Suspeito é aluno da própria universidade. Crime envolve a adulteração de fotografias de projeto idealizado por estudante da instituição
por Carlos Carone no Metropoles
Dois anos após repercutir no Brasil e no exterior, um caso de racismo dentro da Universidade de Brasília (UnB) está perto do desfecho. O episódio, ocorrido em 2015, envolveu a adulteração de fotografias de um projeto idealizado pela estudante Lorena Monique Santos (foto em destaque), 23 anos, do curso de ciências sociais.
Desde então, o processo estava sob responsabilidade do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). No fim de novembro deste ano, no entanto, o caso foi transferido à Polícia Civil do DF (PCDF), para início das investigações. Na semana passada, a corporação descobriu que o crime foi praticado por duas pessoas, e chegou à identidade de uma delas: trata-se de um estudante da própria UnB. A identidade dele está sendo mantida em sigilo para não atrapalhar as apurações. O segundo suspeito também seria vinculado à universidade.
O ataque, de acordo com os investigadores, partiu de computadores instalados no campus e teve o IP, espécie de identidade da máquina, rastreado pela Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual, ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).
O projeto de Lorena Monique foi batizado de “Ah, branco, dá um tempo” e tinha como principal objetivo demonstrar que o racismo no Brasil é prática sutil, embora enraizada no comportamento da população.
O trabalho ganhou novos contornos após ser adulterado. As imagens originais apresentavam estudantes negros segurando quadros com frases que remetiam a um preconceito velado. Nas fotos adulteradas, os dizeres foram trocados por ofensas agressivas.
Veja o antes e o depois
As fotos originais continham frases muito ouvidas pelos estudantes negros. Na sequência, as fotos foram adulteradas com frases racistas, pelos criminosos
O crime foi praticado dentro do campus da UnB. A Polícia Civil identificou um dos autores dos ataques. Ele é estudante da universidade
O ataque racista teve como origem um computador instalado na UnB
ítimas e autores deverão ser ouvidos na delegacia, nos próximos dias. Muitos estudantes se sentiram humilhados com os ataques dentro da UnB
As fotos foram hospedadas em um site dos Estados Unidos, para dificultar as investigações. A Justiça norte-americana negou a quebra de sigilo da página, pedida pelo Ministério Público
Até hoje, as fotos continuam expostas no site Imgur. Os investigadores identificaram um aluno de 21 anos como um dos criminosos
Se forem condenados, os autores podem cumprir pena que varia de 2 a 5 anos de prisão
Cerca de 25 alunos procuraram a ouvidoria do Ministério Público para denunciar os ataques. A dona do projeto, Lorena Monique, afirmou que o racismo ainda existe na UnB
A Decrin abriu inquérito para investigar o crime. Os ataques ocorreram em 1º de abril de 2015
Fotos em servidor americano
Após o início das investigações, os policiais descobriram que as imagens disseminadas em redes sociais estavam no site Imgur, hospedado em servidores norte-americanos. As postagem foram feitas em 1º de abril de 2015, por um aluno de 21 anos, atualmente.
Na época, o crime foi denunciado por um grupo de 25 alunos que procurou a ouvidoria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O caso foi repassado ao Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NED). Os promotores tentaram chegar aos autores das publicações no site Imgur. No entanto, a página havia sido escolhida justamente por não exigir a autoria reconhecida das fotos.
O Ministério Público tentou intermediar, ao longo de meses, um acordo de cooperação entre o Ministério da Justiça e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, para a troca de informações. Contudo, esbarraram na legislação dos EUA, que não considera crime o ato praticado pelos estudantes, apenas um “ilícito civil”.
“Dessa forma, todo o processo foi remetido para nós, que já pegamos o trabalho bastante adiantado. É apenas questão de identificar todos os envolvidos”, explicou a delegada adjunta da Decrin, Elisabete de Morais.
Nas próximas semanas, os investigadores deverão intimar testemunhas e alunos que foram vítimas dos ataques, para serem ouvidos na delegacia. Após confirmar a identificação de todos os suspeitos, eles poderão ser indiciados por crime de racismo, o qual pode ter a pena aumentada pela difusão de imagens preconceituosas. “Com essa qualificação, a pena pode variar de 2 a 5 anos de prisão”, disse a delegada.
Repúdio da UnB
Procurada pela reportagem, a Universidade de Brasília disse, por meio de assessoria de imprensa, que ainda não foi notificada pela Decrin, mas reforçou sua atenção especial sobre o caso.
“A UnB repudia todo e qualquer ato de racismo e de ofensa aos direitos humanos. Caso fique provada a utilização de equipamento e comprovada a autoria por membro da comunidade universitária, será constituída comissão disciplinar para apurar as responsabilidades e aplicar as sanções cabíveis”, afirmou a universidade, em nota.
Racismo velado
Lorena Monique, a autora do projeto com as fotos originais, ficou satisfeita ao saber que o caso está próximo da resolução. “Essas fotos só comprovaram o que eu já sabia: o racismo faz parte da nossa rotina e está em todos os locais, mesmo em universidades nas quais a educação é o principal foco. Nunca pedi para concordarem com essa campanha, apenas segui uma ideia capaz de levantar a questão e mostrar que ainda existe preconceito”, disse ao Metrópoles.
Apesar de lamentar o episódio ofensivo, Lorena acredita que a reação agressiva ao projeto mostrou a necessidade de expandir o debate sobre racismo no Brasil.
Harvard
Lorena explicou que a ideia do projeto surgiu em 2014, a partir de vídeos que ela já produzia e publicava no YouTube, além de uma iniciativa semelhante feita por estudantes da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, que também debate a inclusão e a diversidade no campus. Na mesma época, ela fazia uma disciplina sobre antropologia visual.
As fotos foram tiradas em novembro, durante a Semana da Consciência Negra. “Entreguei o quadro e o pincel para que as pessoas escrevessem as frases. Para ajudá-las, fiz uma lista com cerca de 20 orações semelhantes às do projeto de Harvard. Algumas pessoas utilizaram exemplos da lista, mas a maioria escreveu espontaneamente.”