Professora chamada de ‘macaca’ em escola de SP critica descaso

Mais de 20 dias após ofensa, docente diz que não foi informada sobre medidas; secretaria municipal de Educação afirma que abriu investigação interna

A professora Ana Koteban, 41, que trabalha na rede municipal de São Paulo, descobriu, no dia 24 de outubro, que alguém havia escrito “macaca” no espaço reservado ao seu nome na lista de presença de uma das turmas da escola.

A lista, que é coletiva e usada para várias turmas e professores durante o dia, havia sido encontrada por volta das 10h daquela segunda-feira por uma colega, que a entregou à direção da Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Professor Linneu Prestes, em Santo Amaro, na zona sul.

A docente, no entanto, só soube mais tarde da ofensa racista, por outro professor. “Ele me perguntou [sobre o caso] porque teria ouvido de estudantes daquela sala comentários a respeito. Fiquei surpresa, porque não fazia ideia, já eram 15h e ninguém havia falado nada”, diz Koteban.

A professora começou a procurar pela lista na sala dos professores e na secretaria da escola, quando soube por uma funcionária que a lista já estava na direção. “Percebi o constrangimento porque todos já sabiam.”

Às 16h30, um assistente da direção chamou a professora. Segundo Koteban, a proposta da chefia, que sugeriu uma conversa com os alunos, indica que o caso foi tratado como um episódio isolado e de menor gravidade.

“Como se o racismo não fosse estrutural e sistêmico, que precisasse ser combatido de forma institucional”, afirma a professora, que diz não ser o primeiro caso de ódio e intolerância na escola.

Ela registrou um boletim de ocorrência na Decradi, delegacia especializada em crimes raciais e de intolerância, no dia 26, e pediu que a gestão da escola tomasse providências.

Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), o caso foi registrado como injúria, e a Polícia Civil já começou as investigações para identificar quem cometeu o crime.

A Prefeitura de São Paulo, por meio da pasta da Educação, afirma que a diretoria regional de ensino responsável pela Linneu Prestes abriu uma apuração interna e que um núcleo de apoio, com psicopedagogos e psicólogos, acompanha o caso.

“A administração municipal repudia qualquer ato de discriminação e racismo dentro ou fora do ambiente escolar”, afirma a secretaria da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Ainda segundo a gestão, a Linneu Prestes trabalha a educação antirracista na rotina e em eventos específicos, como “rodas de conversa, apresentação de vídeos para discussão e elaboração de textos e, ainda neste mês, há na programação um seminário, onde alunos e professores irão participar”.

A professora se queixa de que ninguém a procurou oficialmente até o momento. Alguns dias após a ofensa, ela voltou a dar aulas e esteve na escola na última sexta (11), mas a única novidade, segundo ela, é que a atividade de educação antirracista programada para quarta (16) não vai acontecer por um problema em uma das impressoras. A diretoria de ensino nega o problema no equipamento e diz que a atividade a ser realizada é coletiva e de conversa.

Koteban critica o que chama de gestão omissa em relação ao tema e afirma que as atividades existentes acontecem por iniciativa dos professores.

“Não se trata de um episódio pontual, mas de uma cultura de violência que não está restrita a esta escola. Só que a gente precisa enfrentar, como educadores”, diz ela.

A secretaria de Educação diz que fez contato com a docente e que ela também será ouvida durante a apuração.

Para o fundador da ONG Educafro, frei David dos Santos, a prefeitura tem sido omissa na condução do caso. Segundo ele, a entidade avalia uma ação civil pública por danos coletivos contra a administração e uma queixa no Ministério Público de São Paulo para que a fiscalização seja reforçada.

“Estamos bastante preocupados com a omissão dos governos municipal, estadual e federal, porque conquistamos com muito suor e lágrimas a lei nº 10.639”, diz frei David, em referência à lei que estabeleceu o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas do país. “Para nossa dor, nem 5% das escolas públicas e particulares estão levando a sério esta lei”, conclui.

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