Casos incluem invasões de templos, destruição de imagens, incêndios de residências e pichações
Por Fábio Marton, da Folha de São Paulo
A notícia saiu no dia 14 de agosto. Oito traficantes cariocas foram presos por ataques em terreiros de candomblé em Duque de Caxias, no Rio. Pertenciam ao Terceiro Comando Puro, facção que, segundo o delegado responsável pela investigação, tem como chefe um pastor. Em ação, eles se denominavam o Bonde de Jesus.
Parece uma incongruência falar em traficantes crentes, mas não se trata de algo inédito. Basta lembrar dos devotos narcotraficantes mexicanos e seus santos, como Jesús Malverde e Santa Muerte. No entanto, enquanto no México os narcos se dedicam a exterminar rivais com a bênção de santos apócrifos, no Brasil falamos de pessoas que seguem (ou acreditam seguir) uma corrente cristã histórica, internacional, popular e em ascendência.
Destruir terreiros não é resultado de suas atividades como traficantes, não é parte do negócio. Trata-se de colocar em prática o que aprenderam na igreja.
Eu estive lá para ver. Fui criado num mundo em que Satã espreita a cada esquina e atende por nomes como “pomba gira”, “exu tranca ruas”, “iansã”, numa perversa inversão do sincretismo brasileiro. Fui um evangélico pentecostal —e neopentecostal. E não consigo ver nada de misterioso nas ações dos “gospeltraficantes” (podemos chamar assim?)
Para os propósitos deste texto, pentecostais sempre inclui os neos. Na prática, é uma fronteira muito nebulosa: os traficantes pertenciam a um ramo da Assembleia de Deus, que, fundada em 1911, é a segunda igreja pentecostal mais antiga do Brasil. Não é “neo”. E a pregação do ódio está em todas.
Pregação que aprendi desde criancinha. Aos 8 anos, tinha muita dificuldade para respirar: alergia, rinite, bronquite, asma. Sem solução aparente (e talvez não querendo mudar a decoração da sala, que tinha o carpete de náilon de parede em parede), minha mãe, ainda católica, apelou ao espiritual. E me colocou diante de uma mãe de santo.
Tendo um pastor da Assembleia de Deus como avô, entendi imediatamente o desafio: Satã estava sendo invocado diante de mim, tentando se apossar de minha alma. Fiquei rezando, de olhos fechados, travando em minha imaginação uma batalha espiritual. Não disse uma palavra, e julguei a mãe de santo derrotada ao se afastar e dizer “esse menino tem fé!” .
A mãe de santo nunca teve como saber, mas o pirralho ranhento acreditava que havia sobrevivido a um filme de terror no qual era o monstro.
E os monstros só são visíveis para um lado. O historiador babalaô (sacerdote do culto de Ifá no candomblé) Ivanir Santos, 64, é possivelmente a maior referência acadêmica atual sobre a história da perseguição às religiões afro-brasileiras. Tivemos uma conversa por telefone, e ele foi o maior guia para a parte histórica que virá adiante. Fiz minhas apresentações dizendo que estava escrevendo sobre o “conflito entre igrejas pentecostais e religiões afro-brasileiras”. Tomei um pito. Quase acabou a entrevista. Ele me lembrou que não é conflito, mas ataques unidirecionais.
Ver esses ataques está ao alcance de qualquer um. Nada parece ter mudado nas últimas décadas —só aumentou o número de pentecostais e, com ele, o de ataques literais e simbólicos.
O professor Luciano Gomes, da Faculdade Arnaldo, instituição católica de Belo Horizonte (MG), comenta: “Essa é uma nova forma de experimentar a religião, uma experiência radical que exclui o outro”.
“Nas igrejas católicas”, continua, ”o demônio perdeu o emprego. Mas, nas evangélicas, ele ganhou espaço. O demônio enquanto figura bíblica, Lúcifer, não era mais suficiente como inimigo. E hoje isso aparece nas comunidades evangélicas, e é um problema muito sério —você tem o demônio, o diabo, e tem que ser destruído. É um discurso de ódio”.
