Racismo ambiental no Brasil: a urgente necessidade de justiça e igualdade

Corporações operam com impunidade, causando devastação ambiental e afetando principalmente comunidades vulneráveis

Ao acompanhar a mais recente tragédia ambiental brasileira, os alagamentos no Rio Grande do Sul, vêm à cabeça o conceito, pouco discutido nos meios comunicacionais, do “racismo ambiental”. Provoca ainda mais reflexão o desaparecimento das populações quilombolas e indígenas do Sul, também, afetadas pela catástrofe e invisibilizadas pela cobertura midiática tradicional. Cabe uma breve reflexão sobre as repetitivas tragédias ambientais, sua maior potência nos espaços periféricos e de populações tradicionais e, junto a isso, o desaparecimento deste seguimento humano dos meios de comunicação. 

O racismo ambiental é uma problemática global que se manifesta de maneira acentuada em países periféricos, como o Brasil. 

Utilizando o conceito de sistema mundo de Immanuel Wallerstein, podemos entender como as nações centrais exploram recursos e pessoas nas regiões periféricas, resultando em graves injustiças ambientais. As tragédias ambientais brasileiras, como os desastres de Mariana e Brumadinho, a contaminação dos rios em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, e a poluição do Rio Cachoeira em Itabuna exemplificam essa exploração e negligência sistemática.

Trago aqui outras referências de tragédias em curso ou acontecimentos recentes, pois, são signos de que o que estamos acompanhando no Sul é um dos vários desastres anunciados e pactuados, direto ou indiretamente, pelos governos que afrouxam regras, facilitam licenças e se alinham aos interesses externos dos países centrais que historicamente exploram as “repúblicas bananeiras”, somos uma “República de bananas”? 

No sistema mundo, as economias centrais dominam as periferias, extraindo recursos naturais e humanos sem considerar os impactos ambientais e sociais. O Brasil, como uma nação periférica, sofre as consequências dessa dinâmica. Corporações multinacionais operam com impunidade, causando devastação ambiental e afetando principalmente comunidades vulneráveis, muitas vezes racializadas, maioria minorizada, que residem em áreas propensas a desastres.

Achille Mbembe, em sua teoria do brutalismo, descreve como a violência é institucionalizada e normalizada. No contexto ambiental brasileiro, essa brutalidade se manifesta na forma de negligência e na desumanização das populações afetadas. 

Os desastres de Mariana e Brumadinho são exemplos claros do brutalismo ambiental. 

A falta de fiscalização e a leniência das autoridades permitiram que essas tragédias ocorressem, resultando em centenas de mortes e na contaminação de vastas áreas. As comunidades afetadas, muitas delas formadas por trabalhadores rurais e pessoas racializadas, são tratadas com descaso, reforçando a ideia de que suas vidas são menos valiosas.

A contaminação por chumbo em Santo Amaro da Purificação, que afeta a saúde de centenas de moradores, e a poluição do rio Cachoeira, que compromete a qualidade de vida em Itabuna, são outros exemplos da negligência brutalista. Para não dizer do histórico abandono da baía de Guanabara e suas praias impraticáveis para o uso saudável do mar. 

Muniz Sodré, ao discutir a sociedade incivil, destaca a desestruturação social e a normatização da exclusão e da violência. No Brasil, a sociedade incivil se manifesta na falta de políticas públicas eficazes que protejam as comunidades vulneráveis de desastres ambientais e da violência urbana. O crescimento das favelas no Rio de Janeiro sob o domínio das milícias exemplifica essa dinâmica, onde a ausência do Estado permite que grupos paramilitares imponham seu controle, exacerbando a exclusão e a violência.

Além disso, Muniz Sodré introduz o conceito de democracia cosmética, caracterizando uma superficialidade nas práticas democráticas onde a aparência de justiça e inclusão não se traduz em políticas efetivas. No Brasil, essa democracia cosmética é evidente nas respostas ineficazes às tragédias ambientais e na falta de ações concretas para proteger as comunidades vulneráveis. 

As populações minorizadas afetadas pelas tragédias ambientais de Norte a Sul, pela contaminação em Santo Amaro da Purificação, pela poluição do rio Cachoeira e pelo controle das milícias são frequentemente excluídas dos processos de tomada de decisão e das discussões sobre políticas ambientais. Essa exclusão sistêmica é uma característica da sociedade incivil, onde a proteção dos direitos humanos e ambientais é insuficiente. A desigualdade ambiental no Brasil reflete essa dinâmica, com comunidades racializadas sofrendo os maiores impactos.

A relação entre o sistema mundo e o brutalismo é evidente na maneira como as empresas multinacionais operam no Brasil pautando o mercado dependente e financiando os interesses políticos. Essas corporações impõem uma lógica brutalista de exploração e negligência, alinhada as perspectivas da política neoliberal, que perpetua o racismo ambiental. O desastre no Rio Grande do Sul, as tragédias de Mariana e Brumadinho, a contaminação por chumbo em Santo Amaro da Purificação e a poluição do rio Cachoeira em Itabuna são manifestações concretas dessa interseção de conceitos e invisibilidade humana.

Apesar da brutalidade e da exclusão, as comunidades afetadas pelas injustiças ambientais no Brasil têm se mobilizado para resistir e lutar por seus direitos. Movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e outras iniciativas locais exemplificam essa resistência, buscando justiça e reparações. A luta dessas comunidades é uma forma de desafiar o sistema mundo e a lógica brutalista que as oprime.

Para enfrentar o racismo ambiental no Brasil, é crucial adotar uma abordagem interseccional que considere as dinâmicas globais, a violência estrutural e a exclusão social. Políticas públicas devem ser formuladas para proteger as comunidades vulneráveis, garantindo sua participação nos processos de decisão e promovendo a justiça ambiental de maneira equitativa.

O racismo ambiental no Brasil, exacerbado pelas tragédias citadas, e pelo crescimento das favelas sob domínio das milícias no Rio de Janeiro e outros estados como a Bahia, é um chamado urgente à ação. A compreensão dos conceitos de sistema mundo, brutalismo e sociedade incivil oferece uma lente crítica para analisar e combater essa injustiça. 

É imperativo que governos, empresas e a sociedade civil se unam para promover um futuro mais justo e sustentável, onde todas as vidas sejam valorizadas e protegidas, que possamos deste modo caminhar para uma verdadeira democracia de alta densidade.

*Richard Santos, também conhecido como Big Richard, é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UNB).

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