Profissionais relatam casos de racismo no mercado de maquiagem

Foto- Reprodução:Instagram

Por Elisa Soupin no Yahoo

Faça o teste: procure no Google quem são as principais youtubers de beleza no país. Depois, olhe quem são as modelos mais bem pagas. Por último, faça uma busca pelos top maquiadores do Brasil. Quantas e quantos profissionais negros você encontrou? O racismo está presente, também, na beleza e na maquiagem, mas cada vez mais profissionais estão lutando contra – e derrubando – o preconceito.

A maquiadora carioca Monica Reis, de 42 anos, lembra quando, aos 14, foi fazer um ensaio fotográfico. “Naquela época, era uma febre fazer esses books. Eu fui maquiada e me lembro de ter dito que a base estava diferente, mas a maquiadora disse que as pessoas negras geralmente queriam ficar mais claras. O resultado, quando eu olho hoje, é que parece que eu enfiei a cara na farinha”, lembra ela.

O caso não foi um episódio isolado em sua vida. Como mulher negra que muito antes de ser maquiadora sempre adorou maquiagem, foram inúmeras as frustrações.

“Sempre que era maquiada por alguém em alguma ocasião social, como para ser madrinha, ficava insatisfeita. Eram dois problemas, não tinha produto com o meu tom, mas também não tinha técnica para maquiar pele negra. Até que fui madrinha de casamento e um maquiador incrível fez a make. Ele não tinha base, mas misturou com sombra, pigmento e me deixou maravilhosa, porque ele sabia fazer”, conta ela, que começou a se interessar mais e mais pelo assunto justamente para suprir a própria necessidade de se maquiar.

Em seu caminho profissional, o racismo foi aparecendo de inúmeras formas mais e menos sutis. Ao se profissionalizar e estudar, ela foi percebendo que, nos cursos de maquiagem, não havia modelos negras – nem técnicas para trabalhar a pele delas.

“Não se falava sobre maquiar pele negra a menos que fosse um módulo de pele negra. Na maioria dos cursos regulares, há uma ou duas aulas de pele negra. Ou seja, em um curso de carga horária de 96 horas, oito eram dedicadas à pele negra. Pele negra é um módulo, mas quando trabalhamos noivas ou peles maduras, por exemplo, nunca há modelos negras”, conta ela.

Como resultado disso, Monica explica que as técnicas mais propagadas simplesmente não contemplam as modelos negras, como, por exemplo, os contornos super famosos das Kardashian (e de 90% das youtubers de beleza).

“Muitas clientes reclamam de como foram contornadas. Tem gente que não gosta nem de olhar as fotos do dia do casamento, porque existe aquela ideia de que nariz de negra precisa ser afinado, e não tem. O que acontece é que a mulher acaba não se reconhecendo”, explica.

Modelo negra não vale foto no feed?

A modelo Mavita Marinho, de 20 anos, endossa o discurso: o racismo está tanto na falta de produtos abrangentes o suficiente para todas as mulheres negras assim como no despreparo dos profissionais de beleza. Para ela, o principal problema é a falta de especialização.

“Tudo é questão de querer: assim como você aprende a fazer um recorte ou a aplicar glitter sem sujar a pele, você aprende, sim, a fazer uma pele negra com excelência. Dizem não encontrar modelo negra porque querem negras com traços finos, com nariz arrebitadinho e, gente, a beleza negra não é isso! A gente está cansado de ser cota das lojas e eventos de maquiagem. A modelo negra só é chamada se for módulo de pele negra”, protesta ela.

“Tenho amigas negras que foram maquiadas por ‘grandes maquiadores’ e esses maquiadores não postaram fotinho delas no feed”, conta.

Escurecendo a indústria por dentro

foto- Arquivo Pessoa – Yahoo

A professora Daniele da Mata, de 29 anos, trabalha há sete como maquiadora, mas sua relação com maquiagem é mais antiga: aos 15, ela começou a trabalhar em uma fábrica de cosméticos e foi lá mesmo que ela teve a primeira experiência com racismo no mundo das makes.

