existe.

Raça estrutura resiliência ou a falta dela diante da pandemia. Covid-19 é mais letal entre negros do que brancos, revelam dados do Ministério da Saúde da última sexta (10). Preocupa, ainda mais, o alto índice de pessoas cuja raça não é classificada, o que pode mascarar uma realidade pior ainda.

Precisamos de mais dados desagregados por raça, gênero e localidade, pede com razão a Coalizão Negra por Direitos. Conforme a pandemia sai do centro para a periferia —fenômeno mapeado pelo Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo—, a disparidade racial tende a aumentar.

Isso já se evidencia em outras partes do mundo onde a transmissão do vírus está algumas semanas à frente. A Covid-19 é duas vezes mais letal a negros e latinos em Nova York. No estado da Louisiana, no sul dos Estados Unidos, negros correspondem a 70% das mortes por Covid-19, embora sejam apenas 33% da população.

São condições estruturais que explicam essa disparidade. Pesquisador do Brookings Institute, Rashawn Ray mostra que negros tendem a viver em áreas densamente povoadas e precarizadas. No Brasil, são a maioria dos trabalhadores informais (47,3%), entre quem depende do SUS (67%) e entre os trabalhadores essenciais como os do transporte público.

Nos ombros de mulheres negras recai desproporcionalmente os cuidados de sua família e serviços precarizados. Doenças respiratórias são agravadas por condições socioeconômicas afetando desproporcionalmente negros. Isso sem citar a extensa literatura que mostra como médicos gastam menos tempo e recursos com pacientes negros do que brancos.

Mede-se racismo por quão descartável é o corpo negro. Se a Covid-19 desnuda as feridas do racismo que estrutura nossa desigualdade, curar esta pandemia pressupõe, antes de tudo, expô-las.

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