Quando a exceção quer ser regra

Menos de 1% dos adolescentes são infratores e poucos deles cometeram crimes considerados graves

Pedro Rafael

A redução da maioridade penal não diminuiria os números da violência no país. É o que apontam estatísticas oficiais. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os 30 mil jovens que cumprem medidas socioeducativas correspondem a 0,5% da população adolescente do país, estimada em 21 milhões de pessoas. Além disso, a maioria dos infratores cometeram os chamados “delitos de rua”, contra o patrimônio, como roubos, furtos e porte de armas. 

Na cidade de São Paulo, de acordo com informações do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud/Brasil), esse tipo de delito representou 58% dos casos. Os registros relacionados aos homicídios foram apenas 1,4% dos casos. Outras pesquisas recentes apontam exatamente o contrário. Crianças e adolescentes, especialmente das periferias, é que tem sido vítimas de crimes como homicídios. Entre 1980 e 2002, o percentual de jovens menores de idade mortos por assassinato aumentou 254%, segundo o Mapa da Violência da Unesco e o Núcleo de Estudos de Violência da USP, ambos divulgados em 2006. 

Para Ivan de Carvalho Junqueira, especialista em direitos humanos e segurança pública, e servidor da Fundação Casa, o recrudescimento da legislação, por si só, não tem a menor efetividade. Ele cita o caso da lei nº 8.072 (Lei de Crimes Hediondos), promulgada em 1990, que aumentou a pena para delitos graves. 

“Essa lei foi um ícone do movimento da lei e da ordem, trazendo penas mais altas e impedindo a progressão de regimes em determinados casos. Apesar de confortar os clamores sociais num curto espaço de tempo, ao longo dos anos verificou-se que ela não desestimulou a violência”, analisa. 

Junqueira lembra ainda que os casos de internação de jovens nas unidades de medida socioeducativa correspondem ao terceiro grau de ações que cabem ao Estado na proteção dos menores, que deveriam ser aplicados somente quando as medidas anteriores falharam. O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) é a lei que prevê essas medidas de proteção e políticas públicas. 

“Por isso que se avançou muito em termos de diminuição da mortalidade infantil, combate à exploração sexual de menores, maus-tratos e trabalho de crianças após o ECA. Mas o sistema de proteção social ainda é muito frágil”, reconhece Ariel de Castro, ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescentes (Conanda). 

Na direção contrária, o governo de São Paulo prioriza a construção das unidades de internação de jovens infratores. Em todo o estado, já são 146 e outros prédios ainda serão entregues. Ao permanecerem em instituições pouco preparadas para o desafio pedagógico de reinserção social, essas unidades da Fundação Casa e outras país afora reproduzem a lógica do sistema penitenciário universal, que não contém a violência. 

Na contramão mundial 

Se a redução da maioridade penal tivesse alguma condição de ser aprovada no Brasil, o país caminharia na direção contrária da maioria das nações. Dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República informam que em 53 países de todos os continentes, a maioridade penal é 18 anos em 49. 

A legislação desses países também estabelece a idade mínima em que crianças e adolescentes possam responder por atos infracionais está entre 13/14 anos. No Brasil, é ainda mais cedo, o ECA prevê medida socioeducativa já a partir dos 12 anos. 

“No Japão, por exemplo, já chegaram a reduzir a maioridade penal para 16 anos e voltaram ao patamar de 21 anos”, exemplifica a juíza Dora Martins, titular da Vara da Infância e Juventude da região central de São Paulo. 

Segundo Ariel de Castro, a redução da idade penal também implica o descumprimento de uma série de convenções internacionais ratificadas pelo governo brasileiro. “Elas equivalem, inclusive, às disposições constitucionais”. 

Na comunidade internacional, explica Ariel, o tema da redução da maioridade já foi praticamente superado no que se refere à política criminal.

 

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Fonte: Brasil de Fato

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