Por que algumas domésticas estão recusando patrões brasileiros nos EUA

Domésticas brasileiras que moram nos Estados Unidos têm evitado trabalhar em casas de brasileiros, queixando-se de posturas autoritárias dos patrões e de problemas para calcular seus pagamentos.

Por João Fellet, do BBC

Os casos – mais comuns em áreas que concentram tanto famílias ricas quanto trabalhadores braçais brasileiros, como a Flórida, a cidade de Boston e a capital Washington – expõem diferenças na forma como o trabalho doméstico é encarado no Brasil e nos EUA.

Uma doméstica brasileira que trabalha em Washington há quase 20 anos diz à BBC Brasil que algumas colegas chegam a se recusar a fazer faxina em casas de brasileiros.

“Elas (patroas) pegam no pé, acham que a gente tem que trabalhar como as empregadas delas no Brasil”, afirma a diarista, que não quis ser identificada por atender alguns brasileiros.

Sede de importantes universidades e organismos internacionais, a capital americana e seus arredores abrigam muitos técnicos brasileiros com alto padrão de vida, bem como milhares de imigrantes que trabalham com serviços domésticos ou na construção civil.

A doméstica diz que se desentendeu com chefes brasileiros quando eles lhe pediram que lavasse parte do telhado da casa. Ela argumentou que, na vizinhança, o trabalho era realizado por empresas de limpeza, pois exigia equipamentos especiais e mão de obra treinada.

“Não era serviço para uma mulher só fazer”, conta.

Fuga

Ela diz ter sabido de dois casos em que empregadas brasileiras que serviam patrões brasileiros fugiram das casas em que trabalhavam. Um dos casos teria envolvido uma mulher que, após dizer aos chefes que não queria mais servi-los, foi levada até o aeroporto para embarcar de volta ao Brasil.

Pouco antes do do embarque, ela diz que a empregada se escondeu no banheiro para despistar os patrões. Horas depois, saiu do aeroporto e buscou a ajuda de colegas para permanecer nos Estados Unidos.

Uma das principais diferenças entre o trabalho doméstico no Brasil e nos Estados Unidos é a forma de calcular o pagamento. Nos Estados Unidos, o valor costuma se basear no total de horas trabalhadas, modelo que tende a encurtar as jornadas, enquanto no Brasil patrões e empregados geralmente combinam uma quantia por dia ou por mês.

São raros nos Estados Unidos os trabalhadores domésticos fixos, que atuam em uma só casa. Muitas domésticas no país se referem a seus empregadores como clientes, e não patrões.

Domésticas dizem que alguns empregadores brasileiros nos Estados Unidos pensam que, por serem brasileiras, estariam dispostas a cumprir o mesmo esquema de trabalho do país natal e tentam pechinchar o preço dos serviços, em geral bem mais caros que no Brasil.

Entre as brasileiras que atuam como domésticas nos Estados Unidos há tanto mulheres que chegaram ao país para servir patrões brasileiros – e depois se desligaram deles, tornando-se diaristas – quanto profissionais que trabalhavam em outras áreas no Brasil.

Conflitos

Dois conflitos envolvendo domésticas e patrões brasileiros ganharam as páginas do jornal The Boston Globe em setembro.

Convidada pela patroa a trabalhar nos Estados Unidos em 2009, Edilene Moraes Almeida diz ter sido incumbida de todas as tarefas da casa – segundo ela, uma “mansão” nos arredores de Boston.

“Dava faxina, fazia almoço, janta e café da manhã; passava roupa, lavava, colocava na ‘dish’ (máquina de lavar louça)”, ela contou à BBC Brasil no início do mês no apartamento que divide com outros imigrantes brasileiros em Everett, cidade vizinha a Boston.

Almeida diz que iniciava o expediente às seis da manhã e só o encerrava à noite, após servir o jantar. Ela afirma que, durante a jornada, mal conseguia deixar a casa, pois tinha de ficar atenta a recados e à correspondência dos patrões. Adventista, conta que seu único dia de descanso era o sábado.

Quando os patrões deixaram o país, Almeida resolveu ficar e diz ter lhes pedido dinheiro para comprar a passagem quando decidisse regressar. “Eles falaram que não, que não iam dar dinheiro, que podiam pagar a passagem só se eu voltasse naquele dia”, afirma. “Eles saíram e não me deixaram condição de nada.”

A doméstica hoje se dedica principalmente aos estudos de inglês e a atividades missionárias, distribuindo DVDs e livros de sua igreja.

Outro caso envolveu a doméstica Noíva Ferreira de Resende, que chegou aos Estados Unidos em 2012 para servir a família de um executivo. Segundo seus advogados, ela recebia US$ 300 semanais por uma jornada de 14 horas diárias, cinco dias por semana, pagamento que seria inferior ao definido em seu contrato.

O caso foi encerrado com um acordo que envolveu o pagamento de US$ 17 mil à ex-funcionária e uma multa de US$ 5.100.

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