Professora e ativista paraense, Zélia Amador é homenageada em premiação de ONG internacional

Zélia Amador é uma das principais referências na luta pela visibilidade negra no país. Prêmio de Direitos Humanos da BrazilFoundation ocorre nesta quinta-feira, 28.

FONTEDo G1
Zélia Amador (Foto: Ascom/UFPA)

A professora e ativista paraense Zélia Amador de Deus é uma das homenageadas do Prêmio de Direitos Humanos da BrazilFoundation, ONG internacional voltada a captar recursos e apoiar iniciativas que atuam no combate à desigualdade social no Brasil. O evento ocorre nesta quinta-feira (28), em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Zélia irá participar de forma virtual.

Zélia Amador é uma das principais referências na luta pela visibilidade negra no país. Professora emérita da Universidade Federal do Pará, ela é uma das fundadoras do Centro de Estudo e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa) e do Grupo de Estudos Afro-Amazônicos (GEAM-UFPA). Zélia coordena a Assessoria de Diversidade e Inclusão Social, foi presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e participou da criação do sistema de cotas negras nas universidades.

Zélia Amador de Deus é um dos mais relevantes nomes da resistência negra do Brasil (Foto: Reprodução/BrazilFoundation)

A edição deste ano da BrazilFoundation homenageia Edu Lyra, fundador da Gerando Falcões, organização que atende milhares de famílias em favelas de todo o Brasil por meio de educação, cultura, qualificação profissional e geração de renda. Durante a pandemia, a GF arrecadou mais de R$ 60 milhões, beneficiando cerca de 1 milhão de pessoas com a campanha “Corona no Paredão, Fome Não”.

O evento homenageia ainda a modelo Gisele Bündchen, que é também reconhecida por sua filantropia, criou, em 2020, o Fundo Luz Alliance na BrazilFoundation para ajudar a combater a situação de fome gerada devido à pandemia de Covid-19. Até agora foram mais de R$ 7,7 milhões de reais arrecadados para levar alimentos e suprimentos de emergência a milhares de famílias vulneráveis em todo o Brasil.

Outro homenageado é o Embaixador Thomas A. Shannon Jr. foi Subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, a terceira posição mais alta do Departamento de Estado nos EUA. Durante sua gestão como Embaixador dos Estados Unidos no Brasil (2010-2013), a cooperação entre os países se expandiu muito em ciência e tecnologia, e 6.000 alunos estudaram nos EUA por meio do programa “Ciência sem Fronteiras”.

Trajetória de Zélia

Zélia nasceu em uma fazenda na ilha do Marajó e, desde o primeiro ano de idade, foi criada em Belém pelos avós. “Minha mãe engravidou aos 15 e era mãe solteira, foi empregada doméstica a vida toda, o que é mais uma história que se repete entre as mulheres negras brasileiras. Mas eu tive sorte porque meus avós me incentivaram a estudar. Na verdade eu me safei pela educação. Lembro muito bem da minha avó me dizendo ‘tu és preta, mas não baixa tua cabeça (sic)’”, conta.

Para Zélia Amador, o racismo no Brasil foi levado às últimas consequências, pois foi o país que mais importou negros no continente americano e o último a abolir a escravatura por lei. Isso, segundo ela, deixou marcas até os dias atuais. “A população negra acumula desde então desigualdades em todas as esferas: saúde, educação, perspectiva de vida, absolutamente todas. O que ocorre é que as elites não se conformam com o combate à desigualdade. A segurança das elites é a desigualdade“.

No caso das mulheres, a pesquisadora afirmou que “as negras sempre foram força de trabalho. Elas não lutaram para poder trabalhar, elas não querem é mais trabalhar de graça, elas querem ser pagas”, afirma. A professora defende que “mesmo que a mulher negra supere a questão da classe social, ela continua sendo mulher e continua sendo negra. Ela permanece sendo discriminada seja pela sua etnia, raça, classe, credos, nacionalidade”, explica.

O ingresso na universidade pública foi um marco. Embora já estivesse envolvida com movimentos sociais durante o ensino médio, foi na universidade que a política fez ainda mais parte da trajetória de Zélia Amador, que é doutora em Antropologia. “Em 1968, por exemplo, eu estive em manifestações políticas, passeatas, ocupações, era uma época que, nos Estados Unidos, os negros estavam lutando pelos direitos civis, crescia o movimento Black Power”.

Quando começa a dar aulas na UFPA, ainda no período final da ditadura militar, os movimentos sociais que estavam “sufocados” começaram a ganhar força. Em 1978 surge o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR). E no ano seguinte, 1980, Zélia é co-fundadora do Centro de Estudo e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa). “A partir desse contexto do início dos anos 80 que o movimento começa a não somente denunciar o racismo, mas pensar políticas públicas de ação afirmativa, a fim de tentar diminuir as desigualdades”, explica.

Em 2001, a professora integrou a comissão brasileira na 3ª Conferência contra o racismo da Organização das Nações Unidas (ONU), em Durban, na África do Sul. “Éramos um grupo forte, articulado, que retorna ao Brasil para cobrar diversas políticas, entre elas o sistema de cotas nas universidades públicas”, relembra.

A educação, defende a pesquisadora, é um dos pontos principais para combater a desigualdade. “A sociedade ainda mata mulheres, comporta a misoginia, perpetua a cultura do estupro. Já o negro quando morre é visto como uma ameaça a menos. Falta empatia. Se colocar no lugar do outro. Conhecer verdadeiramente a história do país. Entender nossa identidade. E isso vem através da educação, com o que trabalho pela vida inteira”, disse.

Samba-enredo e documentário

Documentário “Amador, Zélia” conta a trajetória da pesquisadora e ativista (Foto: Divulgação)

A trajetória de Zélia Amador virou documentário. Lançado este ano, “Amador, Zélia” mistura depoimentos, animação e dramatização para contar a história da ativista. Idealizado por Glauco Melo, o filme tem roteiro do jornalista paraense Ismael Machado.

Zélia também é tema do carnaval 2022 da Escola de Samba Os Colibris, de Belém. “Eu não esperava por isso, mas que bom que aconteceu, porque esse enredo trata da ancestralidade e da diáspora africana no mundo. Significa que não podemos deixar de passar tudo aquilo que pode representar resistência. Tudo aquilo que pode representar vida. Tudo aquilo que pode representar continuidade”, diz a homenageada.

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