Respeitem as trans e travestis

Reparar injustiças perpetuadas contra essa comunidade deveria ser pauta prioritária

A justiça de uma sociedade pode ser medida pela forma com que esta trata os seus indivíduos menos privilegiados. A contar pela maneira com que o Brasil mata diariamente a sua população trans, estamos ainda em uma sociedade profundamente injusta.

“Sem pessoas trans não há democracia”, como bem resumiu Symmy Larrat, secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, em artigo no Correio Braziliense publicado nesta quarta-feira (29), Dia Nacional da Visibilidade Trans.

Bandeiras do Brasil e do orgulho LGBTQIA+ erguidas durante a 28ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo, em 2024 – Bruno Santos – 2.jun.2024/Folhapress

É uma falácia afirmar que pessoas trans estariam buscando direitos especiais: pessoas trans querem apenas viver com dignidade e em paz como qualquer outra pessoa. Queria ver se os ministros do Supremo Tribunal Federal, que decidiram após nove anos que a questão da discriminação contra pessoas trans em banheiros públicos não era constitucionalmente relevante para fins de repercussão geral, pensariam o mesmo caso a eles fosse negado o acesso ao banheiro por um mísero dia nas dependências do tribunal.

A trivialidade aparente do tema de banheiros para pessoas trans não significa que se trate de um tópico menor, pelo contrário: o caráter quase prosaico da demanda revela que pessoas trans e travestis apenas querem ter os direitos que todas as demais pessoas dão como certos —a começar pelo direito a não ter medo de ser morta em cada esquina do país. O Brasil responde por 30% entre os 350 casos de mortes de pessoas transexuais reportados no mundo, sendo o país que mais mata trans pelo 16º ano.

Em tempos de trumpismo 2.0, em que a bandeira da visibilidade trans passou a ser chamada de cor “algodão-doce” na distópica empresa Meta, nunca é demais lembrar que direitos de pessoas trans e travestis são demandas por justiça econômica. No Brasil, três a cada quatro pessoas trans não brancas têm renda de até um salário mínimo, e a estas pessoas é sistematicamente negado o acesso à saúde: reparar injustiças econômicas perpetuadas contra pessoas trans deveria ser pauta prioritária a qualquer progressista que se preze.


Thiago Amparo – Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...