Sempre que um macho ferido me escreve, depois de levar um pé na bunda, ainda com a marca do kichute do amor no fundo das calças, recorro a um dos meus conselhos sentimentais mais bem-sucedidos. Era um conselho específico que virou genérico.
Por Xico Sá
O que dá certo é para ser repetido e copiado.
Repare portanto, caro R., tu que me escreveste nesta quinta dos infernos, com o pseudônimo “Desesperado da Vila Tolstói”, zona leste, SP. Repare, no exemplo de Amaro, igualmente vítima de uma traição, uma bola nas costas como se diz na metáfora futebolística, com ou sem Copa.
Caríssimo desesperado, mire-se no exemplo de Amaro, repito:
Finalmente encontro Amaro. Ele queria agradecer por um bom conselho. Havia agradecido apenas por email. O seu desejo, aproveitando minha passagem no Recife, era oferecer um banquete, o que o fez de forma pantagruélica, babélica, dionisíaca etc, na sua residência em Piedade.
Ao seu drama, felizmente já resolvido:
O leitor aflito me escreve. Quer ajuda, conselhos, alguma consolação, ombro, ouvidos… Invoco a Miss Corações Solitários que costuma fazer morada nesta pobre caveira envelhecida em barris de bálsamo.
Não posso deixá-lo a mascar o jiló do abandono. Está desconsolado, como o Sizenando de Rubem Braga, que viu a amada cair nos braços de um playboy. Um idiota que não sabia sequer uma palavra de esperanto.
A vida é triste, Sizenando, como soprou-lhe o cronista.
Com Amaro não foi diferente.
Quis o destino parafusar objetos pontiagudos à testa da pobre criatura.
Sim, ela tem um amante. Daqueles amantes que se encontram à tarde, num intervalo qualquer, no recreio da vida chata.
Nem foi preciso contratar o detive particular, conta-me o nosso Amaro. Ele mesmo fez as vezes de cão farejador da própria desgraça.
Que fazer?, indaga, num email no qual até a arroba bóia em poças de lágrimas.
Mato o desgraçado?
Tiro a vida da desalmada?
Vou-me embora pra Tegucigalpa?
Salto mortal da ponte Buarque de Macedo?
Um trágico, esse rapaz. Como os de antigamente. Amaro é do tempo em que os homens coravam. Ainda tenho vergonha na cara, diz, urrando vaidades e orgulhos.
Sossega, Amaro.
O melhor que fazes, respondi ao marido em fúria, é sumir por uns dias, inventar uma viagem, e dar todo tempo do mundo ao infeliz desse amante.
Banalizar o amante, meu caro e bom Amaro.
Entendeste?
Deixar que eles durmam e acordem juntos por vários dias seguidos. Que tenham seus problemas, que percam o luxo dos encontros fortuitos e vespertinos, que se esbaldem.
É necessário deixar a Bovary sentir o bafo matinal da rotina.
A vida dos amantes dura porque eles só vivem as surpresas e valorizam cada minuto do relógio que põem sobre a cabeceira daquele motel barato.
Nada mais cruel para o amante da tua mulher que presenteá-lo com o pão-com-manteiga do dia-a-dia. A rotina é o cavalo de tróia do amor.
Amaro, nada de violência ou besteiras desse naipe.
Ao amante, todas as chances do mundo. Ao amante aquela D.R., a famosa discussão de relação, em plena TPM.
Um amante nunca sabe o que venha ser uma mulher sob o domínio da TPM. Ela faz questão de reservar todos os direitos desse ciclo ao pobre marido.
Ao amante, Amaro, a tapioca fria e sem recheio da rotina do calendário.
Ao amante, Amaro, a falta de assunto.
Ao amante, os cabelos revoltos da mulher, naqueles dias em que nem mesmo ela se agüenta ou encara o espelho. Naqueles dias em que os cabelos brigam com as leis do cosmo e não há pente ou diabo que dê jeito.
Some, Amaro, depois me conta.
P.S. – Amaro cumpriu à risca. Um mês e sete dias depois ela voltou desesperada e os dois celebraram a nova vida em mais uma lua de mel em Buenos Aires.
Fonte: Blog Xico Sá