Quando a mão que afaga é a mesma que apedreja

“acostuma-te à lama que te espera!
o homem, que, nesta terra miserável,
mora entre feras, sente inevitável
necessidade de também ser fera” (augusto dos anjos)

Há muito vemos pessoas ajudando outras pessoas como forma de ajudar a si mesmas.

É a famosa pilantropia.

Muita gente acha que fazendo caridade reserva um lugar especial e quentinho no céu, privando da amizade de anjos e arcanjos e sendo bajulada por toda a eternidade.

Não tem nada a ver com o miserável pedinte, o pilantropo age em causa própria.

Parece que esse é o caso do empresário bolsonarista que, numa tremenda satanagem, humilhou uma senhora na porta de casa ao entregar mantimentos a ela.

É que, ao constatar que a senhora era eleitora de Lula, o sujeito inflamou-se de ódio, mandou às favas Deus e as benesses do Paraíso e demonstrou que para um bolsonarista Deus pode até estar acima de todos, mas o Mito está acima de tudo!

Monstrificado, fera entre feras, o empresário bolsonarista mostrou que “a mão que afaga” é a mesma que apedreja.

A mão que empunha um terço é a mesma que saca um revólver, a boca que grita contra o aborto é a mesma que braveja pedindo pena de morte.

“Vamos metralhar essa petralhada,” ordenou o Mito.

Sentindo a inevitável necessidade de também ser fera, Cássio Cenali, o empresário Bolsonarista, viu naquela senhora, imediatamente, um inimigo a ser destruído.

A fome, sabemos todos, é um método cruel de assassinato, Cássio sabia que sem a esmola que ele deixava no portão daquela senhora, ela poderia sucumbir.

Cássio, bestificado e tomado por um ódio sorridente e cínico, sabia que Deus, que é onipresente e onisciente, observava aquela crueldade das alturas.

Cássio cagou pra Deus!

Sua missão, naquele momento, ao identificar uma “petistacomunista”, era alimentar a falange bolsonarista com essa ração barata feita de ódio, humilhação e desprezo.

Na mente daquele demente, publicar um vídeo humilhando uma mulher vulnerável era mitar.

Estava seguro que seu vídeo viralizaria, que a falange do ódio iria republicá-lo à exaustão e todos repetiriam o seu bordão: “vai pedir pro Lula”.

A cena é tão absurda e chocante que o próprio Ciranha dessa vez não teve o despudor de fazer um paralelo entre o sujeito e Lula.

Os farsantes fascistas riem como hienas, enquanto devoram a carne viva dos seus “inimigos”.

A imagem bolsonárica é muito semelhante a que vimos no semestre passado na Ucrânia.

Numa pequena vila nos arredores de Kharkiv, arrasada pelos bombardeios, uns soldados ucranazis chegaram com alimentos para entregar a uma família necessitada.

A senhora Anna Ivanova os recebeu empunhando uma bandeira da União Soviética.

Os sacanas, adoradores do Bandera, entregaram as sacolas para a velhinha e pisotearam sua bandeira vermelha.

E, claro, filmaram a cena sádica como o fez o empresário bolsonarista.

Porém, ao contrário da senhora Ilza Santos, que foi pega de surpresa e sorriu meio sem entender o motivo daquela humilhação, a senhorinha ucraniana protestou.

Devolveu as sacolas para os ucranazis e passou-lhes um pito.

O que me fez lembrar o grande Augusto dos Anjos: “se alguém causa inda pena a tua chaga, apedreja essa mão vil que te afaga, escarra nessa boca que te beija”.

Por sua valentia, a vovozinha ganhou uma estátua na Rússia, onde ficou conhecida como Babushka Z.

A senhora Ilza Ramos não teve tempo de raciocinar sobre o que lhe ocorrera, acreditou que aquele sujeito que lhe levava afagos o fazia por amor e compaixão.

A babushka, por outro lado, conhece muito bem como pensam e agem os ucranazis, por isso não se surpreendeu com a dissimulação dos falsos benfeitores.

Os dois episódios, diria o Ciranha, guardam paralelo; são ambos frutos dessa maldita polarização, onde um lado mata, desmata e maltrata, e o outro só se fode.

Palavra da salvação.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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