Precarização e machismo contra as pediatras mineiras – Por: Fátima Oliveira

Em 2010, em Minas Gerais, havia um pediatra para 1.463 crianças: 3.083 pediatras para 4,4 milhões de habitantes de até 14 anos. Para a OMS, Minas deveria ter 22 mil pediatras.

Por: Fátima Oliveira

A precarização do trabalho médico é uma das causas da escassez de pediatras, como ilustra o dr. José Guerra Lages, dono do Hospital Infantil São Camilo, em Belo Horizonte, que, em entrevista à rádio Itatiaia, no último dia 27 de maio, com consciência tranquila, revelou que “praticamente 100% dos pediatras não têm vínculo empregatício com os hospitais, que não têm condições de manter os elevados salários… Dezenove serviços de pediatria foram fechados nos últimos anos em razão de inviabilidade financeira.

“Ganham pelo atendimento. Podem ganhar de R$ 10 a R$ 15… R$ 20 mil, dependendo da quantidade de horário trabalhado… Durante a semana, de segunda a quinta, há garantia mínima de R$ 1.000 pelo plantão de 12 horas noturno. Para o fim de semana, no sentido de tentar encontrar pediatras, a garantia mínima é de R$ 1.500. E, com frequência, faltam (pediatras)”.

Na rede pública, eis duas manchetes de 30.5.2013: “Sem pediatra, maternidade recusa novas pacientes” (“Hoje em Dia”, Renato Fonseca) e “Pediatras da Maternidade Odete Valadares anunciam atendimento em escala mínima – A decisão dos funcionários é um protesto contra a falta de especialistas em pediatria na capital” (O TEMPO, Pedro Grossi). Uma cena paradigmática da irresponsabilidade: “Na última quinta-feira (30), apenas duas residentes cuidavam dos 16 bebês internados no CTI”. A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), responsável pela Odete, disse que busca profissionais e abriu um “processo seletivo”. E salário decente com concurso, quando?

As declarações do pediatra e empresário da medicina, a situação caótica da maior e mais importante maternidade pública de Minas e a rotineira falta de pediatras em algumas UPAs nos fins de semana confirmam o que escrevi em “Os bastidores, a charlatanice e o escárnio da importação de médicos” (O TEMPO, 28.5.2013). Há postos de trabalho, mas não há empregos! Os empresários da medicina não cumprem uma regra básica do mercado: “Quem não pode não se estabelece” e não aceitam pagar os custos dos recursos humanos que mantêm suas portas abertas! Sem médico, um hospital é apenas uma hospedaria! Resta aos governos e aos empresários o preenchimento dos postos de trabalho com empregos ou serão milhões sem assistência pediátrica! É uma questão de escolha política!

Em meio ao caos, ainda temos de ouvir coisas de naipe machista e sem noção ditas pelo dono do Hospital Infantil São Camilo, dr. José Guerra Lages, que geraram indignação entre as pediatras mineiras: “O medo de cuidar de crianças entre a vida e a morte no setor de urgência dos hospitais pode ser um dos motivos para a falta de médicos pediatras em Minas Gerais… Revelou que pediatras chegam a recusar salário de R$ 1.500 por um plantão de 12 horas. O local de trabalho é estressante… E os jovens médicos, principalmente essas jovens médicas, não digo que são acomodadas, mas elas têm uma visão diferente. Têm maridos, têm filhos, têm namorados e não estão dispostas a enfrentar essa linha de frente”.

O estressante, meu colega, pode crer, além da pecha de medrosas, é o seu juízo de valor sobre a vida privada das pediatras! Recolha seu machismo, se retrate e reflita sobre a exploração do trabalho médico nos serviços privados de saúde, a quem não bastam as burras de sacos de dinheiro, “querem pro saco e pro bisaco”.

 

 

Fonte: O Tempo 

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