Eu repeti esse discurso por 17 anos. Só agora, ao escrever esse texto, aos 41, fui começar a entender as consequências abismais para o outro lado.
Os números da perseguição aparecem no Relatório de Intolerância Religiosa, patrocinado pela ONG Ceap (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas), conduzido pelo Babalawo Ivanir dos Santos. No Rio de Janeiro, entre abril de 2012 a agosto de 2015, 71% das 1.014 ocorrências de ataques a templos e pessoas por causas religiosas foram contra religiões afro-brasileiras, com os próprios evangélicos aparecendo em segundo lugar, com 8%. No resto do país, repete-se uma proporção similar.
Segundo a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, já são 200 casos registrados até setembro de 2019, 35% deles na Baixada Fluminense, contra 92 ao longo do ano passado. Os números podem ser ainda maiores, uma vez que a subnotificação desse tipo de preconceito é colossal, alerta a CCIR.
Alguns dos casos citados: invasões de templos, destruição de imagens, incêndios de templos e residências, pichações. Um exemplo trágico famoso foi o da Mãe Gilda, do terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador. Em 21 de janeiro de 2000, ela morreu após infarto, em meio a um processo por ressarcimento moral.
Uma foto dela havia sido publicada, em 1999, num jornal da Igreja Universal do Reino de Deus. O título do texto: “Macumbeiros charlatões lesam a Bolsa e a vida dos clientes”. Isso inspirou membros da Igreja Deus é Amor (que é pentecostal sem “neo”) a invadir seu templo e tentar exorcizá-la. Em 2007, lei sancionada por Lula instituiu a celebração do Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa em 21 de janeiro, data de morte de Mãe Gilda.
A criação de uma data oficial, percebe-se, não basta para conter os casos de violência. Pai Guimarães de Ogum, 55, sacerdote da umbanda e presidente da Abratu (Associação Brasileira dos Sacerdotes de Umbanda Candomblé e Jurema), me recebeu em seu escritório, na cobertura de um velho prédio no centro velho de São Paulo, para falar sobre a perseguição e casos que pessoalmente acompanhou.
“O poder de comunicação, de informação, o poder político, o poder financeiro das religiões eletrônicas, as mais agressivas, é muito grande”, afirma. “Eles cresceram muito, principalmente na estrutura política. Existe bancada da Bíblia, mas não existe bancada da macumba.”
Guimarães cita as decisões do bispo Marcelo Crivella, da Universal, eleito prefeito no Rio. “Ele cortou qualquer incentivo às ações culturais envolvendo cultura negra e ao turismo religioso no 31 de dezembro, os festejos de Iemanjá. Até mesmo o Carnaval, a maior fonte de divisas, que expressa a cultura negra, ele tratou de forma indiferente. Ele não está tratando das questões da cidade, mas da questão evangélica. É o prefeito da Universal.”
Quando pergunto sobre exemplos pessoais, ele se demonstra enfastiado. “Em 20 anos da Abratu, são N histórias. Tem a história da mãe Cleusa, de Suzano, que estava no ponto de ônibus, paramentada —nem era nada muito complicado, só um turbante. Um pastor parou o carro e começou a pregar. Ela não deu bola, e ele bateu com a Bíblia na cabeça dela.”
Mãe Cleusa, segundo Pai Guimarães, foi depois indenizada pela pastor, num processo movido pela Abratu. Ele denuncia ainda algo além de ataques de crentes agressivos: ação dos próprios agentes do Estado.
Guimarães afirma que, com seu poder, a bancada evangélica consegue vagas em posições estratégicas. “A secretaria do ambiente hoje é um ninho de neopentecostais. Isso serve para proteção das igrejas, que fazem barulho —como na vigília, que é a noite toda.”
“O fiscal desce a rua e ele tem, do lado direito, a igreja evangélica”, continua. “Ele bate na porta, a pessoa vem e ele diz ‘Ô irmão, tá tendo um problema com vizinho aí. Você precisa diminuir o som. Porque hoje fui eu que vim —se você der azar com outro fiscal, nem todos são solidários’. Ele dá dois passos pra frente, do outro lado da rua ele vê um terreiro. Tem uma denúncia. Vai lá e nem bate na porta. E escreve que é um terreiro de macumba —e tem muitas multas escritas assim mesmo, ‘macumba’— e deixa a multa na caixinha de correio. Sem nem tocar a campainha.”
