“Nossa elite é mais gringa do que parece”, por Paulo Rogério

Existem informações que de tão óbvias tornam-se desconhecidas. O sucesso da imigração no Brasil é uma delas. Tomemos, por exemplo, os judeus. Vindos basicamente entre os anos de 1926 a 1942, oriundos de duas ramificações diferentes: os Sefarditas, da península ibérica e os Askenazis que fugiam das ditaduras do leste europeu e do nacional-socialismo de Hitler. Os judeus chegaram ao Brasil, por coincidência, em um ambiente favorável à diversidade religiosa (desde que não fosse africana) e, sobretudo, numa época onde se buscava embranquecer o país. Como se enquadravam no padrão estético requerido, sobretudo os Azkenazis (caucasianos convertidos a fé judaica) se adaptaram e formaram uma das mais prósperas “comunidades étnicas” no seio da sociedade brasileira.

 

As pesquisadoras Sydenham Lourenço Neto e Joana D’arc Bahia, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, autoras do estudo “A comunidade judaica brasileira, suas identidades e redes de associação”, explicam como que por meio da solidariedade étnica e por causa da conjuntura política da época, os descendentes de judeus tornaram-se a mais bem sucedida comunidade brasileira, superando até mesmo os euro-descendentes em muitos aspectos.

 

Um dos primeiros questionamentos apresentados pelo estudo é sobre o que é ser judeu. A identidade judaica deveria ser definida pela religião, pela etnia ou pela cultura? As pesquisadoras adotam, finalmente, o conceito de Isaac Deustcher de que a identidade judaica é principalmente um legado cultural, que, “embora guarde alguma relação com a religiosidade judaica não está delimitada por ela”.

 

judeus

O estudo em questão traz outra grande surpresa ao revelar, de maneira pioneira, a contribuição dos judeus com a formação da esquerda brasileira – o que pode não causar tanto espanto aos conhecedores da obra de Karl Marx que era alemão, de ascendência judaica, e que escreveu o ensaio “A questão judaica”, em 1843, quando definiu que os judeus eram ” a corporificação do capitalismo” e foi acusado injustamente de anti-semitismo.

 

Voltando ao caso brasileiro, as autoras definem os que aqui chegaram entre Judeus Sionistas (que advogavam o retorno dos judeus para um estado judaico) e os Progressistas, que estiveram envolvidos nas agitações políticas da época – E foram inclusive perseguidos pela ditadura de Vargas. Mais interessante é o fato de que a maioria chegara aqui sem formação de nível superior e com baixa qualificação profissional, mas no período de apenas uma geração dá um salto significativo em sua mobilidade social, criando empresas, ingressando nas carreiras acadêmicas e exercendo profissões liberais, o que é claro, causou uma queda substancial na militância classista dos que agora ingressavam na classe média euro-descendente. Vale aqui o destaque da fala de um dos entrevistados do estudo:

 

“Você tinha uma comunidade de imigrantes que vem pra cá, que é pobre, ahm… quer dizer, os anos (19)40/ (19)50 são anos de muita mobilidade social….e muitos daqueles imigrantes, que eram mascates, de repente viram industriais, tal né?! Então eu não diria que ficam de direita, eles mudam de posição de classe, digamos assim.”

 

E aparentemente essa mobilidade social não parou mais. Hoje, no Brasil, a comunidade judaica é responsável por parte significativa do Produto Interno Bruto (PIB) e possui representante nos mais elevados cargos de poder, como o Ministério da Fazenda (Guido Mantega), da Educação (Fernando Hadad), Meio Ambiente (Carlos Minc) até mesmo na Bahia, estado de maioria de descendentes de africanos, com o governador Jaques Wagner. Notem que em todo o estado, que tem 14 milhões de habitantes, apenas 855 mil pessoas dizem ser de origem judaica.

 

Além disso, são empresários de sucesso no comércio como Samuel Klein (Casas Bahia), José Safra (Banco Safra). Hans Stern (H. Stern). Na mídia, como Senor Abravanel (Sílvio antos), Mário Kertész (Metrópole), Roberto Civita (Abril) e os falecidos Adolfo Bloch (Grupo Manchete), Roberto Marinho (Globo), além de personalidades como Roberto Justus, Luciano Huck, Luciano Szafir, Pedro Bial (Pedro Bialski), Boris Casoy, dentre outros que possuem algum nível de ascendência judaica.

