Maria Carolina Trevisan
Pela primeira vez no mundo, um clube é expulso de um campeonato de futebol por atos racistas de sua torcida
A decisão unânime decretada ontem, 03/09, pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) de excluir o Grêmio da Copa do Brasil por atos racistas de sua torcida contra o goleiro do Santos, Aranha, é inédita na história do futebol mundial. O time de Porto Alegre (RS) terá de pagar multa de R$50 mil e os torcedores identificados como autores da injúria racial estão proibidos de ingressar em jogos do Grêmio por 720 dias. Corre em paralelo, na justiça comum, um inquérito policial para instaurar processo por crime (de racismo ou de injúria racial) cometido pelos torcedores identificados.
É, sem dúvida, uma decisão importante na luta pelo enfrentamento ao racismo. “Mas não basta. Para que haja uma mudança de prática das torcidas é preciso uma campanha de sensibilização”, alerta o advogado Rodnei Jericó, que atende casos de racismo e injúria racial pelo SOS Racismo, do Geledés – Instituto da Mulher Negra. “Se a mídia esquecer do assunto, a punição não vai surtir efeito”, completa.
Há 2 outros aspectos significativos relacionados ao mundo do futebol: os clubes são responsáveis por suas torcidas; por isso, torcedores racistas prejudicam seus times. “A punição ao Grêmio é mais que simbólica. É histórica”, diz o administrador de empresas Ademário Almeida, 32 anos, ativista do Movimento Negro na Bahia desde 2003. “É possível perceber a mudança de postura dos próprios jogadores, que deixaram de aceitar as ofensas racistas”, afirma.
“Em uma situação dessas, a criança negra sente vergonha da cor da sua pele, se sente errada, se sente menos. Ela vai se esforçar o resto da vida para permanecer invisível, para não ser agredida novamente”, Emicida.
Estádios de futebol agregam emoções fortes. São espaços em que se expõem a paixão e a raiva. Por isso, muitas vezes os frequentadores se sentem acima de qualquer lei. Xingar um jogador de “macaco”, no entanto, não ofende apenas quem está com a bola no pé. Todo menino brasileiro sonha em ser jogador de futebol. Inclusive os negros. “Em uma situação dessas, a criança negra sente vergonha da cor da sua pele, se sente errada, se sente menos”, conta o rapper Emicida para a Ponte. “Ela vai se esforçar o resto da vida para permanecer invisível, para não ser agredida novamente”, alerta Emicida. “Parece radical mas isso é extremamente comum hoje, em 2014.”
História do racismo no futebol brasileiro
O futebol chegou ao Brasil trazido pelos ingleses em 1874. Passaram-se 31 anos até que jogadores negros fossem aceitos oficialmente nos clubes de futebol. Bangu e Ponte Preta disputam entre si o título de primeiro clube a aceitar negros, na década de 1920. Anos depois, Vasco levou a taça do Campeonato Carioca com um time que incluía negros. Antes disso, os atletas usavam pó-de-arroz para embranquecer a pele e entravam em campo com toucas para esconder os cabelos crespos. Mas a partir da década de 1930, o profissionalismo no futebol mudou essa perspectiva. “Era a vez do preto, agora sim. Ia-se a um treino de um Fluminense, de um Flamengo, de um América, de um Vasco, os pretos se amontoavam na pista. Não admira, portanto, que um time quase inteiramente de pretos fosse o campeão de 1933. Para se ter uma ideia, eram oito mulatos e pretos no time do Bangu”, escreveu Mário Filho em seu livro O Negro no Futebol Brasileiro.
Entre os 40 profissionais que terminaram as séries A e B em 2013, apenas 1 era negro. Este ano a situação é quase igual: há apenas 2 técnicos negros na série A, o Cristóvão Borges, do Fluminense, e o Celso Rodrigues, do Chapecoense.
O racismo no futebol persiste. Jeovânio, Tinga, Arouca, Manoel, Roberto Carlos, o árbitro Márcio Chagas da Silva, Neymar, Dani Alves, Paulão, Obina, Ubaldo, Cafu e Aranha já passaram por essas situações. Mas o racismo não acaba nos xingamentos em campo. Até hoje, mesmo com toda a genialidade do jogador negro no futebol brasileiro, poucos chegaram ao alto escalão do futebol. É mínimo, por exemplo, o número de técnicos negros. Entre os 40 profissionais que terminaram as séries A e B em 2013, apenas 1 era negro. Este ano a situação é quase igual: há 2 técnicos negros na série A, o Cristóvão Borges, do Fluminense, e o Celso Rodrigues, do Chapecoense.
Fonte: Ponte