O presidente da associação também relatou múltiplos confrontos pessoais com a polícia. Sempre, também, sob o respaldo das leis ambientais sobre poluição sonora. “Aqui no Jabaquara [bairro da zona sul de São Paulo], mora Babá Vanderlei. Ele tem um problema com vizinho, evangélico delegado. Toda a festa que ele fazia na casa dele, a cada dois meses, começava a festa e baixava viatura. Um dia passei por lá e lembrei-me que estava tendo festa. Cheguei lá umas 23h30. Aí ele falou pra mim ‘que bom que você chegou, tá na hora de acontecer o escândalo’. Fiquei lá meia hora e saí, pus o pé na rua e chegaram as viaturas.”
GUERRA EM CASA
Existe um aspecto das agressões que não é registrado em estatísticas, denúncias ou relatórios: o que ocupa o foro mais íntimo. A estudante carioca Mayara Duarte, 20, teve uma experiência oposta a minha. Ela, como eu, cresceu numa família católica-evangélica, mas, enquanto eu fui o que subiu ao púlpito para pregar aos 10 anos e perdeu a fé até os 17, ela traçou outro caminho.
“Eu nunca me senti completamente à vontade na igreja. Sentia que faltava alguma coisa. Teve uma época em que eu comecei a sentir presenças, ver vultos, e cheguei a passar mal na rua. Descobri que era a mediunidade aflorando e que precisava cuidar dela.”
Mayara tinha amigos na umbanda e no candomblé, apesar dos avisos da família de que eram más companhias, o caminho para o inferno. “Eu contava essas coisas pra eles e eles diziam que eu tinha que procurar algum centro pra saber o que tava acontecendo. Eu tinha medo pois não conhecia, então não fui.”
Segundo ela, o primeiro passo foi a versão que parecia mais aceitável a um evangélico: a mesa branca, o espiritismo. Só então, quebrado o primeiro tabu do “satanismo” segundo as igrejas, passou a frequentar terreiros, a convite de amigos. Isso a pôs em rota de colisão com sua avó evangélica, com quem morava.
Ela mentiu para a avó enquanto pôde. “Eu falei que fui a um centro espírita kardecista. Ela é menos intolerante com isso. A sociedade está nem aí, né?”. Depois a verdade veio à tona. Mayara iria passar por sua iniciação, com o uso de roupas rituais mesmo em casa, o que tornava impossível ocultar. E, nesse período, teve que viver longe da avó, que não tolerava sua presença vestida assim.
Mesmo hoje, em que estão em relativa paz, ela precisa esconder as indumentárias. “Certo dia achou meu contra egum, que é, digamos, uma ferramenta de proteção, e minhas guias na gaveta. Ela simplesmente fez um show falando que não queria nada disso em casa. É racismo religioso.”
Toda essa cadeia de desafios enfrentados pelas religiões afro-brasileiras é listada na tese de mestrado de Babalawo Ivanir, “Marchar não é Caminhar – Interfaces Políticas e Sociais das Religiões de Matrizes Africanas no Rio de Janeiro contra os Processos de Intolerância Religiosa (1950-2008)”. É uma cronologia da perseguição.
No período colonial, praticantes foram vítimas da inquisição, que considerava as práticas, à maneira dos pentecostais modernos, feitiçaria.
Depois da bruxaria, veio a ciência. “Esse racismo já nasce no iluminismo”, afirma Ivanir, “em coisas como a explicação de Locke, um calvinista, para a escravidão. Em tudo isso, a África aparece como o primitivo, o exótico, o inferior. Isso está também nas igrejas tradicionais protestantes. A Igreja Luterana não pensa diferente das neopentecostais —a diferença é que essas usam isso para o proselitismo”.
