Atraídas por bons pagamentos, jornadas flexíveis e a possibilidade de progredir na carreira, imigrantes brasileiras nos Estados Unidos vêm dedicando décadas de suas vidas a um dos serviços menos valorizados no Brasil: o trabalho doméstico.
Em partes do Estado de Massachusetts, onde se estima que a comunidade brasileira some 300 mil pessoas, o setor é hoje dominado por brasileiras, que contam com um batalhão de trabalhadoras e fundaram empresas especializadas em limpeza.
Vinda na década de 1980 nas primeiras levas de imigrantes, a mineira Célia Fernandes, 56, trabalha como diarista na região de Boston há mais de 20 anos.
Limpando em média cinco casas por dia, ela recebe mensalmente cerca de US$ 5.600 (R$ 22.400). Com o dinheiro, comprou o carro que dirige até a casa dos clientes, paga as prestações de uma casa de três andares – dois deles alugados para outras famílias – e ainda cobre os gastos da filha, que cursa farmácia numa universidade local.
Limpando em média 5 casas por dia, Célia comprou um carro, uma casa e paga a universidade da filha
Costureira em Guanhães, sua cidade natal, Fernandes se uniu a outros imigrantes para entrar nos Estados Unidos pela fronteira com o México, a pé. Ela diz que o grupo esperou 28 dias pelo momento certo de atravessar a fronteira. “A gente usava roupas rajadas para se misturar com o deserto.”
Ao entrar nos Estados Unidos, logo se instalou em Massachusetts e começou a trabalhar como doméstica. Hoje Fernandes é cidadã americana, condição de uma minoria dos imigrantes brasileiros no país, e alcançou o topo da hierarquia no ramo. Ela se tornou “dona de schedule”, diarista que negocia diretamente com os empregadores e costuma contratar ajudantes para auxiliá-las na limpeza.
Muitas imigrantes que começam como ajudantes ambicionam chegar a “donas de schedule”, posição associada a maior estabilidade e independência.
“Eu faço meu horário, o dia que eu quero. Elas (as clientes) já sabem: se nevar, eu não vou”, diz Fernandes, que hoje limpa 45 casas, algumas há mais de 20 anos.
Ela conta que uma das principais diferenças entre o trabalho doméstico no Brasil e nos Estados Unidos é a forma de calcular o pagamento. Nos Estados Unidos, o valor costuma se basear no total de horas trabalhadas, modelo que tende a encurtar as jornadas, enquanto no Brasil patrões e empregados geralmente combinam uma quantia para um determinado número de tarefas.
São raros nos Estados Unidos os trabalhadores domésticos fixos, que atuam em uma só casa. Muitas domésticas se referem a seus empregadores como clientes, e não patrões.
Como geralmente não há vínculos formais entre trabalhadores e empregadores, imigrantes sem documentos conseguem desempenhar as funções com mais facilidade. Por outro lado, podem ficar mais vulneráveis a abusos que trabalhadores americanos e não usufruem das redes de proteção social.
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Vantagens de ser brasileiro
Algumas imigrantes brasileiras foram além e abriram empresas de limpeza pra atender a clientela.
A paulista Lilian Radke chegou aos Estados Unidos aos 18 anos com uma bolsa para jogar vôlei – modalidade em que era profissional – e cursar administração de empresas na Universidade de Arkansas.
Hoje Radke preside a Unic Pro, companhia com 65 funcionários e responsável pela limpeza de 72 prédios em Massachusetts.
Lilian preside empresa com 65 funcionários e diz que ser brasileira é uma vantagem no ramo
Para ela, ser brasileira conta pontos no ramo. “Às vezes um americano não consegue ter uma empresa de limpeza porque teria de falar português ou espanhol com os funcionários”, diz, referindo-se à mão de obra majoritariamente latino-americana na região.
Radke afirma que o setor atrai imigrantes por não exigir o domínio do inglês e pagar mais que muitas ocupações de escritório.
As vantagens, diz ela, fazem com que muitos imigrantes brasileiros – inclusive vários com diplomas universitários – optem por permanecer no ramo indefinidamente.
‘Herança da escravidão’
A professora universitária e diretora executiva do Centro do Trabalhador Brasileiro em Boston, Natalícia Tracy, diz que o trabalho doméstico tem feições distintas no Brasil e nos Estados Unidos.
“Quando você trabalha como trabalhador doméstico aqui, eles (patrões) não mandam em você: eles pedem e agradecem”, diz Tracy.
Já no Brasil, segundo ela, a profissão é “muito desvalorizada”. “Acho um absurdo que (no Brasil) você tenha de usar uniforme para mostrar ao mundo que você é menos”, afirma.
Tracy também critica o fato de muitos trabalhadores domésticos no Brasil acessarem as casas de patrões por entradas e elevadores separados. “Vejo isso como o que restou da escravidão, (como práticas) de desvalorizar as pessoas”, diz.
Tracy conta, porém, que nem todas as imigrantes brasileiras têm boas experiências como trabalhadoras domésticas nos Estados Unidos.
Ela mesma diz ter sido submetida a condições análogas à escravidão ao trabalhar como babá para a família brasileira que a levou ao país, nos anos 1990.
Tracy diz que, além de cuidar de um bebê de dois anos, executava todas as tarefas da casa e dormia numa varanda com “cimento grosso no chão”.
Longas jornadas
Pode haver problemas quando patrões brasileiros viajam aos Estados Unidos com suas domésticas e mantêm o esquema de trabalho vigente no Brasil.
A brasiliense Edilene Almeida, que se mudou para Boston para servir uma família brasileira em 2009, afirma que sua jornada às vezes se estendia das 6h às 21h.
“Eu ficava esperando um tempão, sentada, até ele (patrão) pedir comida. Se pedisse às nove horas, eu dava comida; se pedisse às 8, eu achava bom, que terminava mais cedo. ”
Quando os patrões deixaram o país, ela não quis continuar a servi-los e ficou para tratar um tumor benigno na cabeça. Hoje Almeida estuda inglês e trabalha como babá enquanto aguarda pela regularização de seu status migratório.
Embora seus sete filhos estejam no Brasil e ela tenha netos que jamais conheceu, diz que pretende voltar ao país “só para passear”.