Racismo, universidade e conhecimento branco

Em um dia desses qualquer, leio em um grupo do whatsapp que faço parte, que uma estudante de graduação em Serviço Social quer pesquisar sobre a temática dos direitos reprodutivos e as mulheres negras. Qualquer ser humano pensante diria: “Nossa, que tema interessante e instigante!!!”. Mas não, a orientadora dessa garota teve a coragem de devolver a ela a seguinte questão: “Só poderá abordar tal temática se tiver uma ampla bibliografia produzida pelo próprio Serviço Social”. Ressalto: Produzida pelo próprio Serviço Social.

Por Carmen Corato Do ANF

Foto: Reprodução/ ANF

Sinceramente, caro leitor e leitora, espero que ao ler esta resposta da orientadora, também tenham se assustado, do contrário, saiba que você também reproduz discursos racistas ou, se preferir, brancos normativos.

Quando essa professora deu a resposta acima, ela quis inviabilizar (consciente ou inconscientemente) a pesquisa. Seja porque (supostamente) não existe bibliografia suficiente ou porque ela terá que estudar sobre a temática. Sabemos que estudos sobre a população negra é muito invisibilizado pela cultura branca ocidental no Brasil, tanto no que tange a constituição dessa população quanto aos indicadores sociais de como vivem. Consequentemente, pesquisar direitos reprodutivos e mulheres negras equivale buscar o que se já tem produzido (ler e estudar), bem como produzir novos materiais (ler, estudar e escrever). E já é aceito no mundo acadêmico que estudar quaisquer questões ligados a população negra não é necessário. Não há o interesse. Se tiver dúvida, basta recorrer aos acervos digitais dessas instituições e ver o que se tem produzido.

Logo, tudo o que acontece a essa população não haverá indicadores. Consequentemente, não haverá como buscar formas de melhorar a qualidade de vida da mesma, pois não se muda o que não sabe. A população negra compõe 54% de toda a população do Brasil (que se declara negra, sem contar aqueles que se acham moreninhos). Certamente, deveria ter sistematizado alguns indicadores sociais desse segmento populacional: 1. acesso a escolarização em todos os níveis e causas; 2. condições habitacionais e causas; 3. acesso à política de previdência, assistência e causas, e 4. acesso à política de saúde e causas. Se estiverem atentos, estão ligados ao tema da estudante. E aqui é importante perguntar: Por que essa professora não tem informação? O que faz com que o Brasil não se tenha um grande acervo, inclusive digitalizado da maioria que compõem sua nação?

Percebam, as pesquisas no Brasil são direcionadas para um público e este é branco. Os mesmos que produzem e encomendam são, também, os mesmos que querem continuar invisibilizando e impedindo nossas produções teóricas. Mas saibam, estamos de olho em vocês e denunciaremos quando isso novamente ocorrer, pois queremos contar a nossa própria história, inclusive apontar o quão foram e são complacentes com o racismo.

+ sobre o tema

Baixa cobertura vacinal contra HPV favorece casos de câncer

Sete em cada dez casos de câncer de colo...

Alcance e capacitação profissional são desafios do SUS para tratamento de autismo

Na sala de estimulação sensorial, equipada com piscina de...

Saúde e iniqüidades raciais no Brasil: o caso da população negra

Por: Isabel C.F. da Cruz* O Núcleo de Estudos sobre Saúde...

Mortalidade materna cai 43% no Brasil entre 1990 e 2013, diz OMS

O Brasil registrou uma queda de 43% na proporção...

para lembrar

Carta aberta aos homens negros

Alguns temas são espinhosos de abordar, sobretudo, em tempos...

Novo medicamento contra câncer de colo de útero é maior avanço em 20 anos, dizem cientistas

Cientistas acreditam ter obtido o maior avanço no tratamento...

Maria Lamadrid

A população negra resultante do tráfico de escravos durante...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

Seminário promove debate sobre questões estruturais da população de rua em São Paulo, como moradia, trabalho e saúde

A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...
-+=