“Feitiçaria” deixou de ser uma ofensa de morte para se tornar algo deplorado de outra forma, como superstição, coisa de gente primitiva. Isso está nas políticas higienistas da República Velha, que, com os cortiços, botou abaixo muitos terreiros também. E esse discurso foi parar em denominações mais afeitas à ciência. Como a Igreja Católica Apostólica Romana.
Morto em 2009, o bispo conservador Carlos José Boaventura Kloppenburg chegou a considerar as religiões de matriz africana um problema psiquiátrico, o que tornava-as nada menos que inconstitucionais. ”Práticas espíritas e umbandistas contrariam a ordem pública, e, por isso, são contra a Constituição que veda expressamente o exercício da ‘religião’ que contraria a ordem pública”, escreveu em seu livro sobre a umbanda de 1961.
Kloppenburg perdeu. As religiões africanas foram declaradas explicitamente constitucionais. Em março de 2019, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre a legalidade dos rituais envolvendo sacrifícios de animais, que estavam sendo ameaçados por leis locais, propostas ora por associações de defesa dos animais, ora por pastores.
É o “diabólico” tornado “insalubre”, fazendo eco às denúncias do Pai Guimarães sobre o uso de leis ambientais em São Paulo. Claramente, continua viva a associação entre o moderno, o “progressista”, e o fundamentalismo religioso para perseguir as religiões afro-brasileiras.
E há uma ironia no lugar que acabou ocupando o pentecostalismo brasileiro, como nota Ivanir. O movimento pentecostal nasceu de um pastor negro: Charles Harrison Mason, fundador, em 1897, da Igreja de Deus em Cristo. Os pentecostais dos EUA herdaram o fervor das igrejas afro-americanas.
Aqui, ele chegou pelos brancos. As duas primeiras igrejas pentecostais do Brasil, a Congregação Cristã e a Assembleia de Deus, vieram quase ao mesmo tempo —respectivamente, 1910 e 1911. A primeira, pelo ítalo-americano Luigi Francescon. A segunda, pelos sueco-americanos David Berg e Gunnar Vingren.
EM BUSCA DA PAZ
Eu tentei a opinião dos crentes. Contatei as assessorias do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Ministério Belém, da Igreja Universal, entre outras, já deixando claro o teor e as perguntas. Insisti. Não houve resposta.
Minha busca por pentecostais amigos das religiões afro-brasileiras foi basicamente infrutífera. Encontrei, porém, um pentecostal arrependido. Cristiano Barba é pastor de uma igreja independente, a Igreja do Armazém (Rio), filiada à Teologia da Missão Integral, um movimento evangélico de esquerda surgido nos anos 1970, que lembra a Teologia da Libertação católica.
Hoje ele divide podcasts sobre religião, cultura africana e música com o antropólogo e umbandista Orlando Calheiros.
Barba já esteve do outro lado.“Eu me converti aos 17 anos numa igreja de tradição presbiteriana, mas renovada. Depois, fui para o Japão e fiquei em uma neopentecostal, cria da Bola de Neve [Church, a famosa igreja do pastor pregando na prancha de surf].”
“Quando voltei ao Brasil”, continua, “fui para uma igreja neopentecostal da elite, fiquei por lá até me aproximar o suficiente da liderança, para conseguir sentir o cheiro de podre deles.”
Ele afirma que os pentecostais sequer o consideram cristão —e que o sentimento é mútuo. E não mede palavras contra eles: “Levar pessoas com deficiência mental ou facilmente sugestionáveis ao palco e insistir que elas estão possuídas por essa ou aquela entidade da cosmologia africana é de uma desonestidade atroz com a tradição cristã. E é um crime contra a tradição religiosa africana”.
Impossível não citar um outro rebelde, que ganhou bem mais holofotes que Barba: o pastor Kleber Lucas. A história dele traz um pequeno facho de otimismo.
Sua Igreja Batista Soul é uma batista carismática. Em geral, isso é considerado um ramo pentecostal das igrejas batistas, porque adotam ao menos alguns pontos fundadores da doutrina, como a ideia de batismo no Espírito Santo, que se revela pelo dom de línguas (glossolalia). Kleber, porém, não se considera pentecostal.