 

Esse texto não tem objetivos anti-semitas ou revisionista, busca apenas informar a comunidade afro-brasileira, como um povo que sofreu brutais violações de direitos humanos com o holocausto, conseguiu reverter o jogo da exclusão e ocupar os principais postos da sociedade brasileira.

 

Busca também tentar decifrar o fato de como os judeu-descendentes conseguiram manter sua identidade e cultura por meio de casamentos endógenos sem serem chamados de racistas; manter instituições separadas sem serem considerados antinacionais (escolas, clubes etc); Cultuar uma religião não-cristã, e que em alguns lugares ainda realiza sacrifício de animais, sem serem considerados demoníacos; Ou seja, como integraram-se de maneira tão harmônica, em tempo recorde, na sociedade nacional em período menor do que os 122 anos da chamada abolição da escravatura ?

 

Seria interessante que organizações da comunidade judaica pudessem passar esse “expertise” para a comunidade afro-brasileira que até hoje busca uma integração mínima na sociedade brasileira – através de ações afirmativas. Como são duas diásporas, que passaram por holocaustos (ou não seria a escravidão algo semelhante ao massacre judeu?), devem ter muitas similaridades.

 

Vale dizer que não foram apenas os judeus que tiverem sucesso na imigração brasileira, podemos falar dos japoneses – que hoje praticamente dominam a área técnica-científica do país e os sírio-libaneses, que vieram para o Brasil por não conseguirem visto de entrada para os Estados Unidos devido ao analfabetismo e pobreza. Entre as personalidades libanesas no poder nacional destacam-se Paulo Maluf, MichelTemer (atual vice-candidato a presidência pelo PT-PMDB), Geraldo Alckmin, Gilberto Kassab, João Carlos Saad (dono do Grupo Bandeirantes de Comunicação) e o publicitário baiano Nizan Guanaes.

 

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Os chamados teuto-brasileiros, descendentes de alemães, começaram a imigrar para o Brasil em 1824. Dentre os seus notáveis estão: Jorge Gerdau Johannpeter – Presidente do Grupo Gerdau, o ex-presidente militar Ernesto Geisel e a modelo Gisele Bündchen. Já os italio-brasileiros, a maior comunidade de italianos fora da Itália – destacam-se José Serra (candidato a presidência da República pelo PSDB) Sérgio Gabrielle (presidente da Petrobras), Eduardo Matarazzo Suplicy (senador e ex-esposo de Marta Teresa Smith de Vasconcelos, mais conhecida como Marta Suplicy, trineta dos barões de Vasconcelos), Xuxa Meneghel, o ex-presidente Emílio Médici, Mino Carta (Carta Capital) e a escritora Zélia Gattai.

 

De direita a esquerda, passando pelo centro, na política brasileira já nos acostumamos com a cena repleta de Gushikens, Paloccis, Roussefs, Mercadantes, Bornhausen, sobrenomes que denotam a raiz histórica do processo de branqueamento do Brasil defendido por pessoas como Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões” e Monteiro Lobato, autor de “O Presidente Negro”. Dos 513 parlamentares na Câmara Federal menos de 5% são afro-brasileiros.

 

Fica então a pergunta: seriam os afro-brasileiros e indígenas os condenados dessa terra? Por que os familiares de militantes de esquerda (a maioria abastados economicamente) tiveram o legítimo direito a reparação pelos anos de tortura durante a ditadura militar (bilhões de reais) e os descendentes dos 4,5 milhões de africanos que trabalharam mais de três séculos para construir essa nação nada receberam como indenização? Já não é hora da comunidade afro-brasileira passar a exigir os mesmos direitos dos outros grupos que compõe a multicultural nação brasileira? Não está na hora de passar da fase do “dilema da cor” entre os descendentes de africanos (pretos, pardos e mestiços) e reivindicarmos uma identidade de povo “afro-brasileiro”? Essas são respostas que precisamos dar com urgência para construir um país mais digno para as gerações futuras.

 

* Paulo Rogério é publicitário e pós-graduado em Política e Planejamento Estratégico.

Fonte: Correio Nagô

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