Sobre impeachment, Jesus e Barrabás

nunca se vendeu tanto antidepressivo, nunca se fez tanta terapia, nunca se publicou tanto livro de autoajuda como nestes últimos anos.

Por Lelê Teles, do FALA QUE EU DISCUTO

Reprodução/ Twitter

de cada dez cédulas de dinheiro, nove contém vestígios de cocaína.

fuma-se mais maconha que cigarro, jamais houve tanta movimentação pela legalização das drogas, os bares nunca estiveram tão cheios.

nas prateleiras, apinham-se livros de autoajuda, feiticeiros eletrônicos ocupam cadeias de rádio e TV , as igrejas se entopem de gente como nunca.

o povo busca anestesia.

e você sabe, é na hora da dor e do sofrimento que surgem os canalhas para se aproveitar da fragilidade dos infelizes.

foi pensando em um lenitivo barato, justo e “orgânico” que fundei a ABC – Associação Brasileira de Cafunagem.

e abri minha tenda ambulante.

nesse final de semana levei a Tenda da Cafunagem para um deck, no Dique do Tororó, em Salvador.

aos que não leram as crônicas em que falo sobre esse meu novo negócio eu vos apresento:

na tenda, eu como o Grão-Mestre Cafuna, faço cafunés na cabeça dos clientes – um relaxante muito mais eficaz que a massagem e a acupuntura – e, uma vez relaxados, presto-lhes uma assistência “espiritual”, livrando-os do terrível mal da midiotia.

o mal do século.

e como ocorre com toda epidemia, não faltam midiotas em busca de cura.

meu negócio prospera.

pois bem, tô no dique, barraca armada, com um belo turbante africano a segurar-me os cachos.

a tenda é feita com brancos tecidos de finos fios de algodão peruano, de forma que fica diáfana e esvoaçante.

dentro, há a caixa para guardar as espórtulas, uma mesinha com uma bandeja com chás e xícaras, um belo tapete persa e uma cama de pregos onde iogo à espera de clientes.

magro, nu da cintura para cima, descalço e  leve levitante.

como um faquir.

volteando o dique, a baianidade desfila. curiosos passam e repassam, muita gente negra com belos cachos nos cabelos.

e lindos, coloridos e variados penteados, sobretudo adolescentes.

até que adentra o pálio translúcido a primeira cliente.

em silêncio reverente, ela fica descalça, deita-se no tapete e começo a lhe cafunar, ronronando uma canção mântrica; qual um gato egípcio.

meia hora depois, já aliviada das dores do mundo, ela se senta, dou-lhe uma chávena de chá de ervas e flores e sento-me em lótus à sua frente, à espera da indagação.

ela fala:

Mestre Cafuna, homem de eólica energia e espirituosa luz, grande honra minha beijar-lhe as mãos macias e beber da fonte de sua sapiência.

subi e desci ladeiras, orei em templos e terreiros, lambi os seis sovacos de Shiva e finalmente aqui cheguei.

vim em busca de cafunés e de uma palavra da salvação.

como estou intoxicada pelo que dizem os ventríloquos da grande mídia queria ouvi-lo, humildemente.

por isso pergunto: Mestre Cafuna, haverá impeachment?

respirei profundamente, mirei os orixás que balouçam no dique e toquei um shofar de chifre de carneiro, como quem sopra um aborígeno didgeridoo.

só aí comecei a respondê-la, com voz pausada e suave, como convém a uma mestre místico:

Pequena Gafanhota, em verdade lhe digo, é mais fácil um vampiro doar sangue e um saci dançar xaxado que Dilma ser impichada.

entendo sua preocupação, Pequena Gafanhota, são negros os que mais tiveram conquistas nos últimos 13 anos.

hoje negros enegrecem universidades, shoppings, aeroportos… narram até as condições do tempo na TV mais racista do país.

você sabe quando começou esse empoderamento.

foi durante os governos trabalhistas que os negros saíram da condição de deficientes cívicos e conquistaram o status de cidadãos.

criou-se uma secretaria nacional, com status de ministério, e uma fundação, só para pensar a negritude e o negritismo.

mas entendo que sua preocupação também reside no fato de você ser mulher.

a direita – as mulheres já sabem – é misógina: antipílula, antiaborto, insensível aos estupros reais e virtuais, avessa ao feminismo, carola de igrejas, repleta de espancadores de mulheres e de homofóbicos.

por outro lado, minha flor da savana, a esquerda não nos deu apenas uma presidenta, há mulheres em todas as esferas públicas, protagonizando esses tempos de conquistas para o povo pobre.

até pouco tempo havia uma secretaria nacional, também com status de ministério, só pra elas.

entendo que por ser nordestina você também se preocupa com o destino de Dilma, que ademais é também o seu destino.