“Eu tenho trânsito nesse meio, mas minha direção é oposta, é pela tolerância, contra essa hostilidade, esse ódio, essa luta. Minha bandeira é outra bandeira.” Ele também não é adepto, como os pentecostais, do literalismo bíblico: “De forma alguma sou fundamentalista. A experiência de cada um é única. Deus não é propriedade do movimento evangélico”.
Mas ele já esteve do outro lado. Foi criado na Igreja Pentecostal Nova Vida, a mesma na qual Edir Macedo se converteu, e saiu há 15 anos.”Quando eu comecei a fazer leituras, dialogar com outras expressões religiosas, comecei a sentir uma inadequação a esse ambiente.”
Ele faz questão de lembrar, porém, que várias igrejas batistas, carismáticas ou não, propagam o mesmo discurso de ódio, que não se limita a pentecostais. Ainda que, como eu, pareça não ter achado exceção entre esses últimos: “Se eu lembrar de um, eu te falo, mas estou nessa há 30 anos e não identifico”.
O pastor costumava ter alta transição no mundo evangélico, pentecostal ou não, como um cantor gospel. Em novembro de 2017, quebrou um enorme tabu, participando da celebração da reabertura do terreiro Cazo Kwe Ceja Gbe, em Duque de Caxias, que havia sido destruído por um incêndio criminoso em 2014. Um provável crime de ódio nunca resolvido.
Kleber não estava sozinho na empreita: o terreiro fora levantado novamente com uma doação de R$ 11 mil do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic). Na época, a imprensa noticiou que as reformas foram patrocinadas por “evangélicos”. E a maioria das pessoas deve ter ficado com a impressão de que pentecostais estenderam a mão em solidariedade.
O termo “evangélico”, contudo, confunde. Representa um movimento protestante mais amplo, um ramo no qual surgiram os pentecostais, que ainda fazem parte dele. O Conic não lista nenhuma igreja pentecostal entre suas participantes: reúne luteranos, anglicanos, metodistas e batistas, protestantes tradicionais, além de católicos e ortodoxos.
Sua decisão causou turbilhão e acabou recebendo uma onda de ofensas; foi chamado de satânico, endemoniado, traidor. “No momento em que pararam de me ouvir cantar e me ouviram falar, comecei a incomodar”, afirma, contando que sofreu até ameaças à sua vida.
Fugindo do consenso entre evangélicos, o pastor fez oposição firme à campanha de Jair Bolsonaro para a Presidência, ao também pastor batista Henrique Vieira, do PSOL. Virou alvo novamente da fúria pentecostal ao convidar à sua igreja o amigo Babalawo Ivanir, em 14 de janeiro deste ano, quando então revelou que a mulher de Ivanir é “pentecostal fervorosa”.
Quem sabe a esperança resida mesmo nessas aparentes incoerências, em rebeldias pessoais, em conciliações pessoais que não coincidem com a mensagem geral. Entre meus entrevistados, também inclui o Pai Elias, que tem um terreiro na Mooca (bairro da capital paulista). Seu relato destoou dos demais entrevistados.
Gentilmente me recebendo em seu terreiro, ele me contou, serenamente, sua história, e não achou nada de duro para dizer a ninguém. “Cresci numa família evangélica, me converti nos anos 1960 e me separei deles.” Depois reataram relações.
Pai Elias nega ter sido vítima de qualquer forma de racismo ou preconceito religioso. Ele mesmo parece ser um exemplo de tolerância: chegou a um acordo de convivência com o pastor de uma pequena Assembleia de Deus, a um quarteirão de seu terreiro: “Eu mudei minhas reuniões de sábado para sexta para não cruzar com os cultos dele; vivemos como vizinhos e ninguém mexe com ninguém”.
Ninguém mexe com ninguém: essa é a mensagem básica por trás do secularismo republicano na Constituição, o que hoje parece estar em risco. Não há como terminar com uma perspectiva otimista. A todos que perguntei o que esperavam do futuro, recebi a mesma resposta: “Vai piorar”.