Quilombos do Ribeira recebem autorização para fazer suas roças tradicionais

 Depois de seis anos de discussão e mobilização, finalmente, os quilombolas do Vale do Ribeira (SP) poderão fazer suas roças em paz. Acabam de ser emitidas as licenças ambientais para abertura de novas roças

Instituto Socioambiental – ISA – Em 20 de setembro, durante reunião da Câmara Técnica de Agricultura, do Conselho Gestor da APA-Quilombos do Médio Ribeira, realizada no Quilombo do Galvão, no município de Eldorado, a associação local recebeu o licenciamento ambiental para suas roças. Além de Galvão, Pilões e as demais comunidades estão recebendo suas autorizações. Foram emitidas cerca de 150 licenças para os diversos quilombos do Vale do Ribeira.

O licenciamento emitido acontece da forma reivindicada pelos quilombolas do Vale do Ribeira. Eles podem fazer suas roças nas áreas historicamente usadas para isso e utilizando as técnicas tradicionais. Podem cortar a vegetação e fazer a queima para uso agrícola, durante curto período de tempo (de um a três anos) com posterior período de pousio que permita a regeneração da floresta.

Durante os anos em que perdurou o impasse entre o que a legislação ambiental permitia e o que os quilombolas desejavam para suas áreas de roças, houve um grande declínio da atividade colocando-a em risco. Neste período só alguns agricultores fizeram roças, correndo o risco de serem autuados pela Polícia Ambiental.

Deixar de fazer a roça tradicional ameaça a segurança alimentar e nutricional das comunidades e tem levado ao desaparecimento de muitas variedades e espécies agrícolas, além de impactar a própria cultura quilombola, uma vez que as atividades ligadas à roça têm papéis importantes na conservação e transmissão de saberes.

Nos últimos anos os quilombolas encaminharam vários pedidos aos setores responsáveis para que liberassem as roças tradicionais nas áreas que consideram férteis e aptas aos plantios. Em 2010 a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de S. Paulo editou a Resolução 27 em que procurava atender a reivindicação dos quilombolas. Seus parâmetros, entretanto, a tornavam inexequível, principalmente porque impedia a realização das roças em áreas consideradas de preservação permanente e também porque só permitia o corte da vegetação em estagio médio inicial.

Esta norma continuava inviabilizando a supressão de vegetação no estágio em que as comunidades consideram ideal e consequentemente não houve plantio. Na época, as lideranças quilombolas encaminharam uma carta ao governo do Estado de São Paulo solicitando maior diálogo para estabelecer uma norma que, de fato, contemplasse a realização de sua agricultura tradicional em áreas já usadas pelos antepassados.

Feira de troca de sementes tradicionais manteve roças vivas

Uma das estratégias para manter as roças vivas, nestes últimos seis anos, foi a organização pelos quilombolas, em parceria com o ISA, Itesp e outras organizações locais, seis feiras de troca de sementes tradicionais. As feiras sempre foram precedidas por um seminário para discutir temas relativos às roças, inclusive o licenciamento.

O debate foi ganhando forças e outros parceiros como o grupo de pesquisadores da EACH- USP e do Instituto de Botânica do Estado de São Paulo, coordenado pela professora e pesquisadora Cristina Adams. As pesquisas demonstram de forma inequívoca que as roças convivem muito bem com a conservação da biodiversidade.(Saiba mais).

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Outra pesquisa importante sobre as roças quilombolas foi o Inventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira, realizado pelo ISA, e lançado em agosto, durante a sexta edição da feira de sementesque mostra a complexidade do sistema agrícola que envolve além dos plantios e os modos de fazer, o processamento dos alimentos, as festas e a religiosidade. Sendo um patrimônio cultural que atualmente está em processo no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o reconhecimento como Patrimônio Cultural Brasileiro.


Pesquisas e estudos contribuíram para a autorização das roça
s

Em 2013, os resultados destes estudos, a realização das feiras e seminários, os documentos encaminhados pelos quilombolas ao governo estadual criaram as condições para que se licenciassem as roças. Para isto também foi importante o empenho e articulação entre os órgãos responsáveis – Itesp, Fundação Florestal e Cetesb – que dividiram entre si as responsabilidades para a emissão das licenças. (Saiba mais).

Resta ainda consolidar o procedimento que foi realizado de forma emergencial para que os quilombolas possam fazer suas roças nos próximos dois anos sem problemas. Para isto a proposta é construir, com apoio do Conselho Gestor da APA Quilombos do Médio Ribeira um Plano de Uso e Ocupação dos Territórios a partir do qual se pretende licenciar as áreas de roça por um período de cinco anos.

Aos quilombolas cabe cumprir o compromisso de utilizar as áreas para roça tradicional e abandoná-la para a regeneração natural da floresta, não podendo ser perenizadas com uso agrícola. Para ampliação das áreas de agricultura convencional ou perene os quilombolas reivindicam a posse das terras ocupadas por terceiros dentro de seus territórios e estão promovendo a transição das áreas de pastagem para áreas agrícolas.

Fonte: Racismo Ambienta

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