A república da cobra

e a cobra fumou na Faculdade de Direito da USP.

Por  Lelê Teles Do Brasil247

Edilson Dantas/ O Globo

em transe, como que possuída por uma potestade, a advogada Janaína Paschoal fez da bandeira do Brasil uma espécie de hélice de um helicóptero imaginário.

talvez o gesto tenha despertado algum demônio adormecido.

bufando pelas ventas e com os cabelos revoltos como o da menina d’O Exorcista, a moça apavorou o Brasil.

o que diabos lhe teria acontecido?

até ontem a rapariga flanava com desenvoltura pelos círculos golpistas do poder.

ao lado do pequeno Bicudo, foi massageada pelos brucutus do Roda Viva.

na Câmara, falou com desenvoltura, chamou a todos de Vossas Excelências, ganhou um tempo enorme de exposição no Jornal Nacional.

de repente, o surto.

como não sou de emitir juízo em matéria de gente desajuizada, fui buscar a opinião de especialistas.

tivesse eu em Itaguaí, procuraria o doutor Simão Bacamarte, mas na falta de um especialista, amparo-me na sapientíssima sabedoria popular.

fui ao centro da cidade, tablet na mão. mostrava o vídeo aos transeuntes e pedia que me ajudassem a compreender o que se passara com a moçoila.

“é constipação, moço”, afirmou uma senhora que vendia chips para celulares. “a mulher peida menos que o homem e isso cria gazes”, continuou a moça do chip. “pra mim ela parece muito enfezada”, emendou a amiga da moça-chips, “deve ter fezes presas em seu intestino”.

anotei as observações das trabalhadoras e fui ao encontro de um desempregado.

sujo, maltrapilho, magro como um faquir e com os olhos fundos, um jovem envelhecido descansava à sombra de uma marquise.

mostrei o vídeo e pedi a opinião do andrajoso. e ele foi taxativo: “é crack, dotô. é abstinência de crack. tive isso durante uns três meses. a gente fala mesmo em Deus, cobras e lagartos”.

tomei nota.

Zicka vírus, maconha estragada, excesso de agrotóxico, verme, chifre etc. ouvi diversos diagnósticos agnósticos.

mas nada me deixou satisfeito. então decidi procurar uma pessoa religiosa, deveria estar aí a resposta.

no cenário de Janaína, ao fundo, havia uma balança disfarçando duas cruzes, e uma delas estava de cabeça para baixo, como aquela em que São Pedro foi crucificado.

isso é satanagem, pensei.

passou uma mulher com uma burca, vestida dos pés à cabeça, só os olhinhos puros brilhavam de fora.

pensei se tratar de uma afegã subjugada por barbudos. fui a ela.
bom dia, a senhora é árabe?

“não, senhor”, disse-me ela se benzendo, “eu sou freira”.

com mil diabos, pensei, só agora me toquei que as freiras se vestem como as afegãs.

mostrei à casta criatura o vídeo da doutora Paschoal e pedi sua opinião.

“ah, moço, isso é coisa de evangélico, é teatro. o senhor viu que depois da pregação ela entregou o microfone para a outra e já estava boazinha. tem diabo aí não. isso é safadeza.”

essa eu nem anotei. freiras não sabem nada sobre safadezas.

mas a ideia da simulação ficou martelando na minha mente.

claro que ela simulou uma fanática oradora evangélica apaixonada: bateu na mesa, girou no palco, bateu cabelo, mudou o tom da voz, usou a guturalidade, abusou da expressão corporal e das frases de efeito.

o lance foi o efeito.

cara, a performance de Paschoal foi muito amadora, caricata, artificial.

man, eu vi malucos mais autênticos nestes últimos dias.

quem não se lembra do Batman do Leblon, do Capitão América verde-amarelo, das mulheres que se desnudaram na avenida, exibindo cirurgias plásticas e silicone?

como se esquecer da alucinada licantropia de Lobão, ou daquela outra que foi expulsa de um desfile de carnaval porque ficou pelada e pediu o fim da corrupção dentro de uma escola de samba?

quantos dedos médios em riste, quanta gente cuspindo ódio e pedindo a morte da mandatária nos acostumamos a ver nas televisões?

o lance da Janaína foi o amadorismo, a artificialidade.

ela não estava louca, não estava em transe, nem endemoniada.
ela quis mitar imitando um pastor evangélico.

teve seus 15 minutos de infâmia e agora passa automaticamente para a lata de lixo da história, como aquela camiseta que dizia “eu não tenho culpa, votei no Aécio”, ou aquela faixa “somos milhões de Cunhas”, ou mesmo aquele japonezinho que mostrou uma bunda murcha a um jornalista.

amanhã mesmo quem se lembrará dela?

palavra da salvação.

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