Pra 2018 começar

Milhares de pessoas se dirigem às águas, evocando paz e proteção para a Orixá Africana, e portanto negra, Yemanjá. Inclusive aqueles que passam o ano todo, há anos, rejeitando tudo e todos os focos de negritude e africanidade presentes na nossa história, no nosso dia-a-dia.

Por Joice Berth, no Medium

É lindo o mar de gente de todas as cores, comemorando e exaltando a chegada da esperança de um novo tempo, de uma nova possibilidade que possa esgotar em si, nossos sofrimentos pessoais.
Todos vestidos de branco, que dizem simbolizar a pureza e a paz. Ninguém se dá conta de que o branco é de Oxalá e significa a neutralidade que devemos desenvolver para limar a repulsa e o uso hierarquizante das diferenças humanas.

O ano será regido pela deidade africana Xangô, juntamente com mais duas forças ancestrais africanas: Yansã, a deusa dos raios e Exu, o dono de todos os caminhos.

Todos falam a respeito, independente das religiões a qual cultuam.

Mas não sabem quantos terreiros que cultuam esses Orixá, foram atacados, perseguidos, eliminados, pelo racismo e intolerância histórica direcionada a essas manifestações da espiritualidade.

E as pessoas celebram, pedem a justiça que julgam faltar no mundo.

Nada falam sobre o real significado dessa palavra que, para a cultura Yorubá expressa outros sentidos e está mais atrelada a busca pelo equilíbrio de si mesmo.

Um registro fotográfico feito em meio às frenéticas celebrações de reveillon, incita diversos sentimentos a quem aprecia a beleza dolorida da imagem. Todos difíceis de entender. Emoção, culpa, raiva, amor, revolta, são os mais citados.

Lucas Landau captou a síntese da hipocrisia de nós todos em uma imagem.

Se todos anseiam por justiça no mundo, porque não entendemos que não é justo manter as ideologias opressoras de subjugo e privilégios de uns em detrimento de outros.

Essas mesmas pessoas, assistem pacificamente, todos os anos, os números de homicídios que consolidam a crença de um plano de extermínio da juventude negra e pobre desse país. Aquele menino corre riscos diários de ser mais um a experimentar a injusta justiça do mundo que clama pela “justiça” da divindade AFRICANA.

Ele, o menino, tem a cor da divindade. E é alvo do racismo diário que mata e limita milhares de outros que se assemelham fisicamente a ele. Pelos que pedem a justiça da divindade AFRICANA.

Não há o que comemorar, ainda.

E almejar o novo sem antes romper com o velho é um equivoco quase burro, não fosse premeditado.

Quando iremos nos melhorar para melhorar o mundo para o qual pedimos ao Orixá Africano a Justiça?

Pedir justiça sem entendê-la é acima de tudo arriscado, se não nos comprometemos de verdade com as correções interiores que, somadas, irão de fato abrir os caminhos para que a ideologia do Orixá esteja atuante.

Quem fez justiça pelo assassinato dos 5 meninos de Costa Barros?

E estamos mesmo na era da falácia descomprometida; pedimos mais amor por favor, mas desde que esse amor caiba sob medida em nossos preconceitos. Pedimos justiça sem avaliarmos o quanto somos potencialmente injustos. Pedimos a paz, sendo coniventes com o inferno pessoal das pessoas que nos cercam. Pedimos liberdade e união de dentro de nossos círculos herméticos e competitivos.

Uma professora da faculdade me ensinou certa vez que, peixe de dentro do aquário não pode enxergar a água em que está submerso. Estamos submersos em um lamaçal transparente, de dores e egoísmos entrelaçados e negligenciados. Disfarçados.

Mas podemos sair se, ao invés de pedir aos Orixás, a justiça, a proteção, a união e a paz, nos comprometermos com eles a sermos agentes ativos da mudança que queremos e pedimos. Protegendo, sendo justo, buscando se unir e lutando diariamente pela paz.

Que no ano que se inicia, possamos estar focados com a parte que nos cabe nos processos homogêneos das mudanças desejadas.

Que possamos sair do aquário em que estamos mergulhados, comprometidos severamente com as mudanças que queremos.

Daí, seremos dignos de exaltar plenamente os Orixás que evocamos, principalmente porque seremos parte do trabalho árduo deles.

(fotografia linda e sensível de Lucas Landau com edição por questões de uso de imagem.)

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