Quilombolas reivindicam direito à terra; Aracruz Celulose contesta

Fonte: Repórter Brasil – Irohin –

Moradores de Sapê do Norte aguardam titulação de território. Aracruz Celulose, que afima ser detentora da área, obteve mandato que suspendeu publicação de portaria que reconhece posse de uma das comunidades.

 

Das 34 comunidades quilombolas que fazem parte do território Sapê do Norte, ao norte do Espírito Santo, 25 possuem certificado da Fundação Cultural Palmares, ligada ao governo federal. Entre os municípios de Conceição da Barra (ES) e São Mateus (ES), famílias vivem cercadas por plantações de eucalipto da empresa Aracruz Celulose S/A, que briga na Justiça pela terra.

De acordo com as famílias, o impacto da monocultura afeta a geração de renda, reduzindo o espaço para pequenas plantações. “Para onde olhamos, só vemos eucalipto. Os jovens crescem, não têm o que fazer aqui e acabam saindo para procurar emprego. Nós não queremos que eles saiam”, desabafa Luzinete Serafim Landino, líder da comunidade São Domingos, uma das que faz parte do conjunto quilombola de Sapê do Norte.

Luzinete, conhecida como Luzia, tem 50 anos – todos eles vividos no quilombo São Domingos. Os moradores da área aguardam a publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Sem muitas opções, algumas famílias produzem carvão a partir de resíduos do eucapilto. “Essa é a nossa única saída”, aponta Luzia. Contudo, até isso tem sido complicado. Moradores afirmam que segurança contratados pela Aracruz Celulose não têm permitido a extração dos resíduos.

“Sofremos uma criminalização muito grande. Eles [os seguranças] chamam a polícia e dizem que somos ladrões. E a polícia acaba ficando do lado deles porque ainda não temos o título da terra”, emenda Luzia.

Questionada pela Repórter Brasil sobre os fatos mencionados, a empresa se limitou a declarar que “respeita as comunidades de seu entorno”.

Líder da Comunidade Divino Espírito Santo, Kátia Santos Penha conta que a relação com a Aracruz é conflituosa, principalmente em Conceição da Barra (ES). “O território todo tem problema com a empresa, mas as comunidades que mais sofrem são as que estão em processo de titulação”.

O pedido de titulação do quilombo Divino Espírito Santo, em São Mateus (ES), não foi apresentado oficialmente. “Optamos por deixar para entrar com o pedido no Incra depois que os processos que já estão abertos forem finalizados. Preferimos esperar e fazer pressão para agilizar os que já estão em andamento do que não conseguir assessorar todas as comunidades do território. A demanda é grande”, complementa Kátia. Atualmente cinco comunidades estão em processo de titulação.

Briga na Justiça

A Aracruz conseguiu um mandato de segurança no Tribunal Regional Federal da 2ª Região que suspendeu a publicação da portaria que reconhece o título de posse da Comunidade Linharinho, em Conceição da Barra (ES). Assinada pelo presidente do Incra, Rolf Hackbart, a portaria foi publicada em maio de 2007 no Diário Oficial da União. Segundo a empresa, a Justiça determinou, em 2008, o reinicio do processo de titulação no âmbito do Incra.

A portaria reconhecia 9.542,57 hectares como território quilombola pertencente à Comunidade Linharinho. Dessa área total, 82% estão ocupados por eucaliptos da Aracruz Celulose. Atualmente, existem 48 famílias vivendo nesta comunidade, numa área restrita de 147 hectares.

A multinacional também entregou ao Incra, em janeiro de 2007, uma contestação do parecer do órgão que recomenda a demarcação de 13.074 hectares para a Comunidade São Jorge. A área é reivindicada por 70 famílias.

Atualmente o processo de titulação da São Jorge está em fase de notificação dos ocupantes e confrontantes. Isto significa que o RTID já foi aprovado pelo Comitê de Decisão Regional do Espiríto Santo (CDR/ES). O CDR é um órgão composto pelo Superintendente Regional, pelos chefes de divisão e pelo chefe da Procuradoria Regional do Incra no estado. O órgão ainda não tomou nenhuma decisão em relação à contestação da empresa.

A Aracruz afirma que procura “evidenciar, nos dois processos, a inconstitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, por estabelecer a auto-atribuição da condição de quilombola”. Atualmente tramita no Supermo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Partido dos Democratas (DEM) contra o decreto em questão. A auto-identificação também consta na Convenção 169 da Organizção Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

Histórico

Levantamentos da Comissão Quilombola Sapê do Norte calculam que a região chegou a ser habitada, até o final da década de 1960, por cerca de 12 mil famílias descendentes de quilombos (média de 60 mil afrodescendentes). Atualmente, o número de famílias foi reduzido para 1,2 mil. “Antes da chegada da Aracruz, o pessoal morava onde queria. Plantava, criava bichos, tirava matéria-prima para produção de artesanatos”, relembra Luzia.

A Aracruz alega ter comprado as terras conforme a lei. “A companhia adquiriu suas terras diretamente de seus legítimos proprietários e possuidores, através de documentação idônea e devidamente registrada nos cartórios de registros de imóveis”. Kátia discorda da versão oferecida pela empresa. “As terras são do Estado. São terras devolutas e não podem ter sido vendidas”.

“A companhia está convencida de que grande parte das famílias quilombolas sequer habitava as comunidades na ocasião em que a Aracruz comprou as terras”, completa a empresa, por meio de nota enviada pela assessoria de impresa. Luzia, por seu turno, responde. “Meus pais nasceram e foram criados aqui. Esse lugar é nosso há mais de 200 anos”.

Matéria original: Quilombolas reivindicam direito à terra; Aracruz Celulose contesta  – Por Bianca Pyl

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