Por que é tão difícil investigar abusos de policiais?

Entre as maiores dificuldades envolvidas no processo estão corporativismo das polícias e o medo das testemunhas

Investigar e punir policiais que cometem crimes é um dos maiores desafios dos órgãos de segurança pública brasileiros, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil. Entre as maiores dificuldades envolvidas no processo estão enfrentar o corporativismo das polícias e convencer testemunhas a vencer o medo e prestar depoimentos contra agentes da lei responsáveis por crimes.

“Investigar abusos e crimes cometidos por policiais é difícil porque predomina a cultura de autoproteção e imunidade quanto a esses crimes”, diz Átila Roque diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil.

Por todo o país, são relativamente comuns os casos em que policiais são flagrados recebendo propina, envolvidos em roubos e até atuando como “seguranças” de criminosos. Porém, o crime que mais preocupa organizações de defesa de direitos humanos e os policiais encarregados de investigar os próprios colegas são os assassinatos cometidos por policiais.

Segundo Roque, embora haja alguns casos de órgãos corregedores competentes e atuantes, o controle da violência policial ainda é uma realidade distante no Brasil. “Como fazer isso em um país onde não se sabe nem ao certo quantas pessoas são mortas por policiais por ano?”.

A BBC Brasil conversou com policiais envolvidos na investigação de crimes cometidos por policiais. Sem se identificar (para não sofrer represálias de seus superiores) eles apontaram cinco fatores que tornam mais difícil a obtenção de provas e o esclarecimento de crimes cometidos por agentes da lei.

Medo das testemunhas

Uma das tarefas mais difíceis na investigação de homicídios cometidos por policiais é encontrar testemunhas dispostas a se apresentar às autoridades.

Especialmente em regiões mais periféricas, pessoas que testemunharam abusos de policiais temem ser assassinadas caso denunciem esses crimes a órgãos corregedores ou à Justiça.

Os programas de proteção à testemunha existem, mas muitas preferem o silêncio a aderir a eles. Isso porque os programas implicam que a pessoa mude de casa, de nome, de emprego e corte totalmente os laços com familiares e amigos por longos períodos de tempo.

Dessa forma, mesmo que identificada pelos órgãos de investigação, as testemunhas em geral preferem não se envolver, mesmo depois de receberem todas as garantias de proteção e anonimato.

Cena do crime

A análise correta da cena de um crime por peritos pode fornecer as provas necessárias para processar um policial que tenha cometido irregularidades, mesmo que não haja nenhuma testemunha.

Exames de balística podem, por exemplo, determinar que um tiro partiu da arma de determinado policial e não de um criminoso. Os peritos conseguem dizer também se a vítima foi baleada quando trocava tiros com a polícia, se foi executada sem chance de defesa, quando o crime aconteceu, entre outas informações.

A análise do local do crime serve, portanto, para reforçar a versão de um policial envolvido em uma ação suspeita ou desmascarar uma fraude criada por ele para encobrir um assassinato.

Porém, por vezes, policiais que cometem delitos tentam alterar a cena do crime com o objetivo de reforçar sua versão dos fatos.

Algumas das práticas já identificadas são a introdução de elementos na cena do crime (armas, drogas, entre outros) ou a remoção de cadáveres do local. Ou seja, os maus policiais matam um suspeito e, em vez de preservar a cena do crime para os peritos, levam o cadáver a um hospital – alegando posteriormente que a pessoa morreu no caminho.

Policiais de São Paulo disseram à reportagem que estimam que cerca de 80% dos locais onde houve supostos confrontos entre policiais e suspeitos sejam corrompidos de alguma forma antes da chegada dos peritos.

Uso de armas “frias”

Alguns Estados brasileiros controlam a quantidade de munições usadas por policiais e adotam um calibre específico a ser usado pelas forças de segurança cujo uso é proibido a civis.

Medidas como essas ajudam as equipes de investigação a obter indícios da participação de policiais em crimes de assassinato.

Mas para dificultar essa identificação, foi constatado por autoridades que alguns policiais usam armas apreendidas ilegalmente de suspeitos para cometer crimes. Essas armas são então descartadas para que não sejam analisadas por peritos criminais.

Corporativismo

O corporativismo é um dos fatores que enfraquecem a atuação de órgãos corregedores e dificultam que policiais denunciem colegas de trabalho que cometam atos ilegais.

Mas o silêncio dos companheiros e a falta de ação não são os únicos problemas de quem investiga a própria polícia. Segundo policiais ouvidos pela reportagem o próprio cenário político em um Estado em determinadas ocasiões pode influir na disposição de superiores hierárquicos para incentivar ou não a investigação e a punição de policiais que tenham cometido algum crime.

Represálias

Em alguns casos mais graves, as ameaças feitas por policiais suspeitos não se restringem às testemunhas de seus crimes. Policiais encarregados de investigar colegas disseram à reportagem que já sofreram ameaças ou têm amigos que já foram vítima desse tipo de ação.

Segundo eles, policiais que cometeram crimes chegam a fazer ameaças por telefone e até mesmo a passar em veículos fazendo disparos próximo das casas dos investigadores.

As ações de intimidação não chegam a impedir os investigadores de continuar com o trabalho, mas os desestimulam e tornam suas atividades mais difíceis.

 

Fonte: iG

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