“Quando eu estava lá há uns três anos, comecei a trabalhar na área de qualidade e desenvolvimento de produto. Toda vez que eu desenvolvia um produto e mandava uma amostra para aprovar, os produtos para pele negra voltavam. Foi ali que comecei a entender um pouco”, conta ela.

Com todo o conhecimento prático e a experiência pessoal de procurar base e outros produtos para sua pele sem conseguir achar o tom correto, Daniele viu que havia um mercado que queria consumir, mas que tinha carência de produtos e profissionais.

“A ideia de trabalhar com isso veio quando eu entendi que tinha demanda. Eu entendi que as mulheres negras tinham dinheiro, o que elas não sabiam era o que comprar, não tinham produto e nem sabiam como se maquiar”, explica.

Em 2012, ela criou a Da Mata Make Up, uma escola de beleza especializada em pele negra.

“Quando eu ia maquiar, ficava horas conversando, porque eu queria passar conhecimento para as clientes. Eu estava falando sobre a nossa beleza, sobre os nossos relacionamentos, sobre o nosso universo”, conta ela.

Na escola, além de dar aulas para as alunas negras, em um processo de reconhecimento de beleza e trabalho de autoestima, Daniele dá aula também para maquiadores profissionais, buscando conhecimento para atender de forma apropriada clientes negras.

“Além da técnica, as pessoas não conhecem a história, existem muitos maquiadores racistas e preconceituosos, que são um reflexo da nossa sociedade. É preciso entender que você está sendo racista afinando meu nariz. A maquiagem tem técnicas racistas, e é um processo entender isso. Se o maquiador não tiver sensibilidade sobre a autoestima da mulher negra, não adianta “, diz ela.

Daniele também dá consultoria para marcas que estão investindo em produtos que atendam as reais necessidades das negras. Ela não pode revelar quais são por questões de contrato de confidencialidade.

“Acho que as marcas entraram em choque por causa da Fenty Beauty. As marcas estão fazendo movimentos nesse caminho, mas acho que ainda falta aumentar o número de subtons. Atualmente, são dois principais: amarelo e vermelho. Os subtons frios ficam de fora. O mercado brasileiro tem feito 20 tons, sendo 10 para pele negra, mas como o número de subtons é limitado, só um determinado número de pessoas é atendido. É melhor do que antes, claro, mas ainda há muito o que melhorar”.

Asiáticas também pagam preço da falta de técnica

A brasileira Cindy Oh, filha de pais coreanos, também experimentou situações ruins por conta de sua origem. Ao contrário do senso comum, a pele das asiáticas não tem necessariamente a predominância de tons amarelos.

“Aqui no Brasil, vendem muito que a oriental é amarelada, mas lá na Coreia os subtons são mais rosados e neutros, mais frios”, explica.

Achar boas técnicas para seu formato de rosto e, principalmente, de olhos, também era um desafio. “Não tinha muita noção e não tinha muito onde ver. Não havia Youtube, tutoriais, nada”, conta ela.

As coisas começaram a mudar em uma viagem à Coreia. “Em 2011, eu fui pra lá e fiz um curso de automaquiagem fornecido pelo governo, como parte de um programa de cultura deles. Lá, eu entendi a minha beleza e vi as técnicas certas para mim”, conta ela.

A forma comum de fazer a sobrancelha aqui no Brasil, bastante desenhada, marcada e definida, por exemplo, não funciona para ela. “Essa foi a maior diferença que percebi entre o que fazia aqui e o que aprendi. Elas têm uma técnica muito leve, de rejuvenescer, com uma pegada muito natural. Abraçar o fato de eu ser coreana me deixa mais bonita. Não tentar contornar o rosto para um formato que não é o meu é o que me deixa mais bonita”, conta ela, que tem clientela 95% composta por mulheres asiáticas que não se sentem contempladas pelos maquiadores regulares.

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