Posso viver sem carimbos

Em artigo de Marcos Grinspum Ferraz sobre a arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992), o também arquiteto André Vainer diz o seguinte: A Lina constrói com tijolo, concreto, ferro, pedra, barro, palha, com qualquer tipo de coisa”. Verdade. Basta olhar para o Masp na avenida Paulista e para o Solar do Unhão em Salvador. No primeiro, Lina projetou uma ousadia de concreto e vidro. No segundo, restaurou respeitando materiais da cultura e tradição. É dela também o Sesc-Pompeia – uma experiência de convívio e conexão pessoa-espaço.

Por  Fernanda Pompeu, do Yahoo 

Parece evidente que a liberdade de Lina foi consequência de não fechar fileiras. Não flertar com certezas que excluem. Ela não era da turma do só concreto armado, nem da turma do só pedra e barro. Concordo com a postura. Toda vez que entramos num grupo de pensamento fechado, qualquer ismo, ficamos presos e rivalizamos com outras propostas.

Tiro o exemplo por mim. No final dos anos 1970, fiz parte do grupo estudantil Liberdade & Luta de inspiração trotskista. Na USP havia outros: Refazendo, Caminhando, Travessia. Todos batalhavam pela queda da ditadura militar e pela volta da democracia. Mas as relações pessoais entre os integrantes de um grupo com o outro eram penosas.

Antes de saber quem você era, se perguntava a que tendência você pertencia. Assim quem discordava da Liberdade & Luta acabava desmerecendo seus militantes. Demorei um bocado de tempo para perceber que pertencer a um grupo – com regras, dogmas, hierarquias – era aceitar um carimbo no meio da testa. Algo exterior a você, mas que virava sua tradução.

A liberdade é o contrário de tudo isso. Ela tem mais a ver com o concreto e o barro da Lina Bo Bardi. Se eu posso pular de uma caixinha para outra, por que me contentar com apenas uma? Isso não tem nada a ver com ter ideias fracas ou ser uma Maria ou José vai com as outras. Tem a ver com a constatação: quanto mais alternativas, melhores as escolhas.

Vivemos época com tecnologia maravilhosa quanto à expressão de muitos. Muitos contraditórios. Mas se experimentamos a abundância do falar e do opinar, todavia estamos muito longe de exercitar o diálogo. Falar para quem já está convencido não tem graça. Legal mesmo é influenciar quem não pensa como a gente e se deixar sensibilizar pelos pensamentos diferentes dos nossos.

imagem: Régine Ferrandis

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