Por que amontoar pessoas como animais não é crime?

Investimento mais visível parece ser a ambulancioterapia

Por Fátima Oliveira

 

As soleiras de 2010 se avizinham e abrigarão mazelas com ares de eternidade. Algumas, com roupagem tolerável, outras se miserabilizaram tanto que tornam real o que diziam os pessimistas: “qualquer coisa sempre pode piorar”, superando o pensamento filosófico de que a crise se instala plenamente quando chegamos ao fundo do poço, mas, contraditoriamente, anuncia melhores tempos. Não penso mais assim e nem caio mais em conversas de quem tem o dom de iludir.

Três décadas na saúde acompanhando o avanço exponencial da medicina e a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e convicta de que, comparativamente a qualquer época anterior, vivemos dias melhores, adensei a minha angústia ao ler o corajoso artigo “A ‘Belíndia’ na Saúde do Norte de Minas”, da lavra do presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, do qual compartilho um trecho:

“Na prática, o que se viu em Montes Claros, no pronto-socorro da Santa Casa (cai como uma luva em todos de Belo Horizonte, o doutor bem sabe – grifo meu), foram cenas lamentáveis, mais próximas de uma catástrofe ou até mesmo de uma insurgência, para não dizer uma guerra. Doentes amontoados, e não se trata de força de expressão, nos corredores, nas salas de observação e até mesmo internados em consultórios, impedindo o atendimento nesses locais. Pacientes e familiares se acotovelavam na grade de entrada para o local de atendimento.

Havia oito pacientes entubados, alguns há mais de cinco dias, trajando ainda as suas vestes, idosos na maca no chão, um deles de 76 anos com pneumonia, ali estando por longos quatro dias. Para contrastar a situação, um paciente jovem, perambulando nos corredores, com ótimo aspecto geral, com luxação de coluna cervical e portando colar cervical, com grave risco de desenvolver traumatismo raquimedular, impossibilitado de ser liberado para residência. O que faziam esses cidadãos naquele local? Aguardavam vagas em enfermarias, nas salas de cirurgia, nas UTIs. Mas lá estavam os médicos e toda a equipe de saúde prestando assistência nas piores condições de trabalho que se pode imaginar, estressados, cansados, ameaçados algumas vezes”.

Ao ver gente amontoada e acompanhantes disputando uma maca, indago se não é hora de eu “ir catar coquinhos”; e bate a pergunta que não quer calar: por que tem de ser assim e silenciamos? Por que onde só cabem, de modo decente e seguro, 45 a 50 pessoas, com funcionários para atender adequadamente no máximo a 50, vira regra contar até 80, quase todo santo dia?

A resposta é elementar e degradante. Amontoamos pessoas, como animais num curral, porque elas não têm para onde ir! Em Belo Horizonte e em outros rincões mineiros faltam leitos para desafogar as urgências! As autoridades sanitárias, municipais e estadual, lançam mão de coação para forçar a entrada de mais gente, como se a responsabilidade do caos fosse do serviço em si e não delas! O outro lado da moeda é que, extrapoladas as normas de segurança, quem não consegue entrar usa desde registro de BO a tentativa de tráfico de influência! Por conta da falta de senso humanitário dos governos locais, a esperança de melhoras “para o ano” fica cada vez mais no mundo das ideias, dos sonhos e da incerteza. Em Belo Horizonte e na maioria dos rincões mineiros. E pensar que Minas é um Estado rico! Porém, o investimento sanitário mais visível parece ser a ambulancioterapia singrando estradas para a capital. Apelar para quem?

Fonte: O Tempo

 

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