ainda ontem, minha pérola negra, o nordeste era curral eleitoral de coronéis insensíveis, foi um ex-retirante nordestino que mudou os rumos dessa região, região que cresceu como nunca economicamente.

sei que o programa Mais Médicos cuida de gente da sua família nos rincões mais distantes do seu estado, que tem gente da sua família habitando uma casa própria por conta do Minha Casa Minha Vida.

posso até imaginar que você está cursando uma universidade pública federal graças ao sistema de cotas para negros ou egressos da escola pública, ou graças ao ENEM, esse revolucionário sistema de ingresso acadêmico.

se cursa uma faculdade particular, deve estar preocupada porque sabe que foi o governo trabalhista quem criou fontes de financiamento estudantil, que não são nada parecidas com essas extorsões feitas por agiotas parasitas do sistema financeiro.

eu sei que você sabe o que significa ter a primeira geladeira em casa, a primeira TV de alta definição, o primeiro computador, a primeira máquina de lavar, o primeiro automóvel.

disso a gente nunca esquece.

consumo, conforto, emprego, acesso, inclusão.

sei que você sabe que 14 anos atrás tudo isso era negado aos pretos e aos pobres, como sempre foi por mais de 500 anos.

eu sei, Pequena Gafanhota, o que te aflige.

sei como se sente intoxicada quando os ventríloquos da plutocracia lhe persuadem a odiar aqueles que você deveria amar e amar os que lhe desprezam.

sei que você se sente uma marionete.

mas acalme-se, tranquilize sua mente e refrigere a sua alma. mantenha a espinha ereta e o coração tranquilo.

não haverá impeachment.

mesmo porque, se impeachment houvesse seria golpe.

a mulher que querem apear do poder não tem contas na Suíça, nunca a flagraram pondo dinheiro no próprio bolso ou na algibeira de outrem, nunca a acusaram de enriquecimento ilícito, sua assinatura não consta em nenhuma maracutaia.

não há uma única acusação consistente de crime de responsabilidade contra ela.

até os que a querem derrubar são unânimes em dizer que ela é honesta.

no entanto, o cabra que acolheu o seu pedido de impeachment é réu por falcatruas, sobre ele pesam acusações fortíssimas e documentadas de sonegação fiscal, evasão de divisas, formação de quadrilha e outros quetais.

o outro taradinho do impeachemnt, o mau perdedor aécio – grafemos em minúsculas – é o cabra que usou verbas públicas para construir aeroportos em terras de familiares e pegou a grana do povo mineiro e alimentou o sistema de comunicação da sua família.

é um filhinho do vovô, birrento, preguiçoso e arrogante.

entre os poucos governadores entusiastas do golpe, estão os bicudos que mandaram espancar professores e estudantes, os mesmos que querem fechar escolas e abrir presídios.

os mesmos demofóbicos de 500 anos atrás.

o juiz que apoia abertamente o golpe, Pequena e amável Gafanhota,  é aquele mesmo que mandou soltar o taradão de bigode, o médico estuprador Abdelmassih.

permitindo-lhe a fuga do país, livre para assediar e estuprar mais mulheres mundo afora.

esse é o mesmo juiz que concedeu dois Habeas Corpus a um banqueiro escroque, em incríveis 48 horas.

e tem mais, aurora boreal africana, a grande maioria dos cabras que votam a favor do impeachment está envolvida até a medula em falcatruas, sobre eles pesam a dúvida de que foram comprados pelos sistema de terceirização de mandatos que teria Cunha como artífice da cooptação.

a emissora de TV que prega o golpe é acusada de sonegação fiscal, deve quase um bilhão ao governo, ao povo.

como esses imorais serão os guardiães da moral?

conduzido por essa gente, o impeachment seria o que Carmem Lúcia definiu como cinismo e escárnio.

por isso entendo a sua aflição, jovem.

mas em verdade lhe digo, já aconteceu de um inocente ser trocado por um ladrão. isso foi há mais de dois mil anos.

envenenados pela propaganda sionista, o povo hebreu pediu para que prendessem o revolucionário jovem esquerdista e libertassem um bandido.

mas com essa injustiça, ao invés de fabricarem uma vítima, produziram um mártir.

com o tempo, o povo chorou por ter feito jorrar sangue inocente.

arrancaram Jesus da cruz e o alçaram aos céus.

por outro lado, livre, liberto de forma injusta e artificial, Barrabás se tornou um ilustre desconhecido.

o cara que matou Cecil, o leão símbolo do Zimbábue, hoje não pode sequer ir a uma padaria.

se derrubarem Dilma, não ficará pedra sobre pedra. o povo lhe dará a redenção.

após dizer tudo isso, beijei a jovem na testa, indiquei com a cabeça o local para depositar a oferta e voltei a deitar na minha cama de pregos, olhos fechados, à espera do próximo cliente.

palavra da salvação.

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